--Fíleas (autor de sonetos)
--Machado Penumbra (intelectual e escritor, um pouco mais velho, passadista e acadêmico à la Graça Aranha, ou seja, que apoiou a inovação modernista).
--Miramar (jovem poeta entusiasmado pelas vanguardas, em especial a futurista)
(Os três discutem caminhando diante do mar)
Fíleas (recitando o poema Dualismo, de Olavo Bilac, como se fosse seu) :- Dividido entre o ideal que perpetuamente te devora/ Residem juntamente no seu peito/ um leão que ruge e um Deus que chora.
Machado: -Tolero a arte não-convencional, pois a nossa natureza é propícia às violências maravilhosas da cor, é justo que nossa arte também o queira ser.
Fíleas: -O que mais me desgosta é ver a juventude resistindo a seguir regras bem limitadas, preferindo seguir aquelas ditadas pelo subconsciente irracional...
Miramar: - É que a juventude ama a liberdade!
Fíleas: - A arte pretende sair do pequeno palco iluminado onde até agora se restringiu. Pois, de agora em diante, vai mergulhar numa luz cinza onde ninguém mais vai ver o espetáculo...
Miramar: - Matemos o luar! Abortemos os heróis póstumos de província!
Machado: - Cuidado com o ultramar, Miramar! Não vá se tornar Miramártir do protetorado francês, hein?
Miramar: -I and my sisters speak french!!!
Machado: - Isso é cosmopolitismo dissolvente. O caboclo paulista, neo-bandeirante, é um Hércules bronzeado.
Miramar: - Não, o caboclo que você fala não passa de um jeca tatu! Dr. Machado, você tem um pensamento curupira, foi de Juca Pirama ao Juca Mulato, mas o recheio é o mesmo dos peris e ubirajaras, sem faltar uma azeitona!
Machado: -Não, meu jovem. Foi a guerra, a guerra que trouxe o pensamento do gênio louco doloroso, a loucura da superação do homem, abrindo caminhos de fogo para o super-homem. A Europa decaiu e precisamos fazer o parto americano da raça cósmica.
Fíleas: -Viva o serviço militar obrigatório! Quero o Brasil cheio de tratados de metrificação e escoteiros lépidos e fagueiros!
Miramar: -Morra o cateretê!!! Façamos a queimada na roça, viva o litoral civilizado!!!
2- Exterior: coreto de Aradópolis (a conferência de Machado Penumbra, estando presentes Fíleas e Miramar)
Machado:- A plenitude cafeeira e pastoril de nosso Estado se distende nos assaltos ao interior que foge num último galopar de índios e de feras! A cada investida vitoriosa, os novos bandeirantes são a reencarnação estupenda da luta, a magnífica, a eterna ressurreição simbólica da Força! Pela Força, chegaremos a uma civilização! Pela Força, pela Força!
Miramar (para Fíleas, em voz baixa):- os bandeirantes eram colonizadores portugueses, atrasados, sebastianistas que achavam que El-Rei era prisioneiro nos Andes. É tudo uma bêtise essa palestra!
Fíleas (irado, pedindo silêncio a Miramar) : - a poesia é imortal!
3 –Interior, apartamento, pós-matrimônio
Miramar: -Estou seguindo minha vocação de escritor!
Célia: - É sempre assim. E a fortuna do papai vai por água abaixo.
Miramar: - Eu devo me justificar, ora essa! Eu tenho hábitos modestos, graças a Deus! Sua mãe é que gasta demais!
Célia: -Eu não estou te acusando. Só acho que é uma asneira esse negócio de cinema, em que você se meteu sem me falar.
Miramar: -Você me dá raiva!
Célia: -Ficou zangado, joãozinho? Então dê um beijo.
4 – We Have no Bananas (Miramar e Célia)
Miramar: - Você está muito chata, agora que aprendeu esse foxtrote ranzinza falando We Have no Bananas!
Célia: -Yes, nós temos bananas! Banana prá dar e vender!
5 – No Salão do Hotel (Fíleas e Miramar)
Fíleas: - Meu jovem, você precisa aprender métrica e rima. Contar os pés, iambos, dáctilos. C’est n’est pas possible!
Miramar: -Aprendi foi a gostar de Madame Rolah no transatlântico.
Fíleas: -Leia os portugueses! Nós herdamos a missão civilizatória lusitana!
Miramar: - Esse portuga chato que vocês ficam lendo, com seus bigodes chaves de ouro, o Júlio Dantas!
Fíleas: - a juventude de hoje já nasce velha e abortada. Não sabe tocar a lira, e já a pega para arrebentá-la, para botar em seu lugar saxofones estridentes de jazz...
Miramar: -Seus poemas são escritos para três musas: uma mulher morena, uma lâmpada loura e um homem de bigodes!
6 –Salão de Carnaval (ao som de marchinhas)
Machado (para Fíleas): - A sua loira e estranha divindade dominou a sala fantástica até extinguir-se a última nota da mágica orquestra!
Fíleas: -Ah! Se todos os homens e mulheres do mundo possuíssem Rolah! Mas isso aqui viraria a Grécia!
Machado Penumbra: - É um grego de tendências emotivas!
Miramar: -Vamos beber à saúde de Lord Byron e ao jazz que acorda os deuses gregos adormecidos!
Machado: -Ah, as cópulas de salão...Vivemos numa civilização dançante...
Fíleas: -E como essa florida mesa reúne somente rapazes, eu beberei a Sócrates!
Miramar: - A vida é uma eterna recherche, vivemos entre lágrimas e emoções, derretamos as asas de Ícaro com lâmpadas elétricas, alcancemos as lantejoulas do nada!
No Clube Pingue-Pongue (conversa na mesa de pingue-pongue)
Miramar: -Aqui só se lê Rui Barbosa. Aqui é o fim do mundo!
Machado: -Aqui não se lêem romances de baixo calão literário e versos futuristas.
Fíleas: -Rebentam por aí, como pústulas, quadros de homens de hepatite e mulheres medusinas, de cabelos verdes...
Miramar: -Vocês são calmos e meditabundos jecas! E estão gerando jecas juniores!
Fíleas: - Bendita terra que possui tais efebos! Pátria, latejo em ti! (sorrisos e palmas dos outros componentes do Clube)
8 –interior –entrevista para A Cigarra
A Cigarra: -Por que não escreve um livro de memórias, caro João Miramar?
Miramar: -Não.
A Cigarra: -Mas é só assim que uma literatura adquire maturidade...
Miramar: - Ora, a maturidade aos poucos perde seu valor. A fruta depois de madura apodrece. Sou jovem e sou viúvo de dona Célia. Seria muito modernista escrever memórias aos vinte anos, mas precisamos ir mais rápido com o andor e quebrar outros santos de pés mais duros que o barro imemorial.
A Cigarra: Sim, mas você não acha que os viúvos devem ser circunspectos? O dr. Machado Penumbra afirma que, depois dos trinta, é preciso evitar uma atividade sentimental escandalosa, pois existe o risco de ser mau exemplo para os nossos jovens.
Miramar: -Machado é uma besta!
A Cigarra:-Engano seu!
Miramar: -Num certo sentido, você até tem razão. Porque não erguer um monumento da língua, já que sou o brasileiro do século XXI segundo o Machado, e tenho oportunidade de escrever no começo esportivo do século XX?
A Cigarra: -E o dr. Machado ainda o elogia....Presunçoso!
Miramar: -Já possuo o melhor penhor de crítica. Li um esboço das minhas Memórias aos Vinte Anos, antes do embarque para Paris, ao Dr. Pilatos.
A Cigarra: -E ele?
Miramar: -O meu livro lembrou-lhe Virgílio, apenas um pouco mais nervoso no estilo.
