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cronicas-->Ser Humano é Perigoso -- 26/02/2003 - 14:02 (Fábio Sousa Queiroz) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O dia estava quente. Mesmo na sombra, o calor era sufocante, mas o vento ajudava a refrescar o corpo suado daquele velho trabalhador que voltava do seu trabalho todos os dias por aquele mesmo caminho na companhia de sua antiga Monark cujas rodas eram mais que amigas da estradinha de terra, por onde haviam passado diversas vezes ao longo de dez anos. O trajeto sempre foi calmo, exceto uma vez em que José quase atropela um pequeno gato-do-mato, depois disso, nada de mais aconteceu.
Só que aquele dia foi diferente de todos os outros. Quem dera José ter ficado doente e não ir trabalhar ou que pelo menos resolvesse mudar o caminho da volta naquele dia, afinal aquele não era o único jeito de voltar para casa. Mas a estradinha de terra, as árvores, os pássaros, o vento haviam conquistado o velho homem e nada nem ninguém o convenceria de ir por outro caminho.
Em um trecho em que a terra se tornava mais alva e José pedalava mais devagar para contemplar a paisagem, havia um açude onde, em outros tempos, ele havia parado para descansar e tomar água. Sentia-se um pouco dono do lugar, pois há mais de três anos não via ninguém por lá. Nem mesmo senhoras lavando roupas, o que é comum em cidadezinhas do interior.
Nesse dia ele não pararia, estava com um pouco de pressa. Mas algo inesperado o fez parar. À beira do açude, viu um amontoado de roupas. Observou-as por uns instantes, mas logo olhou em direção à água onde um jovem branco se debatia violentamente. Estava se afogando, pois, mesmo que fosse um bom nadador, no estado de embriaguez em que se encontrava, nadar era impossível. José não sabia disso. Ora! E que importància isso tinha?! O seu interesse estava em salvar a vida daquele pobre miserável.
Jogou a bicicleta de lado e pulou na água. Nadou com incrível rapidez, apesar do corpo de cinquenta anos. Conseguiu trazer o rapaz à margem já recuperado do efeito do álcool por causa do susto, mas que ainda lutava em se levantar entre tosses e jatos de vómito.
Já de pé, o rapaz sentiu a falta de sua carteira e José, sem pressentir o que estava por acontecer a ele, remexeu as peças de roupa na tentativa de ajudá-lo na procura.
- Tire as suas mãos pretas daí! Sabe quanto isso custou?! - perguntou, arrogante, o rapaz.
- Perdão senhor, eu só queria ajudar! - respondeu em tom solene.
- Ajudar?! Seu ladrão cínico! Eu sei que foi você quem roubou minha carteira!
O jovem investiu contra José na tentativa de revistar-lhe os bolsos da calça, mas este reagiu, pois, mesmo sendo um homem humilde, não pretendia ser humilhado por um forasteiro daquela maneira.
Em meio a socos e pontapés, um empurrão fez José cair à toda velocidade e peso do corpo, batendo a cabeça com força em uma pedra pontiaguda que havia na margem do açude. Seu crànio abriu e de dentro dele espirraram pedaços rosados do seu cérebro e o solo em volta da cabeça esfacelada logo se avermelhou. O assassino foi frio o bastante para esperar o corpo do pobre José parar de tremer. Quem estivesse lá para ver, jamais esqueceria da cena: José, cabeça horrivelmente esmagada, o corpo em convulsão, os braços e pernas dando espasmos extremamente rápidos e curtos.
O espetáculo macabro termina e o jovem começa a planejar a ocultação do cadáver. Para ele não foi difícil, era jovem forte e esperto e o local do acontecido ajudou muito. Prendeu o corpo na bicicleta com uma corda que havia amarrada no próprio meio de transporte do morto. Com um certo esforço, conseguiu levar o cadáver à parte funda do açude e lá deixou o produto do seu crime. Muitos dizem que a verdade nunca fica enterrada (afundada) por muito tempo, mas, neste caso, a verdade macabra daquele crime ficou lá, para sempre, no fundo da água.
O rapaz, que estava na cidade como turista, nunca mais achou sua carteira e também não se arrependeu do que fez mesmo tendo a certeza de que o velho não havia roubado nada, pois, depois de ter-lhe tirado a vida, pós as mãos em seus bolsos para constatar, friamente, que nada havia ali. "Quem mandou ele reagir? Eu só queria revistar os bolsos dele." Era assim que ele pensava, para se sentir menos culpado pelo seu ato de extrema violência.
Essa história é contada aos mais jovens daquela região como uma lenda, para que lhes sirva de exemplo a dignidade e a nobreza de espírito do grande José. O velho homem fez o que deveria ser feito, mas o jovem não soube reconhecer a atitude heróica dele. Coisas desse tipo acontecem muito, em muitos lugares, entre muitas pessoas.

Fábio S. Queiroz
21-25/10/2002

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