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Contos-->Deniscley - o pimentinha do Terceiro Mundo -- 08/10/2003 - 09:48 (Paulo Milhomens) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

“ Já tô por aqui contigo Dênis! Fiquei com seu pai nesta sala até as dez da noite.” Não era possível, o jovem de pouco mais de nove anos era insuportável. “Eu vou quebrar este lápis, eu vou...” na prática ele dizia que matar a professora era mais eficiente. “Têm de de se resolver a situação desse malcriado.” Ninguém aceitava as malcriações de Dênis, às vezes achavam que ele explodiria. De danações, logicamente. Mas a inocência quase bárbara do menino surgiu ainda no berço. Tinha o hábito de morder os mamilos da mãe enquanto ela o amamentava, aproveitava a proeza e arranhava sua vergonha. Se lhe davam uma mamadeira, punha-se a chorar: “Quero esse diabo não!” – num soluço e meio, desatava mais mais uns cinco palavrões. “ Onde tu aprendeu isso, menino !” Dênis parecia mais altivo que os meninos de sua idade. Só que esta história que conto é sobre um menino de nove anos. Dênis aprendeu a flar com um e meio. A história começa assim: um certo dia, quando estava fazendo um trabalho acadêmico para a Universidade, estive com um amigo meu mapeando a estrutura de uma escola municipal. A biblioteca que utilizávamos para pesquisar ficava ao lado de uma sala para crianças “desassistidas.” Ou seja, diabinhos extremamente arredios, dóceis como anjinhos, capazes de derrotar um panteão inteiro.

Estava na mesa concentrado, lendo uma revista de fofocas ( já havíamos terminando a pesquisa do dia! ), quando escutei gritos histéricos na sala ao lado: “Deniscley! Cala a boca! Pára menino! Será o Benedito!?” – me surpreendia a voracidade da professora, a mulher berrava! Mas parecia não adiantar nada. Pelo que podia visualizar, o garrotilho subia em tudo quanto era lugar, não dava trégua. Comentei alguma coisa com meu amigo, que também estava na mesa. “ Se bobear, o moleque quebra essa parede.” Será ? – indaguei – acho pouco provável. E se ele resolver fugir da sala? Em menos de cinco minutos escuto uma pancada no outro lado da parede seguida de um grito: “ Menino! Não bate no coleguinha !” Imaginei alguma coisa, meu amigo ria. Deve estar colocando o amiguinho a nocaute, pensei. Olhei na porta da sala em que estava. Vi uma criança passar como um tatu fugindo de uma bala. “ Olha o moleque fugindo!” – redarguiu uma jovem que lia ao nosso lado. Resolvi tomar um copo de água.

Quando voltava do bebedouro, vi uma mulher de aproximadamente quarenta anos sendo trazida por dois homens. Chorava. Dizia que Dênis estava jogando por água abaixo seus vinte anos de magistério. “Talvez a polícia pudesse fazer alguma coisa” – pensei. Não sejamos tão idiotas, policiais não cuidam tão bem de seus filhos ( pelo menos eu acho ). Certo, não vamos generalizar. Suponhamos que um soldado não queira vir aqui por razões simples: possui um rebento pior que Deniscley. E se for parecido com ele fisicamente, pior ainda...

Fico pensando nas milhares de crianças como Dênis espalhadas por aí. Todos tão necessitados de amor. Todos filhos de mães tão desesperançadas, o reflexo em miniatura de seus filhos. São coisas pequenas, as vezes quase inpensáveis. É sempre penoso imaginar nossos filhos daqui há cinco anos. A mãe de Dênis nunca pensou no trabalho que seu filho daria desde a infância – e ainda estamos nela. Espero fazer mais histórias de Dênis contando episódios mais notórios de sua personalidade, só que na adolescência.

A mulher passou e gritou. Imaginei coisas muito mais densas, fui tão tranqüilo em minha infância, não comparo-a com as macaquices dele. Talvez Dênis seja um menino carente de amor, sim, o desgastado ambiente familiar pode tê-lo deixado assim. As crianças de 2 a 5 anos encontram um grande dificuldade em ser menos amargas. Dependendo de sua condição social possuem um mundo ilusório melhor, mas isso acarretará uma jovialidade mais doentia. Ora ! Não filosofemos, Dênis só quer brincar. É tão absurdo, eu não me vejo assim ! Ele não precisa pensar sobre isso. Absorto em pensamentos, escuto um soco abafado, parece-me algo ocorrido do outro lado da sala. Saio do meu transe. “Deve ser ele novamente.” Vou deixar o discurso da beatitude de lado. Dênis acaba de bater na professora, era só o que me faltava. Prefiro enxergá-lo como um caso isolado. Haverá um dia em que esse menino não precisará mais assistir na TV a filosofia bizarra de Goku, protagonista de “Dragon Ball GT.” Outras gerações serão extenuadas a ver a beleza da flor. A corrigir os erros do passado, a brincar com menos autocracia material, aproveitando melhor sua infância. Quando chamarem a ambulância para ver o caos na testa da professora, escorrendo sangue, imaginarão um mundo mais justo. O pai de Dênis não acarreta as mesmas transmutações que a mente de um policial, mas é alcóolatra. Quantas vezes já deve ter levantado a mão para a mãe do menino? Terá a mesma gravidade incestuosa que registra o bairro onde moro – que registra dados escabrosos sobre os lares desajustados. Famílias inteiras geradas da inconseqüência do concubinato suburbano. Se for assim, o sangue da professora, a arma do policial e o medo do coleguinha de classe tenderão a aumentar. Penso na conjuntura e vejo uma criança que não tardará a chegar na idade da razão. E com que razão se defrontará neste mundo ? O que pode parecer uma fase na vida de um ser humano às vezes é reflexo de espíritos doentios. Portanto, se você é pai ou mãe, cuidado. Os olhos traem o coração com muita freqüência.

Sento na cadeira novamente. Em breve começará as reclamações, seus pais não virão à escola. “Então ela mentiu quando disse sobre o pai ?” Correto. Já existe uma chantagem em torno de sua infância. Ou pelo menos da imagem que pintam desse garoto. O que deveria ser os melhores anos de nossas vidas na escola, torna-se um inferno. Saio do local com uma sensação de perda, uma vontade de voltar a ser criança para brincar com ele. Quem ? O mundo. Hoje em dia não brincamos tanto com ele. Espero-lhe no futuro garoto.



Paulo Milhomens
paulokalil@hotmail.com







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