Moço, não me bata, não me expulse. Me deixe.;
Isso não é seu. É lixo. E tem até peixe.;
Estou com frio, com sede e com fome.;
É até covardia fazer isso com quem não come.
Seu freguês não quer me ver.;
Acho que estrago o seu paladar.;
Ele acha que não sou um ser.;
Sou só algo que faz ele vomitar.
Eu como lixo, por ele ninguém cobra.;
Vivo como bicho, vivo do que sobra.
Fale para ele não me olhar, ou vire ele de costas.;
Ele come seu caviar, e eu como minha bosta.;
Que ela beba vinho, uma garrafa inteira,
Acabando aqui, vou atrás de uma torneira.
O lixo não é seu, você já jogou fora.;
Deixe-me jantar, e logo vou embora.;
Como, e você nunca mais vai me ver.;
Não me obrigue ao extremo, de matar para comer.
Eu como lixo, por ele ninguém cobra.;
Vivo como bicho, vivo do que sobra.
Diga ao chefe que saio jajá,
Que sou um mendigo obediente.;
Você não quer que eu entre lá,
e contamine o ambiente.
Mais um naco de pão e me vou,
Carne podre e pão velho me são alimento.;
Aliás, se eu não fosse o que sou,
deixar-lhe-ia os dez por cento.
Eu como lixo, por ele ninguém cobra.;
Vivo como bicho, vivo do que sobra.
Meu cheiro te perturba, te enoja?
Minha benção é ele não sentir.;
Nojo tenho eu, desta corja,
que me priva do direito de existir.
Batalho direto, contra todos e contra tudo.;
Minha vida é algo indecente.;
Se me dessem a chance do estudo,
fácil, fácil, chegaria a presidente.
Jantei, comi bem e estou contente.;
Nunca se esqueça disso que lhe digo.;
Você, seu chefe e seu cliente.;
Vivam vocês com o desprezo do mendigo.
Eu como lixo, por ele ninguém cobra.;
Vivo como bicho, vivo do que sobra.;
Não vivo como quero, só como você deixar.;
Não consigo ser, consigo apenas estar.
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