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Erotico-->Infusão -- 06/09/2000 - 20:44 (Mencio Lopes Vidal) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Infusão

O sujeito chegou em casa ainda cedo. Lá por volta das 5 horas. Feliz e não feliz. Sabia que a mulher não estaria, mas estaria a sobrinha. Um porre. Senhorita “não gosto disso” “não gosto daquilo”, estava lá já tinha mais de semana. Na sua casa. Ele é que não a chamara. Nem tinha concordado com aquilo da menina passar “alguns dias” por lá. “É só por uns dias, até que as coisas melhorem prá Luíza” jogara a mulher. É nisso que dá ter cunhado pobre. Alguns dias? como é que o cunhado podia sair da penúria em que se encontrava em “alguns dias”?? O sujeito devia em todos os lugares em que, desavisadamente, lhe deram crédito. Ele, inclusive, tava nesta lista. Filho da puta irresponsável. Deixar faltar comida em casa é coisa de vagabundo. Pai desnaturado. Alguns dias, a mulher falou. Falou e já foi mandando ele buscar a menina na rodoviária, no dia seguinte. Não lhe perguntou se podia. Se ele concordava com a idéia. Nem se deu ao luxo de disfarçar, fazer de conta que adiantava ele não concordar. Tudo bem. Foi pegar a menina no terminal. Aliás, tinha certeza de que a passagem foi a mulher que pagou. Além de arcar com a menina, ainda tinha que pagar a passagem da moleca. Mas, tudo bem. Nem tudo é dinheiro nesse mundo. Qual o problema de ajudar alguém, quando se pode? Se a gente está por cima, não custa dar uma mão para o outro que não teve a mesma sorte. Ele nunca foi mesquinho. Nem pão-duro. Quando a mãe precisou fazer aquela operação de catarata foi ele, sozinho, que bancou tudo. Clínica de primeira, quarto particular, tudo nos trinques. Sozinho. Cinco irmãos, e nenhum deu um centavo sequer. A mulher não gostou nem um pouco. Teve a CORAGEM de dizer que ele tava tirando de casa prá dar pros “outros”. Outros??? A velha era sua mãe! E agora vinha com essa de ajudar a irmã que tava em dificuldades e devendo os cabelos da cabeça. Isso sim era tirar de casa prá dar pros outros. Mãe é uma coisa, irmã é completamente diferente! Mas tudo bem.

O pior foi quando a garota chegou. Aliás, quando chegou até que não. No dia em que ele foi buscá-la no terminal ela tava até bem comportadinha. Devia estar passando uns maus bocados na casa da mãe. Calada, nem sequer sorriu quando avistou-o indo em sua direção. Ele quase não a reconheceu. Na verdade olhou através dela e desviou o olho atrás da sobrinha da mulher, que vira quando tinha 4 anos - ou seria 5?, nem lembrava. Não fosse ela abaixar prá apanhar sua mochila, estufada a ponto de quebrar o zíper e vir em sua direção, ele não a teria conhecido. Foi chegando e já falando: “tem uma mala no ônibus” e entregou o tíquete, todo amassado. Nem um “olá”, nem um “obrigado tio, por me salvar a vida. Obrigado por me tirar daquela miséria terrível. Você é uma pessoa maravilhosa. Não sei como agradecer.” Entregou o tíquete amassado e olhou em direção ao bagageiro do ônibus, tentando descobrir qual era sua mala.

No caminho até sua casa não deu um piu. Olhava pela janela com olhar distante. Parecia que ele nem estava ali, faltando o trabalho prá levar a moleca prá sua própria casa, comer sua comida, dormir debaixo do seu teto usufruindo do seu conforto e sob sua proteção. De vez em quando ele tentava estabelecer um diálogo, inutilmente. Era um “é”, um “não” ou “humhum” e pronto. Estava terminada a conversação. Chegando em casa foi diferente. A garota fez um festa quando viu a mulher. “Oi tia”, “que saudade”, “obrigado”. Obrigado!? Ele estava na sua casa. Tinha concordado, ou melhor, permitido que a sobrinha da mulher fosse passar uns dias por lá e ela agradecia à tia. Paciência. Tudo bem.

O pior foi nos dias seguintes. A moleca tomou conta da casa como se sua fosse. O quarto do filho, aonde a mulher acomodou a sobrinha, virou quarto de menina. O garoto quando voltasse do curso que fazia no exterior - menino de ouro aquele menino! Vinte e três anos e já formado em engenharia florestal, e fazendo extensão no exterior. Alemanha! Não era prá qualquer um não... tinha lhe custado uma fortuna. Mas valia a pena. Engenharia Florestal não era um cursinho qualquer não, como aliás quis insinuar a cunhada quando soube que o garoto passara no vestibular. Afinal, ecologia não era o assunto do momento? Se os gringos queriam reflorestar o planeta, iriam precisar de Engenheiros Florestais para comandar o replante! O garoto enxergava longe, isso sim! Tinha puxado à sua família, logo se via. Mas o quarto do filho havia sumido. Todas as coisas do menino jogadas num canto do guarda-roupas. Pode? Podia. E a moleca foi assumindo lugar na casa. Sua sala de estar - lhe custara uma nota aquele home-theater - nunca estava disponível. A garota passava horas assistindo aqueles filminhos de amor vagabundos. Ou então botava o som na maior das alturas, a ponto de estourar os falantes - uma nota aqueles auto-falantes! - E as músicas? Pagode e música sertaneja. Pode? Punha os pés no sofá, enchia o tabacow de migalha. Uma porca! Puta que o pariu! E ele não podia falar nada. “coitada, amor, ela é uma adolescente, precisa ficar à vontade. Pelo amor de Deus, não vai maltratar a menina. Ela não tem culpa da sorte. Será que você pode ser menos egoísta?” ...Demais prá cabeça... Mas, tudo bem. Era só por alguns dias.

E agora ele entrava em casa sem ânimo nenhum, nenhum. Quando a mulher tava em casa, ele podia usá-la prá controlar mais a menina. Porque com a moleca não tinha diálogo. Quando ele reclamava de alguma coisa ela não se dava ao trabalho nem de responder... Olhava atravessado prá ele como se dissesse: “quem você acha que é? eu estou na casa da minha tia” e, no máximo, obedecia no momento. Quando ele via, ela fazia de novo. O sofá - uma fortuna! - já estava irrecuperável. Uma lástima. Entrou pela cozinha, porque a mulher inventou de dar sua chave da frente prá moleca. “mas ela não pode ficar com a da cozinha?” “deixa de ser chato! Tira uma cópia prá você” Era o que ele tinha de fazer. Tirar o raio da cópia. Mas nunca lembrava. Ou lembrava, mas preferia não tirar a cópia para sentir-se melhor. Porque tirar a cópia seria admitir que a garota iria ficar mais tempo do que o previsto. E isso, nem pensar! Tudo bem, ele entrou pela cozinha. O som vindo da sua sala de áudio e vídeo não deixava dúvidas de que a garota estava em casa. Leandro e... (como era o nome do outro?) “Eu juro... por mim mesmo por Deus por meus pais...” O som espalhava-se pelos cômodos da casa. Dirigiu-se a contra-gosto para a sala de áudio. Tinha que enfrentar a enjoada e pedir que diminuísse um pouco o volume. Como é que alguém consegue ouvir música nessa altura? À medida em que se aproximava da sala o som tornava-se cada vez mais insuportável. “Eu juro...” Tinha que falar com a mulher sobre isso. Ia acabar estourando os falantes. “por Deus por meus pais...” “coragem” - pensou, diante da entrada da sala. Era sempre um suplício pedir alguma coisa prá moleca. O olhar desafiador que ela lhe lançava deixava-o ao mesmo tempo puto e envergonhado de si mesmo. Por que ele não tomava uma atitude? devia mostrar à menina quem era o dono daquela casa. Porra! Entrou na sala. “Eu juro...” O sofá, vazio. A moleca deixara o som ligado e saíra. Putz! Era demais prá cabeça. E a conta de luz? Um absurdo! Tinha que falar com a mulher. Foi para o quarto, depois de diminuir o volume a um nível aceitável. Devia ter desligado, mas não queria que a moleca viesse reclamar e o obrigasse a tomar uma atitude - Ah! porque se ela passasse dos limites, ia ver só! - Melhor não precipitar as coisas. Teria de tomar uma atitude drástica se ela o enfrentasse. E, afinal, coitada, ela era adolescente. Paciência.

Quando passou no corredor em frente ao quarto da moleca (da moleca não! do seu filho, formado em Engenharia Florestal, menino de ouro!) notou algo que mudou imediatamente o seu pensamento. Que era aquilo? Será que ele vira direito? Deitada na cama de bruços, os dois pezinhos prá cima balançando prá frente e prá trás, a garota parecia falar ao telefone, distraidamente. Detalhe: sobre o corpinho (ele já havia notado que a moleca, apesar de chata, tinha um corpinho de tirar o fôlego) apenas uma camisolinha que, além de transparente, era curtíssima. E, se seus olhos não o enganaram, ela estava sem nada por baixo! Será? Bem, ele vira com certeza as duas bochechas do bumbum reluzentes e semi-descobertas pela camisola, não havia dúvida. Se bem que as calcinhas da garota (ele sabia pela marca nos jeans apertados e malhas coladíssimas que ela costumava usar) não tinham lá muito pano. Entravam pelos fundos tão fundo que, naquela posição, podia muito bem parecer que ela estava sem nada por baixo daquela camisolinha indecente. E bota indecente nisso! Entrou no quarto com a pressão alterada. Encostou a porta, instintivamente, bem devagarinho. Não queria que ela o notasse ali. Mas, como não? ele havia diminuído o som. Ela já devia ter percebido sua presença. Merda! Talvez não. Ele não havia alterado tanto assim o volume. Aliás, ainda dava prá ouvir perfeitamente os últimos acordes sertanejos atravessando as paredes da casa, mesmo do seu quarto. Que vacilo! Também, ele e essa sua mania de implicar com a menina. Que mal podia fazer, afinal, um pouco de música? Bom, ela não havia se virado, quando ele passou pelo seu quarto. Além do mais, ela parecia tão concentrada ao telefone, que não devia ter mesmo notado o volume diminuindo. Concentrada demais, até. Com quem ela estaria no telefone? Será que já havia conhecido alguém, assim tão rápido? Mas ela nem saía de casa! É foda... Esses garotos não dão mole. Devem sentir o cheiro de carne nova. Só pode! Será que ela já arranjara algum namoradinho? Quem? Isso não estava certo. Afinal, ela estava na sua casa. E viera para escapar do miserê, não foi? E agora já estava dando pro primeiro moleque que aparecia... E ela estava sob sua responsabilidade. Era sua obrigação de tutor zelar pela segurança física e moral daqueles sob sua tutela. É... sua casa não era bordel, não. Que negócio era esse de trazer estranhos para sua casa. Sabe-se lá o que esses maconheiros podiam aprontar... Ele já deveria ter imaginado. A garota ficava as tardes todas sozinha em casa. Na sua casa! Com certeza promovendo os maiores bacanais. Quem sabe até na sua cama?! Olhou prá sua cama, onde nada de interessante acontecia entre ele e a mulher, já fazia algum tempo. Imaginou aquela bundinha ali, virada pro teto, os pelinhos a um milímetro, no momento eriçados com aquela conversa no telefone... Mas, será que ela tava sem calcinha? Não deu prá ver direito... Foi tudo muito rápido. Ele tinha que tirar a dúvida. Mas, passar de novo pelo quarto era mancada. Além do mais, tinha que ser mais devagar, prá dar tempo de checar o negócio da calcinha. Não tinha jeito. Do modo como a cama estava disposta, o melhor ângulo era só vindo da escada. Se ele virasse para olhar podia dar na vista. Tinha que ser vindo de lá de baixo. Bom, tudo bem, ele descia para ir à cozinha e na volta... Mas, fazer o que na cozinha?... Porra, beber água, né mané? Mas porque ele tava preocupado com a desculpa da água? Aquela era sua casa, ele ia onde bem entendesse. Abriu a porta. Devagarinho. Merda, o que eu tô fazendo? Parece que nunca viu mulher! Mas aquela bundinha... Ele já havia notado aquele corpinho. Só não tinha visto aquele ângulo ainda. Também, ela já deve ter levantado há muito tempo. E eu tô aqui de otário. Putz, e se ela se mexeu e a camisolinha desceu mais ainda? Tinha que tirar a dúvida. Ela tava sem calcinha, só pode. Putz... Que bundinha... Seguiu pelo corredor, pensando em dar uma viradinha rápida ao checar à escada. Passou olhando com o canto do olho, sem coragem de virar a cabeça. Podia dar na vista. Apurou o ouvido. Ela parecia estar ainda no telefone. De fato, quando chegou à escada, pôde vê-la na mesma posição, distraída como na primeira passada, só que agora ela levava o corpo de um lado para o outro, como uma canoa flutuando. Deu prá dar uma boa olhada, porque ela nem fez menção de se virar. Deixou prá checar a história da calcinha na volta. Parou ao pé da escada. Deu um tempo para planejar perfeitamente a próxima passada. Ela estava de costas. Não ia notar se desse uma paradinha mais prolongada. E se ela virasse de repente? Ele ali com cara de tarado, quase babando, tentando descobrir se ela tinha ou não roupa de baixo. Terrível. Só de pensar, quase desistiu de subir. Mas aquela bundinha... Ah! foda-se! Qualquer coisa, ele não ia nem lhe dar tempo de pensar em maldade. Se ela se virasse ele entrava de sola, reclamando do som alto sozinho lá em baixo. Além do mais, ela é que devia estar preocupada, grudada no telefone sabe-se-lá-por-quanto-tempo, sabe-se-lá-com-que-vagabundo. E na minha casa! Lá vou eu! Parou, dessa vez bem mais demoradamente. Primeiro nos últimos degraus, de onde já podia ter uma visão parcial daquela coisinha ali deitada. Quando já dava prá ver bem os fundilhos da menina, parou, emocionado. Não tinha dúvida! Sem calcinha. E como era peluda a menina... Putz! Teve a impressão de ver o cú, num dos movimentos de barco da garota. Ah! Imaginou-se navegando naquela bunda branquinha... Lá estava ele, o corpo tremendo naquela sensação que remontava sua infância, quando costumava espiar as amigas de sua mãe no banheiro de casa, a pequena janela que dava para os fundos e que, de cima do muro de trás oferecia um ângulo maravilhoso do vaso sanitário e parte do box. O coração do menino parecia querer sair agora do seu peito, apertando-lhe a garganta e dificultando-lhe a respiração. A garota mexeu novamente a bunda descoberta, enquanto trocava o fone de uma orelha à outra. Concentrou-se no meio das pernas, tentando adivinhar o que não podia ver com precisão. Sua cabeça parecia girar e sua respiração estava tão forte, que teve medo de que ela pudesse ouvi-lo de onde estava. Então ouve um click. Uma volta completa da chave na porta da frente. Seu coração mudou o ritmo e ele sentiu sua adrenalina percorrendo-lhe a nuca em direção ao cérebro. Pensa rápido, cretino! A menina! Descer as escadas. Tarde demais! A mulher já fechava a porta lá em baixo. A garota virou o rosto e o viu ali, parado, trêmulo, encarando-a. Por um segundo, ou menos do que isso, os dois fitaram-se, sem expressão. Ele então começou a subir as escadas, tentando parecer o mais natural possível. A mulher o viu. “Querido, já está em casa?” Ele continuou em direção ao quarto. “Querido?” Ao chegar ao topo da escada, a mulher viu a garota, ainda desligando o aparelho. “Oi, minha filha, tudo bem?”. A menina respondeu com ar de tédio. “Tudo.., tudo bom com a senhora?” Ao entrar no quarto, a mulher quis saber: “Amor, você tá bem?” Ele havia entrado no banheiro. “Eu...”, gemeu, “tô no vaso...”. “Por isso você tava correndo tanto que nem me respondeu?”. “É...”, exagerou no gemido. “Humm..., que foi que você comeu?” Perguntou enquanto tirava os sapatos e os guardava cuidadosamente na sapateira do armário. Ouviu o barulho da descarga e depois o chuveiro. “Você quer tomar alguma coisa?”, perguntou, maternal. “Não”, foi a resposta. “Nem um chazinho?”, insistiu. “Tá, quero sim” A mulher terminou de tirar o sutiã por sobre o ombro e jogou uma camisola sobre o corpo. “Não quer um remédio?”. “É, pode ser...”. Ao ouvir o barulho da porta do quarto, sentiu-se mais aliviado. Se tivesse de encarar a esposa no momento do flargante, não conseguiria disfarçar o que sentia. Agora, sob o chuveiro, já sentia sua pulsação voltar aos poucos à normalidade. Resolveu ficar ali mais algum tempo, antes de ter que ir lá fora, enfrentar sua mulher. A mulher tudo bem. Parece que não percebera nada. E a garota? Ela o havia visto, naquela posição suspeita. Devia ter notado o que se passava. Ou será que não? Foi tudo muito rápido. Pode ter parecido para ela que ele estava subindo as escadas, e não parado ali observando-a. Será? Certamente ela percebera seu rosto avermelhado, o suor em sua testa e sua tremedeira. É foda! Tantos anos de estrada e ele tremendo como um adolescente. Claro que ela tinha notado! E agora? Com certeza ela ia contar prá sua mulher, pois era notória a antipatia que sentia por ele. Devia só estar esperando que ele descesse, para que a vergonha fosse completa! Ou talvez já estivesse contando tudo, exagerando nos detalhes, acusando-o de tarado, que a estava observando enquanto ela, distraidamente, falava ao telefone. E agora? Colou o ouvido na porta do quarto. Nada. Elas deviam estar na cozinha, sua esposa preparando-lhe o chá e a garota metendo o pau nele! Porque ele foi chegar mais cedo em casa? Devia ter ido dar umas voltas, como todo cara faz por aí. Mas ele, não! Ele tinha que ser um marido exemplar, que vai direto prá casa depois do trabalho, mesmo tendo em sua casa hóspedes indesejáveis. Se ele tivesse ido tomar umas, nada disso tinha lhe acontecido. É nisso que dá a gente ser decente! Querer fazer tudo direito! É foda!

Mas ela não tinha esboçado nenhuma reação negativa, quando o encarou. Talvez ela não tenha mesmo percebido nada, afinal. Ela o olhara sem nenhuma expressão, com o mesmo olhar que sempre lhe dirigia, desde que chegara em sua casa. Ou não? Ele havia percebido algo de diferente naquele segundo em que seus olhares se cruzaram. Ou fora só impressão? Sentira uma certa cumplicidade, um certo entendimento mútuo quando ela o olhou. Talvez ela tenha percebido, e não se importara com o fato. Ela era mesmo uma menina bem prá frente, dessas que não parecem esquentar com nada. Poderia muito bem ter notado sua manobra sem se incomodar com isso. Afinal, ele era o dono da casa, não era? Afinal, ele lhe dera um lugar onde dormir, comida boa e farta na mesa todos os dias. Ele pagava suas contas. Ele lhe salvara a vida, se lembra? Se não fosse por ele, ela estaria passando necessidade com aquele seu pai desnaturado! Talvez ela não tivesse, afinal, tanta antipatia assim por ele. Podia muito bem ser grata e saber reconhecer tudo o que ele lhe fizera. Que mal, então, podia fazer ele admirá-la um pouco? Talvez ela até gostasse. As mulheres não gostam de serem admiradas? De sentirem-se desejadas? Certamente ela não fugia a esta regra. Talvez quizesse até recompensá-lo de alguma forma por tudo o que ele lhe dera. Claro! Provavelmente ela já havia notado sua presença desde que ele chegara. Ele não havia diminuído o som do aparelho? Ela tinha que ter notado! É lógico! Agora que ele pensava sobre o assunto, lembrava-se de que ela, em nenhum momento, olhara para trás. É claro que ela sabia que ele estava ali o tempo todo. E quis deixá-lo pensar que dominava a situação. É lógico. Faz todo o sentido. Resolveu descer. Não tinha dúvidas de que decifrara a charada.

Ela não estava no seu quarto, ele pôde ver quando passou pelo corredor para alcançar a escada. Devia estar na sala de estar, como sempre fazia. Com certeza estaria ali, disfarçadamente ouvindo música, como se nada tivesse acontecido. Boa garota. Entrou na cozinha. Ela estava lá, em pé, segurando uma caixa de chá em saquinhos, enquanto sua mulher retirava o pires de sobre a chícara em que mantivera um saquinho em infusão para preparar seu chá. Aquela pequena surpresa o ruborizou levemente as faces e ele abaixou, instintivamente, a cabeça enquanto caminhava em direção à esposa. “Você tá melhor? Tá suando...” “Já tá pronto?”, perguntou, e sua voz saiu mais fina do que de costume.
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