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Contos-->A MOCINHA DA BALANÇA -- 26/09/2003 - 03:58 (Lia-Rosa Reuse) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Caxias do Sul - 8 de Março de 1969 - 23 h. 50 m.

Querido Diário:
Esta noite tenho boas novidades pra contar.
Eu já lhe falei sobre a Festa da Uva : os carros alegóricos passam diante aqui de casa , Sinimbu 1951 - altos dos Correios e Telégrafos onde moramos porque o papai é Agente , Tesoureiro , Telegrafista e deve estar disponível durante 24 horas por dia. Nunca tem tempo para ver o desfile completo mas com a Agfa que foi seu primeiro presente à mamãe , na Festa da Uva de 1932, quando começaram a namorar oficialmente, fotografou o carro em que eu estou e o do Esporte Clube Flamengo.
O corso dura várias horas - os carros se apresentam também na Avenida Júlio de Castilhos onde vão por uma pista e voltam pela outra : não há como distinguir o firmamento da rua iluminada.
O entusiasmo das autoridades que nos visitam nessas épocas para tudo assistir das duas sacadas do prédio faz crer que não imaginam quanto atrapalham a vida da mamãe que deve tomar conta de todos sem abandonar suas funções na Tesouraria !
O carro da Faculdade de Direito é absolutamente luxuoso : sobre uma longa superfície revestida de veludo vermelho com curvas de violino e extremidades em ponta tem no fundo um diploma diante de uma beca e na frente um enorme símbolo dourado : um prato da balança cheio de moedas encosta no chão , o outro - que é meu lugar - sobe.Diante da espada as Tábuas da Lei rezam : DURA LEX SED LEX . Seu criador diz que sua mensagem é que a fortuna pesa mais que a sensibilidade e a vida.
Meu vestido é azul como o céu de um dia de primavera,de tecido tranparente que dança ao sabor da mais leve das aragens.Eu mesma o bordei com pedrarias aliás um dos meus poucos sucessos em trabalhos manuais. Quando eu o comecei , papai adoeceu e eu o continuei apenas para agradá-lo pois tinha certeza de que não seria possível participar da Festa. Nenhuma das colegas tem o peso adequado à balança e o sentido do carro se perderia se ela ficasse vazia. Então não desisti. À noite descíamos as escadarias - papai entre a mamãe e eu,apoiado em nossos ombros e enquanto sob nossos cuidados revisava os espessos protocolos de cada setor, com lágrimas de preocupação eu traçava no peito do meu vestido a magoada figura silenciosa da dúvida.
O traje ficou lindo ! As pedrinhas de cristal derramam-se ao Sol e à Lua são vagalumes secretamente nascidos do cetim azul dos sapatos de salto espelhado. Quando me embalo no meu prato da balança acariciam as flores de seda e as uvas de plástico que estão aos meus pés. É - não há uvas naturais nem flores verdadeiras:tudo é majestoso porém artificial.
Penso nas fotos da mamãe trajada de vindimeira , nos seus bordados em seu avental, sua blusa , o ornamento dos cabelos - era a delicadeza das primeiras Festas em 1931 e 1932 quando tudo era saborosamente perfumado de autenticidade. As jovens eram companheiras , amigas e confidentes , de uma vaidade ingênua , simples como o papel de seda com que coloriam suas faces , rosadas pétalas de flores e seus lábios vermelhos como maçãs maduras acordando o respeitoso apetite dos fãs. A Festa brotava no coração de cada um no ritmo em que a uva amadurecia.
Ontem, durante o último desfile noturno, ao passarmos pelo palanque oficial onde se encontrava o Presidente Marechal Arthur da Costa e Silva , abrimos uma faixa de todo o comprimento do carro onde grandes letras destacavam : "Queremos a FEDERALIZAÇÃO da Universidade de Caxias do Sul." Tendo em conta os fatos políticos de 13 de dezembro último foi um ato ousado e houve quem não gostasse da idéia. De qualquer modo o fato estará para sempre registrado em muitos jornais do País.
Os turistas e repórteres aproximam-se rompendo todas as barreiras. A televisão transmite tudo ao vivo. Esta noite diante das câmeras olhei para a esquerda e sabe quem eu vi ? Pois é,você sabe! Ele estava dependurado na janela do escritório. Como quando passou debaixo da minha sacada à meia-noite do Natal,atirou-me um beijo que enrubeceu até o meu espírito. Confesso que embora não seja exatamente bonito faz bater meu coração.
Ao chegar em casa um gracioso ramalhete de trigo e flores me aguardava na mesa redonda da sala com um envelope assim endereçado : " À Mocinha da Balança". Sabe o que ele continha ? Você nem vai acreditar ! A minha própria fototografia no desfile anterior e um bilhete que diz : "Desde que te vi te amo , desde o Natal muito mais , a Uva da Festa és Tu . Beijos N "
Você compreende sem dúvida minha felicidade e deposito entre suas páginas este momento mágico Agora que já lhe contei minha emoção você volta para a fransqueira azul-marinho chaveada , no fundo do armário.E eu vou adormecer meus sonhos num ninho de ternura como as doces vindimeiras das primeiras Festas da Uva.
É tarde e o sono me venceu ! Querido Diário , Boa noite !
Lia Rosa Reuse
LRR 15.09.2001-06.50 h.
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