CANÇÃO DE AMOR PATERNO
Deixa-me ser, por um momento,
Enquanto passa esse gelado vento,
Sua filha Electra, Agamenon.
Deixa que as suas glórias eu cante,
De Troya sua conquista brilhante,
E a fatal traição daquela farsante.
Deixa que eu seja sua filha,
E lhe fale desta melancólica ilha,
Deixa-me dizer como vai Londres.
Tenho andado tanto às margens do Tamisa
Olhando suas águas estranhas,
Que não tem a cor do pecado,
Que não tem a cor brasileira
Não mexe com minhas entranhas,
Vejo-as sem colorido, sem corredeira.
Você já conhece a ponte do milênio?
Liga a Catedral de São Paulo ao museu da arte moderna
À noite a ponte reluz, como uma lâmina sobre rio, coisa de gênio.
Mas nada me seduz, por falta de sua presença paterna.
Tenho tentado, ao máximo, me divertir,
Mas são enormes as saudades que eu sinto daí,
Londres, pra mim, sem você não tem praça,
Não tem flores, não tem nenhuma graça.
Mesmo os passeios de barco,
Até aquele que a Greenwich leva,
Não passa pra mim de um marco
Que pinta a minha saudade em arco.
Uma coisa dentro grita e me encharca.
Uma vontade de voltar para casa me abarca.
Não há em Londres nada que me interesse.
Seja hoje o meu paizinho,
Deixa-me ser sua menininha,
Estou precisando de carinho,
Londres à noite me entristece,
Tanta gente pelas praças e pela avenida,
E eu aqui tão solitária e sombria,
Com este sentimento arredio
Meio perdida na vida,
Como um veleiro, num porto vazio.
Tereza da Praia.
Série: Vadiação da alma indecente.
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