Joca é um menino. Deve ter entre seis e oito anos. Já brincou com soldadinhos de chumbo. Já ganhou de presente alguns carros de combate. Aviões e submarinos, também. Nunca perdeu uma guerra. Nem ganhou. Pois o seu objetivo sempre foi a diversão. Passar o tempo. Distrair-se. Mas agora, o Joça está preocupado. Não tira os olhos da televisão. Seus brinquedos aumentaram em tamanho e em quantidade. E lançam bombas de verdade. Destroem prédios. Apavoram e ferem as pessoas. Matam crianças. Por isso, Joca não está gostando nada desta guerra no Iraque. Diz que é uma guerra de verdade. E acha a guerra de verdade muito sem graça.
Muito barulho, muita fumaça e muita desgraça. Muita bomba que não acerta o alvo. Ele ouviu essas coisas pela televisão. Fala-se de bomba inteligente; de precisão cirúrgica; mas que também erra o alvo. E matam pessoas erradas. Tanto do lado inimigo, como do lado amigo. Diferente do cirurgião que ele conheceu no hospital. Que operou o seu avô. E seu avô está vivo até hoje.
Aquelas bombas, que chamam de mísseis, não têm nada de inteligentes. Só devem tirar nota vermelha na escola. Assim pensa o Joca. Matar seus próprios companheiros? Não faz sentido. Nem, tampouco, matar os companheiros dos outros. Afinal, somos todos deste planeta. E irmãos, sob a proteção de um mesmo Deus. Desse jeito, matando todo mundo, a guerra acaba. E aí não tem mais graça. Acabam, também, a amizade e as brincadeiras.
E tem a tal da guerra química. Que ninguém vê, mas que mata. A pessoa fica asfixiada. Também não tem graça nenhuma. Ainda bem que o Joca não viu ninguém morrer desse jeito. Até agora, pelo menos, só falam que a tal arma química existe. . Mas ninguém a viu. Será que um dos lados da guerra estaria mentindo?
O Joca também não entende as regras dessa guerra. No seu tempo, a brincadeira só começava quando um dos lados atacava o outro. Agora é diferente. Chamam de guerra o que para o Joca é invasão. Coisa de pirata. De imperador dos sete mares.
Esses invasores pensam que as crianças são ingênuas. Que ele pode enganá-las com balas e bombas de chocolate.Só mesmo chocolate estragado; pois muita criança já morreu nessa guerra comendo chocolate. Sem saber de nada. E morrem com os brinquedos de gente grande. Que matam de verdade. Que brincam com vida de todos. Brinquedos muito mal feitos, por sinal, pois estragam as ruas e praças. E muitos palácios bonitos são derrubados. Uma sujeira só.
Estas pessoas estão brincando com fogo. E como a dizia a vovó do Joça: quem brinca com fogo, amanhece mijado. A mãe desses terroristas disfarçados, com certeza, não souberam educa-los para a paz. Talvez umas boas palmadas resolveria. Ou cortar a sua mesada. E na escola, bem que a professora poderia colocá-los de joelhos sobre o milho. Depois, obriga-los a que escrevessem, no quadro negro, cem vezes, a seguite frase: ” Pedimos desculpas a todos os nossos amiguinhos. Prometemos nunca mais brincar com fogo. Defender a natureza e respeitar os mais velhos. No mundo inteiro”.
Brasília, 30 de março de 2003
(republicado, a pedidos)