Discussão de Zé do Tabaco com o Doutor Saúde (cordel)
Gonçalo Ferreira da Silva*
O nosso Zé do Tabaco
É fumante inveterado
Que quando acende um cigarro
Já tem outro preparado
E sente grande prazer
Em dizer que é viciado.
Ao longo da longa noite
Zé do Tabaco tossia,
Quando parava uns segundos
Novo cigarro acendia
E recomeçava a tosse
Até o raiar do dia.
Esgotou a paciência
Dos próprios familiares
Que abandonaram a casa
Em busca de outros lares;
Foram procurar repouso
Nos mais diversos lugares.
O grande Doutor Saúde
Não tendo mais resistência
Despejou num copo oco
O resto de paciência
Vendo que estava esgotada
Ignorou a prudência.
Encontrou Zé do Tabaco
Sacrificando o pulmão,
Na boca um cigarro aceso,
Outro apagado na mão,
No bolso quatro carteiras,
Começou a discussão.
Dr. Saúde: Meu amigo, há uma lei
Até aqui não cumprida
Contra o uso do tabaco
Como brilhante medida
De restaurar a saúde
Para preservar a vida.
Zé do Tabaco: Fumo porque considero
Em uso muito importante,
Com um cigarro entre os dedos
Me sinto mais elegante
Portanto não me desfaço
Da profissão de fumante.
Dr. Saúde: Sobre os seus órgãos internos
Principalmente o pulmão
Se forma espessa camada
Em toda a sua extensão
Tornando quase impossível
A sua respiração.
Zé do Tabaco: Vá para a baixa da égua
Com esta sua charada
Pois não pé da sua conta
Que se forme a tal camada,
Eu posso sofrer com ela
Mas você não sente nada.
Dr. Saúde:Sei que você não aceita
Os conselhos de ninguém
Porém num lugar fechado
Fumando perto de alguém
É ele sem ser fumante
Prejudicando também.
Zé do Tabaco: Quando chego num local
Leio com muita atenção
Se fumar for proibido
Eu saio sem discussão
Mas não desprezo o tabaco
Porque não vejo razão.
Dr. Saúde: Pois vá fumar no fumódromo
Ou em lugar reservado
Se o ambiente for seu
Conserve-o sempre fechado
Pois assim você será
O único prejudicado.
Zé do Tabaco: Eu fumo onde der na telha
No verão e no inverno
Se for para o céu, eu fumo
Na frente do Pai Eterno
Ou na cara do capeta
Caso vá pra o inferno.
Dr. Saúde: Cale a sua boca suja
Pois eu conheço sujeito
Que não tem à própria vida
Qualquer sinal de respeito
E só despreza o tabaco
Depois que não tem mais jeito.
Zé do Tabaco: Eu só calo a minha boca
Depois que lhe perguntar:
-Você já viu neste mundo
mais distante lugar
alguém com duzentos anos
porque parou de fumar?
Dr. Saúde: Sei que todos nós morremos
Cada um no seu momento
Mas aquele que não fuma
Atenua o sofrimento,
Dilata o tempo de vida
Vive feliz cem por cento.
Zé do Tabaco: Você é escravizado
A programa social
Não percebe que fumar
É problema pessoal
Cabe portanto a quem fuma
Escolher seu ideal
Dr. Saúde: Se você acha que pode
Fumar livre em qualquer roda
Que fumar é elegante
Saiba que com esta moda
O seu direito termina
Onde você me incomoda.
Zé do Tabaco: Eu posso ser contra o mundo
E o mundo ser contra mim
Vou continuar fumando
Porque sou feliz assim
A nicotina e o sarro
Vão comigo até o fim.
Dr Saúde: Está certo, meu amigo,
Se ama tanto o cigarro
E se são seus companheiros
A nicotina e o sarro
Vai pra debaixo do chão
Pra ser coberto com barro.
Zé do Tabaco: Eu já vendi o meu peixe
Nada mais a declarar,
Mas posso ficar atento
Para o que quiser falar
Porém a minha maneira
De ser eu não vou mudar.
Dr. Saúde: Quem não fuma, meu amigo,
Inteligência revela,
Quem não fuma tem a pele
Suave, corada e bela,
Quem não fuma sai da vida
Não é arrancado dela.
Vamos todos dar um basta
Ao cigarro, à nicotina
Porque com clone ou sem clone
A verdade cristalina
É que a vida vem de Deus,
é uma dádiva divina.
Atente que você vive
Num mundo de fantasia,
Você será vencedor
Se puder dizer um dia:
-eu me considero um forte
pois venci quem me vencia.
É claro que todos podem
Com liberdade escolher
Com excesso do tabaco
O que mais lhe de prazer
Mas sem negar a si próprio
O direito de viver.
É tanto que agora vamos
Fazer um comissão
Com poderes soberanos
Para uma apreciação
Que julgará de nós dois
Qual é o que tem razão.
O presidente da mesa
Disse a Zé já na saída:
-Amigo, faça uma troca
do tabaco suicida
por outro que eu conheço
que até prolonga a vida.
Zé do Tabaco escutando
A voz presidencial
Colocou o polegar
Na posição vertical
E desprezou o tabaco
Que só lhe causava mal.
(*) Poeta cearense, radicado no Rio de Janeiro, onde é presidente da Academia Brasileira de Literatura de Cordel. E-mail: ablcordel@email.com.br
