Usina de Letras
Usina de Letras
47 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62247 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10450)

Cronicas (22538)

Discursos (3239)

Ensaios - (10372)

Erótico (13571)

Frases (50643)

Humor (20033)

Infantil (5442)

Infanto Juvenil (4770)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140812)

Redação (3308)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6199)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Poesias-->Da janela de Antonio -- 12/06/2004 - 07:44 (Luciene Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Da janela de Antonio



Antonio saia de manhã para comprar pão.

Tomava seu café preto com o alimento ainda quente

e sentava-se em sua cadeira de tiras coloridas

ao lado da janela.

E a manhã desfilava garbosa

muitas horas rotineiras

diante de seus olhos acostumados

com a claridade refletiva dos dias.



Passava por ela, a janela

toda a vida,

de fora para dentro

da janela dos olhos

de Antonio.



Ela ia espreguiçando-se,

a manhã,

junto com ela, a janela

trazendo os trabalhadores dos armazéns de fumo

das lavadeiras com suas rodilhas numa das mãos

e noutra, a lata com sede

e num dos braços a trouxa de roupa suja

enquanto, noutro, os meninos de olhos magros e contentes

de quê não sei, nunca atinei.



Bocejava a manhã

para a janela

mostrando um passeio onde passavam

moleques e molecas indo para a escola

e mulheres que iam à feira

umas grávidas

umas jovens

umas velhas

umas que iam acompanhadas

falando de tudo

até da vida alheia

e outras que iam sozinhas

matutando sobre as taipas de suas paredes.



Abria suas asas

a manhã

como se a janela nem tivesse mais tanta importância

e o sol ia virando-se de um lugar para outro

mudando o lugar das sombras

fazendo possível o adivinhar das horas só por isso

e muita gente que tinha ido, voltava

para ir-se novamente

e somente nesse instante Antonio saia da cadeira

deixando as tiras marcadas

para almoçar seu feijão grosso com farinha de mandioca.



Eram mais insossos os olhos de Antonio

mas não diziam se eram alegres ou tristes

apenas não davam notícia de nada

quedavam-se absortos nos grãos da comida

e tornavam, suas pernas magras de pés ossudos,

para a janela

sua vida.



O cortejo da fantasia conhecida

guardado como segredo

no silencio da língua muda de Antonio

continuava na viração da tarde em cair da noite

e todo o dia o abraçava

vendo as gentes que voltavam

tendo sobre a cabeça a rodilha sob a lata satisfeita

com pingos d água que fugiam, enquanto suas ancas balançavam

Águas satisfeitas, sede matada,

pronta a matar a sede de toda a gente da casa.



O sol pintava coloridos no céu que as vezes chovia

e as nuvens mormaças dobravam-se umas noutras

provocando uma massa de sobreposições leitosas

como se encenassem um espetáculo para a alma de Antonio

e o gado que havia, também, passado quando a manhã abrira seus braços

voltava guiado ainda pelo conduzir dos moços

que traziam sob os pés o cheiro do mato que crescia

como se tivesse intentando,

o mato,

cobrir de si mesmo todo o mundo que gozava naquelas bandas

as possibilidades misturadas com as impossibilitudes

Esterco, estrume, adubo de boa monta que preço não paga o riso da planta.



Então o sol caia

vencido e vencedor

dando vazão à noite de estrelas

no campo azul marinho daquele céu distante

como se tudo tivesse bailado para dar boas vindas

ao sono nos olhos de Antonio

e ele levantava-se novamente, da cadeira de tiras,

para tomar mais café com farinha e carne seca

fumar do fumo de corda

e deitar-se em sua cama branca de lona

ao lado de Paula

a que eu falo que corria durante todo aquele dia.



E eu, menina, de quando em vez observava a vida

pelos olhos que eu julgava sentirem

o que Antonio estivesse sentindo

mas eu nunca perguntei o que ele via.



Agora

dessa outra janela

vendo uma outra costela da vida

nesse vácuo cujo espaço

tem olhos taciturnos

vejo coisas que ele via

vejo coisas que ele não via

vejo as mesmas coisas

que ele nem dizia

e não ainda sei o que elas dizem

ou se dizem tudo o que ali havia

ou tudo que agora há.



E vejo Antonio

só Antonio

reverberando

soando como eco

para minhas outras janelas abertas

para essas que trago fechadas

e no meio de seus caminhos

ficam o que vejo e o que não vejo

das passagens em que nos fundimos

e percebo coisas

muitas que me escapam

outras que não me contêm

entre a alva e a noa

das noites de Antonio

derramando-se em meus dias.



L.Lima
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui