Usina de Letras
Usina de Letras
16 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62282 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10386)

Erótico (13574)

Frases (50669)

Humor (20040)

Infantil (5457)

Infanto Juvenil (4780)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140818)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6208)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
cronicas-->PAI HERÓ -- 11/08/2000 - 09:24 (Luís Augusto Marcelino) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
- Joãozinho?!

- É você mesmo, cara? Quanto tempo...

Abraçaram-se fraternalmente, chamando a atenção dos outros clientes. Joãozinho nem era assim tão "ãozinho". Pesava mais de 100 quilos e tinha dificuldade para passar ileso por uma porta comum. Agachava-se na maioria das vezes. O amigo Dedé era o oposto. Franzino e miúdo, um pouco desfigurado por causa da barriga indiscreta, esculpida há anos à base de dúzias e dúzias de cerveja. Conheciam-se desde os tempos do ginásio, nos anos oitenta. Eram tidos como irmãos de sangue - aqueles que pactuam amizade eterna na adolescência, por meio de um ritual quase macabro de cortar os punhos, uni-los e fazer o juramento. Que nem unha e carne - como dizem nossos avós. Um só ia a determinado lugar se o outro acompanhasse. Cada um cúmplice das peripécias sexuais do outro, das falcatruas, dos golaços, das paixões ardentes, doentias... Só se afastaram quando o Joãozinho casou, em 90. Você vai ser meu padrinho de casamento, Dedé - dizia pouco antes de subir ao altar. À época o amigo se desdobrou para comprar o fogão, em prestações infindáveis e pesadas para o seu minguado rendimento. Encontraram-se poucas vezes depois do dia fatal. Moravam próximos, mas com o passar dos anos se distanciaram a ponto de não se verem mais. O batimento cardíaco de cada um deles se alterou naquele encontro inusitado.

- É seu? - perguntou Dedé, descansando a mão franzina sobre a cabeça loira do pirralho grudado ao camarada.

- É meu caçula. Tenho outro maiorzinho... E você?

- Também tenho um garotão. Está com sete anos. Olha aqui a foto dele - mostrou orgulhosamente o papai Dedé. Precisa ver o bolão que o moleque está batendo!

- O Bruno também é um cracão de mão cheia!

- Que bom. Meu Rafa está na escolinha do Palmeiras. E seu filho?

Joãozinho gaguejou enquanto tentava justificar que seu pimpolho só não entrara para uma escolinha de futebol porque ele andava meio ocupado com o trabalho, sem tempo de levar o garoto ao campo.

- Mas tem um professor de futebol na minha rua que acha que ele tem o estilo do Ronaldinho...

- O da Inter? - perguntou Dedé.

- Não. O Gaúcho.

- Ah... O Rafa tem a eficiência do Romário. Não perde uma dentro da área!

Joãozinho fez ar de pouco caso. Mudou de assunto abruptamente. Começou a avacalhar o juiz Lalau. Passou a desfilar seu arsenal de palavrões em alto e bom som, excomungando o magistrado desaparecido da Justiça. Como pode? Se eu roubar um pacote de biscoito é capaz de ter de apodrecer na cadeia! - resumiu, indignado. Percebeu a fisionomia de aprovação do velho amigo, que o ouvia atentamente. Resolveram caminhar a passos curtos, empurrando cada qual seu carrinho de compras, enquanto prosseguiam o debate político. Pararam apenas ao chegarem na seção de lacticínios. Dedé pediu um instante para observar os preços do leite. Hesitou por segundos até recolher da prateleira cinco caixinhas da marca mais em conta. Acomodou-as, satisfeito, no fundo do carrinho. Sugeriu que fossem ao açougue. Vou comprar um lagarto suculento para assarmos no sábado, lá em casa - afirmou sorridente.

- Esse leite tem ferro? - quis saber, já sabendo, o João.

- Não.

- O pediatra do Bruno recomendou que ele só tomasse leite com ferro... Evita anemia.

- O Rafa só tomava desse tipo - retrucou Dedé, meio sem graça. Mas o menino não se adaptou. Era cada diarréia...

Dirigiram-se ao açougue pelos corredores estreitos do supermercado. Ficaram calados durante o trajeto. Joãozinho, repentinamente, alegou um compromisso inadiável. Pediu mil desculpas e partiu em direção à fila do Caixa. Antes, porém, trocaram telefone e endereço. Novamente se abraçaram, desta feita com menos entusiasmo. Prometeram se falar durante o resto da semana para acertar os detalhes do churrasco na casa do Dedé. Despediram-se.

Meia hora depois ainda tiveram a oportunidade de cruzar os olhares. Dedé tentou disfarçar, fingindo não ter avistado o amigo. Mas Joãozinho acenou enquanto terminava de passar as compras pela esteira automática. Dedé acabou respondendo com um sorriso amarelo e um gesto de afirmação de que ligaria. O celular do João tocou e se perderam de vista.

- Viu só, Bruno? O amigo do papai não compra leite com ferro para o filho. Aposto que é um tremendo mão-de-vaca!

Dedé continuou na fila por alguns minutos. Ao empacotar os refrigerantes lembrou do filho e do reencontro com o amigo metido a besta. Sentiu vontade de puxar da carteira a foto do Rafa, a mesma que mostrara ao amigo. O filho pisando numa bola oficial, vestido com o uniforme da escolinha, esnobando charme de jogador profissional.

- Aquele gordinho com cara de bobo deve ser um cabeça-de-bagre de marca maior. Se puxou ao pai, então...
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui