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Artigos-->Crônica a um campeão não anunciado -- 30/06/2002 - 21:33 (Felipe Cerquize) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Não desce pela goela aquela final de 1998, com um Brasil combalido, vítima da derrota psicológica, perdendo de 3 a 0 para a França. Até hoje, fica no ar uma certa desconfiança em relação à partida final contra os donos da casa. Por determinações ocultas, teríamos facilitado para que os organizadores da festa levassem a copa? Colocaram algum remédio na refeição do Ronaldinho para que ele ficasse grogue? A França campeã ficou um tanto obscura nos quatro anos seguintes e, quando se falava em futebol francês, na verdade, falava-se quase que exclusivamente no tal Zidane. Podem falar o que quiserem, mas, para mim, fomos forçados a uma situação, que, num futuro menos comprometedor, acabará sendo esclarecida. E no Brasil, apesar do tetracampeonato em 1994 e do vice em 1998, o sentimento pátrio-futebolístico ficou meio mal-parado. Para completar, Ronaldo Fenômeno, que ainda era uma das grandes promessas que nos faziam acreditar numa correção de rumo para o início do século XXI, contundiu-se seriamente e ficou mais de dois anos fora dos gramados, tendo de se recuperar pacientemente de uma lesão gravíssima no joelho.



O início para a campanha de 2002 não mostrava uma Seleção convincente nas partidas das Eliminatórias. Para completar, ainda tivemos a infelicidade de começar o trabalho com um técnico que, apesar de alguns méritos na profissão, tinha como princípio a vaidade e a ambição doentia. Wanderley Luxemburgo era capaz de passar pó-de-arroz e travestir-se de executivo para aparecer belo à beira do campo, não raro usando um sobretudo negro que mais parecia a capa do Batman, quando ele começava a pular para comemorar um gol. Como já disse, teve seus méritos e até conseguiu conquistar a Taça Libertadores da América. Porém, o lamaçal de roubalheiras que engole e expele os cartolas do nosso futebol abriu uma de suas chagas sob o pé de Luxemburgo e ele, sem ter escolha, afundou. Criou-se um pandemônio em torno da pátria de chuteiras. A Seleção estava à deriva, sem comandante. Ricardo Teixeira também era alvo, mas, assim como os traficantes conseguem continuar comandando suas facções de dentro dos presídios, Ricardo foi mantido na direção da CBF, com a vantagem de não ser um presidiário.



O segundo técnico escolhido para tentar dar um rumo à Seleção foi o Émerson Leão. Tarefa árdua, que o bravo ex-goleiro resolveu encarar de frente, em outubro de 2000. Começou com o pé direito, ganhando da Colômbia por 1 a 0. As eliminatórias já estavam em fase bastante adiantada e Leão tinha que nos dar algumas vitórias para que assumíssemos uma posição confortável na classificação geral. As eliminatórias da Copa de 2002 tiveram uma organização completamente diferente das anteriores e não sabemos exatamente até que ponto isto nos prejudicou ao longo da campanha de classificação. O fato é que a nossa Seleção não era um bando, mas também não era uma equipe. No máximo, um grupo tentando melhorar. Os resultados seguintes ao jogo contra a Colômbia não foram satisfatórios. Uma derrota para o Equador e um empate com o Peru, sem contar o vexame que passamos na Copa das Confederações, onde empatamos com o Canadá e perdemos da Austrália. Leão, apesar de algumas consagrações como técnico de futebol, na verdade, nunca foi um agregador. Pior do que ele, só o Carlos Alberto Torres. Os deuses do futebol, já naquele estágio da campanha, assinalavam para o fato de que o nome Émerson não era bem quisto por eles para defender as cores do Brasil. No primeiro semestre de 2001, Leão foi despachado de voltas às ruas da amargura das selvas de pedra urbanas e a Seleção, mais uma vez, ficou sem um comandante. Estávamos a um ano da Copa do Mundo, não tínhamos uma boa campanha nas eliminatórias, não sabíamos quem teria competência suficiente para assumir o controle da situação e o nosso melhor jogador estava entregue aos médicos que se propunham à tarefa quase impossível de reconstituí-lo no prazo de um ano para poder jogar a Copa.



Em junho de 2001, decidiu-se pelo nome de Luís Felipe Scolari, que aceitou o convite. Enquanto a seleção argentina era líder disparada nas eliminatórias, o Brasil na sua tortuosa caminhada, ficava flutuando entre o quarto e o quinto lugares, com riscos sérios de até ser desclassificado pela primeira vez na história dos mundiais. Com a base que herdou, Scolari começou perdendo para o Uruguai por 1 a 0. Logo em seguida, veio a Copa América e, pasmem, o Brasil perdeu até de Honduras. Quando recomeçaram os jogos pelas eliminatórias, a instabilidade era a mesma de antes. Ganhou do Paraguai, perdeu da Argentina, ganhou do Chile e perdeu da Bolívia (!). Pelo incrível que pareça, dependíamos do último jogo, contra a Venezuela, para garantir a classificação. No dia 14 de novembro de 2001, com dois gols de Luizão e um do Rivaldo, o Brasil, finalmente, se classificava para a Copa do Mundo da Coréia/Japão. Parecia que o período mais crítico havia passado. Conseguimos o passaporte e Luís Felipe ainda tinha uns sete meses pela frente, tendo a esperança, inclusive, ainda que remota, de contar com o Ronaldo Fenômeno para a Copa do Mundo.





Vamos nos colocar no lugar de Luís Felipe (sim, porque é sempre bom se colocar na pele da pessoa que toma uma atitude polêmica, antes de criticá-la). Felipão assumiu o comando da Seleção Brasileira em meio a um verdadeiro vendaval. O time vinha mal nas Eliminatórias, o ex-técnico Wanderley Luxemburgo era alvo de investigações criminais e o último torneio, disputado sob o comando de Émerson Leão, na Ásia, fazia o Brasil amargar uma derrota histórica para o inexpressivo time da Austrália. Muito bem. Scolari assumiu o time e já tinha pela frente um jogo contra o Uruguai, em Montevidéu, e a Copa América, que além dos problemas futebolísticos impunha ainda o desafio de encarar a guerrilha colombiana. Felipão precisava do apoio de todos naquele momento. Pegava um time em crise e corria o risco de entrar para a história como o primeiro treinador a não conseguir classificar o Brasil para uma Copa (ressalte-se um detalhe: a culpa, na realidade, seria mais de Luxemburgo e Leão do que de Luís Felipe, mas nós sabemos quem seria o crucificado). Pois bem. A primeira convocação, contra o Uruguai, contou com o Romário. O jogador não se apresentou bem, mas enfim, ninguém estava bem naquele momento. Era apenas o começo do trabalho. Depois veio a lista para a Copa América. Novamente constava o nome de Romário. Desta vez o jogador apresentou um argumento: disse que faria uma operação e não poderia atuar. Dias depois estava jogando pelo Vasco em torneio no exterior. Ou seja, mentiu. Não teve a hombridade do volante Mauro Silva, que assumiu estar com receio de viajar para a Colômbia, que vivia uma guerra civil. A sorte de Romário estava lançada e servia de referência para que Scolari impusesse as suas regras como parte da tática que ele desenvolvia rumo ao pentacampeonato.



No primeiro semestre de 2002, realizaram-se alguns amistosos preparatórios da equipe que se formava. Ronaldo dava sinais de que seria possível participar da décima sétima Copa do Mundo. Depois de algumas experiências, os craques da preferência de Scolari foram convocados e a Seleção partiu para os últimos amistosos no Ocidente, antes de seguir para a Ásia. Faltando dezessete dias até a estréia do Brasil, finalmente, os vinte e três convocados pelo Felipão estavam sob o mesmo teto. O que nos permitia uma certa tranqüilidade inicial era o fato de termos caído na chave C, considerada a mais fraca das oito definidas. Mesmo assim, depois de havermos perdido até de Honduras, todo cuidado era pouco para tranqüilizar totalmente a torcida.





Chegou a hora da grande festa. O primeiro jogo do Brasil era contra a Turquia. A considerávamos uma equipe fraca pelo fato de não terem tradição em Copas do Mundo, pois, anteriormente, haviam jogado somente a Copa de 1954. Mas não era bem assim, tanto é que da dita chave mais fraca, saíram dois semifinalistas da Copa. A Turquia fez o primeiro gol, mas, graças ao nosso talento e à arbitragem, viramos o jogo e superamos o primeiro adversário. O segundo jogo, contra a China, conforme esperado, realmente foi muito fácil. Para os chineses, foi uma tremenda experiência, para nós, um bom aquecimento para o jogo contra a Costa Rica. Na verdade, o jogo contra a Costa Rica, por ser uma partida que já não comprometia a nossa classificação, acabou sendo franca, direta e aberta, brindando o público com sete gols, dos quais cinco foram brasileiros. Passamos para as oitavas-de-final e a torcida ainda não tinha convicção da capacidade técnica do Brasil, porém constatando a presença de grandes talentos, capazes de fazer belas jogadas características do que sobrou do nosso futebol-arte. O jogo era contra a Bélgica, equipe que vinha de dois empates e uma vitória apertada contra a Rússia na primeira fase. Não percebíamos na Bélgica uma seleção que intimidasse. O fato de já sabermos que o ganhador daquela partida enfrentaria a Inglaterra nas quartas-de-final fez com que nos dispersássemos um pouco com relação ao adversário que ainda tínhamos de enfrentar. Um jogo que foi relativamente menosprezado pelos brasileiros, mas que ofereceu perigo real de desclassificação da nossa equipe. Se o gol feito pelos belgas no primeiro tempo tivesse sido validado, talvez a história daquela partida tivesse sido outra. Mas conseguimos vencer e seguimos para as quartas contra a Inglaterra. A seleção inglesa era uma das remanescentes do grupo da morte, considerado o mais difícil de todos e, só por este fato, já nos impunha um certo respeito. Aquela foi a partida mais bem jogada pelo Brasil. Fora a vacilada do Lúcio no primeiro tempo, que permitiria à Inglaterra sair na frente no marcador, todo o restante do jogo foi muito bem administrado pela Seleção que, mesmo depois de ter Ronaldinho Gaúcho expulso na primeira metade do segundo tempo, soube distribuir-se em campo de maneira a ocupar muito bem os espaços deixados por estar jogando somente com dez jogadores.



Na semifinal, o destino nos reservava um novo encontro com a Turquia. Era a prova real para a nossa capacidade. A imprensa internacional acusava a arbitragem de estar favorecendo a equipe brasileira e a própria Turquia justificava a sua derrota para o Brasil na primeira fase devido ao erro da arbitragem. O jogo foi somente 1 a 0, mas a Seleção perdeu pelo menos uns cinco gols fáceis de fazer. Despachada a Turquia, restava-nos, então, a final numa partida jamais realizada na história de todas as copas, apesar de cada uma das equipes já haver participado anteriormente de seis finais de copa do mundo. Num total de dezesseis copas, até 1998, somente em quatro, uma das duas equipes não esteve na final. Alemanha, esse era o adversário dos sonhos que, se vencido, consolidaria a nossa capacidade em todos os sentidos. 30 de junho de 2002, oito horas da manhã. A partida começa e os nervos à flor da pele. De um lado, o famigerado goleiro Khan, tido como uma muralha que só havia sofrido um gol até a partida anterior. Do outro lado, o ataque brasileiro, cheio de erres talentosos, um deles especificamente, o Ronaldo Fenômeno, como o artilheiro da Copa até aquele momento e com a gana dos injustiçados, querendo apagar definitivamente um passado recente nada agradável. O primeiro tempo, tenso para os dois lados, acabou terminando sem gols. Algumas boas defesas dos dois lados, mas com um ligeiro predomínio da equipe brasileira sobre a alemã. O segundo tempo começou com sérias ameaças para a meta brasileira. Aí, brilhou a estrela de São Marcos. Alguns minutos depois, graças aos céus, o desencanto brasileiro aconteceu. Ficamos felizes como um bebê ao ver a toda poderosa muralha alemã bater roupa num chute do Rivaldo, permitindo que o Fenômeno, sempre alerta, chegasse junto e marcasse o primeiro gol brasileiro. Tomado o primeiro, obviamente, os alemães tinha que mudar de tática para ver se pelo menos recuperavam a igualdade no placar. Foi o suficiente para o jogo ficar mais leve e o Brasil criar mais algumas belas oportunidades de gol e, uma delas, depois de um brilhante corta-luz de Rivaldo, permitiu o nosso segundo gol através do Fenômeno, que chutou com plena consciência no canto esquerdo do tal Khan. Não havia mais chances para os senhores chucrutes. Brasil p e n t a c a m p e ã o!!



Luís Felipe Scolari só tinha uma chance: ser campeão. Caso não fosse, seria escorraçado do nosso futebol. Passaria a ser considerado como persona non grata por não ter convocado o Romário quando todo o povo exigia que ele o convocasse. Ao invés de usar a agressividade e a imposição aos convocados, usou a participação e a igualdade. Tentou fazer com que todos os 23 jogadores se sentissem com o mesmo valor. À exceção dos goleiros reservas, colocou, pelo menos por cinco minutos, cada um dos jogadores convocados para participar de uma partida. Quer queiram, quer não, boa parte dos méritos dessa conquista é do senhor Luís Felipe Scolari. Superstições à parte, ele fez um excelente planejamento, teve um comportamento de líder, que muitos querem ter e poucos conseguem. É mais uma prova também de que, mesmo com todo a mutilação que os cartolas vêm promovendo no nosso futebol, graças principalmente a nossos valores individuais (o valor individual de Luís Felipe Scolari permitiu a promoção dos talentos individuais e coletivo de todos os jogadores), conseguimos chegar a mais uma conquista. Em outros esportes, mesmo sem patrocínio, temos atletas que brilham e elevam o nome do nosso país para o mundo. O Brasil é um país fantástico e, sem ufanismos imbecis, acredito que a miscigenação sui generis aqui existente é uma das causas para isto, conforme a própria genética afima em suas teorias de diversidade. Parabéns a todos nós.

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