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Artigos-->A inspiração e a Disciplina -- 30/06/2002 - 20:32 (Penfield Espinosa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Muito se falou em inspiração durante a construção do mito do artista romântico.



Nessa mitologia, o artista recebe todo seu texto pronto. De repente, um gênio da poesia há anos sem escrever, recebe todo um poema pronto, de uma levada só, e tem apenas que transcrevê-lo para o papel. O pintor se sente inspirado e, quase sem dúvida, vai à tela e faz uma obra genial. Até mesmo o romancista, que compõe uma grande obra, a recebe quase pronta.



Este é um país religioso, e mais que religioso, místico, mais do que místico, africano de candomblé, umbanda e quimbanda. Não é difícil ver o artista como um "cavalo", ou médium, da inspiração.



Considera-se que o romantismo começou no segundo terço do século 19. Na verdade, ele continua até hoje. Mas desde então outros movimentos estéticos se dedicaram a combater seus pontos de vista.



Por exemplo, na crítica literária do final do século 19 e começo do século 20 há um ataque concentrado contra a inspiração: críticos literários de esquerda, como Trotsky, e de direita, como Ezra Pound, unem-se para declarar que a inspiração não existia: o importante era que o artista trabalhasse disciplinadamente.



Isto é um fato: quando se lê a biografia de gente que supomos indisciplinados, sempre vemos que a pessoa não recebia a inspiração divinamente literária assim de graça, de uma hora para a outra. Bukowsky, o poeta e romancista que mexeu com toda a geração dos que eram jovens nos anos 80, era o modelo acabado de boêmio. Portanto alguém que era capaz de pouco trabalhar e receber a inspiração. Certo?



Errado: quando lemos a biografia de Bukowsky, vemos que ele trabalhou muito e muito. A literatura para ele, mesmo quando praticada em horários pouco usuais, era uma questão de esforço. Sem esforço vem a lembrança de Einstein: gênio é o produto de 1% de inspiração, somado a 99% de transpiração.



Falando em gênios, não conheço a biografia de Rimbaud, o poeta genial que produziu todos seus textos até os 16 anos. Não me surpreenderia encontrar em sua biografia algum trabalho intenso em seus poemas. Talvez grandes discussões sobre poesia com o já maduro Verlaine, seu amigo que muitos diziam amante.



É claro que não é impossível que existam exceções -- gênios já são uma exceção à regra da normalidade. Mas na história conhecida da arte, essas exceções não têm sido apontadas.



De qualquer modo, vale dizer que mesmo no reino do chamado "sobrenatural", os médiuns de umbanda e candomblé têm todo um treinamento. Mesmo eles que recebem a inspiração divina, têm de ser treinados.



Os músicos de jazz mesmo aqueles que improvisam e concebem músicas instantaneamente, a cada audição, mesmo eles tiveram treinamento. Treinamento em seus instrumentos, treinamento também em improviso.



Os Beatles que, como músicos de rock, eram supostos ser indisciplinados e pouco trabalharem, tinham músicas em quantidade para vários e vários discos. Jimi Hendrix, que segundo muitos morreu de overdose (na verdade, morreu de estafa), produziu muito: existem horas e mais horas de seus improvisos gravados em estúdio. Sua gravadora vai aos poucos lançando esses interessantes discos. Com fama de disciplinado, Machado de Assis também tinha imensa produção, lançada principalmente em jornais, que a indústria livreira cavocou. Contra toda uma geração de machadianos, que achavam que os textos produzidos com menos apuro desvalorizavam a produção do mago do Cosme Velho. Também de língua portuguesa, o grande Fernando Pessoa deixou um baú de escritos.



Contudo, uma frase fica ressoando de um texto de Trotsky, que era, além de revolucionário, uma pessoa que definitivamente tinha o gosto pela leitura. Ele comenta sobre um escritor apreciado por Lênin: o escritor é disciplinado, trabalha seus textos como um operário em fábrica, mas há grandes variações de qualidade em seus textos.



Isto é semelhante a Machado de Assis, não? E Machado de Assis era um gênio. Nem todos os improvisos de Hendrix são igualmente bons. E Hendrix era um gênio.



Assim, talvez a verdade esteja no meio: a inspiração existe, mas deve ser acompanhada pela disciplina. Algo como o artista tem de trabalhar muito para merecer algum contacto com as musas.



Algo como Ying e Yang: a inspiração, princípio feminino, criativo e irregular, e a disciplina -- apesar do gênero da palavra -- um princípio masculino, de regularidade e ordem.



Assim, isto é o que a história da arte sugere aos artistas: trabalhar bastante, mas com um olho na qualidade. Um crítico de música -- Arthur Nestrovski -- comentou que Brahms produzia muito, mas jogava fora tudo o que não fosse de alta qualidade. Por isso se tornou um clássico. Nestrovski comenta que um clássico do romance, Henry James, seguia procedimento semelhante com seus textos.



Esse critério é muito interessante. Contam os apreciadores do grande Balzac que existem páginas suas absolutamente horríveis, que apenas um péssimo escritor produziria. É claro que existem páginas ótimas, que apenas o grande Balzac seria capaz de escrever. Neste caso, o que importa é observar -- uma vez mais -- que mesmo o gênio é capaz de se equivocar. A solução é plantar muito, mas saber colher, saber separar joio de trigo.

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