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Cronicas-->Pai "herói" -- 06/08/2000 - 21:59 (Mastrô Figueyra de Athayde) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Pai "herói"

Quando o pai e a mãe brigavam (e como brigavam!), o menino esforçava-se para não tomar partido. Gostava dele e gostava dela. Às vezes pensava gostar mais de um do que do outro. E sempre que pensava assim, era do pai que ele achava gostar mais. Nessas horas, seu coração se apertava e, se ele fosse adulto, diria que estava angustiado. A mãe era tão boazinha... Mas o pai era o pai.
O pai tinha aquele jeitão de dono do pedaço. À noite, chegava às 9, às 10, às 11. Às vezes, nem chegava. De manhã, levantava-se às 10, às 11, ao meio-dia. Se cismava, só se levantava à tarde. Dizia que trabalhava para viver, não vivia para trabalhar. Se a mãe do menino reclamava, a resposta era:
- Sou um profissional liberal, sem horário e sem patrão.
Um dia, depois de sair da cama, ir para baixo do chuveiro, cantarolar, vestir-se, por perfume no lenço, tomar café e queixar-se do pão, da margarina e do queijo, ele avisou à mulher:
- Hoje vou levar o pixote comigo.
A mãe não aprovou a idéia, mas a insistência do pai e a ameaça de choro do menino acabaram vencendo. E lá se foram os dois, sob o ardido sol das 11h, pegar o ónibus. Estava lotado e o menino gostou disso. Tudo foi uma festa para ele: passar por baixo da roleta, ser jogado para frente em cada freada e arremessado para trás em cada arrancada, receber o sorriso de simpatia das pessoas, ter a cabeça afagada por elas.
Depois de 45 minutos de trancos e solavancos, a festa acabou. Ele e o pai desceram em uma avenida muito movimentada. Andaram uns 100 metros e entraram em uma borracharia, que destoava das outras lojas. Era feia, suja e sombria. Um homem de camiseta regata veio de dentro, abrindo os braços peludos para eles.
- Ó meu chapa, hoje você trouxe o secretário, é?
- É. O meu filhote. Ele vai me ajudar.
O pai foi até o fundo e voltou com um tabuleiro repleto de dropes, balas e chicletes. Pós as alças nos ombros e apareceu diante do filho como o filho o imaginava: importante, perfeito, único.
Instalaram-se na calçada. Uma hora depois, o homem disse ao menino:
- Garoto, você é o máximo. Nunca vendi tanto assim. Você dá sorte aqui para o papai.
O filho ficou sabendo então que vender duas caixinhas de chiclete era muito bom. E ficou mais feliz do que estava. E mais, muito mais ainda, quando o pai pediu:
- Aguenta um pouco aí, filho. Eu vou até o bar ali. se vier algum freguês, você faz um sinal para mim, tá?
O pai mandou o filho sentar-se no chão, encostado em um muro, e colocou o tabuleiro no seu colo. Depois, foi com seu andar gigante até o bar. Dali um minuto, o filho o viu no balcão, bebendo cerveja.
O calor estava forte e a sede do menino pedia um refrigerante. Mas o orgulho de estar substituindo o pai, mesmo que só por alguns momentos, logo o levou a esquecer a sede e o refrigerante.
Empertigado, começou a encarar com superioridade as pessoas. Gostaria que por ali passassem os garotos de sua rua, aqueles que o achavam pequeno demais para jogar bola com eles.
Ao olhar de novo para o bar, viu ao lado do pai, no balcão, uma mulher com um extravagante vestido vermelho. Os dois estavam rindo escandalosamente. A mulher pegou o copo dele e o esvaziou num só gole. Aí, o pai do menino deu um tapa na nádega dela e os dois recomeçaram a rir.
Quando saíram do bar, estavam abraçados. E continuaram assim ao chegar até onde o menino estava.
- Mas olhe só. Ele é mesmo a sua cara. Que gracinha! - comentou a mulher, beliscando a bochecha do garoto. Depois, baixando a voz, perguntou ao homem:
- Com ele aqui, como vai ser? Você não vai lá hoje?
- Hoje não dá.
- Bobão. Não viu como eu estou acesa?
Até o fim da tarde, o pai e o filho venderam alguns dropes, balas e chicletes. Mas, para o menino, aquilo tinha perdido o encanto. Quando voltaram para casa, ele abraçou a mãe apertadamente, longamente, desesperadamente, até que saiu uma pequena lágrima que correu pelo seu rosto, e percebeu que a sua maltratada mãe é que era a sua verdadeira heroína...

Mastró Figueira de Athayde é cronista e piloto da nave espacial Columbia.
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