Usina de Letras
Usina de Letras
144 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62214 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10357)

Erótico (13569)

Frases (50608)

Humor (20029)

Infantil (5429)

Infanto Juvenil (4764)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140799)

Redação (3303)

Roteiro de Filme ou Novela (1063)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6187)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cartas-->JEAN PIERRE -- 04/03/2003 - 17:46 (BRUNO CALIL FONSECA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
JEAN PIERRE
As contingências da vida levaram Jean Pierre a vender pães-de-queijo nas esquinas. Podia voltar a trabalhar de garçom, quando foi demitido de uma multinacional, onde trabalhou por mais de dez anos. Bem que tentou, mas ficou aborrecido. Era, por demais, conservador, precisava ter um jogo de cintura na hora de acertar as contas com o patrão e as gorjetas já não andavam lá estas coisas. Além do que, o ambiente em que gostaria de trabalhar já não lhe cabia mais. A velhice já tomava parte de seu corpo. A saída era um novo negócio, vender pães-de-queijo. Tinha uma mão boa para fazê-los. Havia aprendido a receita da sua vó. Foi a luta. Fez uma fornada, empacotou-os de dez em dez unidades, encheu a cesta e foi para a esquina.
Que decepção! Vendeu quase nada. Jean Pierre voltou para casa escabreado. Não teve nem coragem para retirar os pães da cesta e colocá-los em uma lata. Pôs-se a pensar. Primeiro culpou as crianças maltrapilhas e pedintes, os crakeiros, os vendedores de laranjas e tangerinas e os entregadores de folhetos de propaganda. Achava que era gente demais para um espaço só. Ninguém lhe abriu o vidro do carro, motoristas e passageiros mal olhavam para ele, quando olhavam, faziam-lhe pouco caso... Foi, deveras, uma tremenda decepção.
Pierre não tinha por costume entregar-se. Dizia para si: Eu sou Jean Pierre de Constanza. E um Constanza jamais se entrega. Como podem vender tanto churrasquinho de gato numa cidade de ares cosmopolita se eu não consigo vender pães-de-queijo tão limpinhos, indagava-se. E não era pra menos: os vendedores de espetinhos invadiram as calçadas, os clubes e tornara-se comum ver gente descer dos carros para comprá-los. E para deixá-lo mais intrigado ainda havia o fato de que os pães que tentava vender faziam parte da culinária mineira. Aliás, não só parte, era considerado iguaria mineira. Ao contrário, os espetinhos eram feitos de carne de segunda e tempero azedo. Muita das vezes a carne era de origem desconhecida. Havia uma história que, inicialmente, eram feitos de carne de gato, outra de Oswald de Andrade que, em São Paulo, eram feitos de carne humana por um personagem maníaco. Chegou a pensar que o povo daqui não comprava seus pães porque não tinha raízes de minas e que era influenciado por paulistas. Descartou logo essa última hipótese. Lembrou que até a Itália havia se rendido ao sabor de nosso pão-de-queijo
Sem respostas passou a observar os churrasqueiros. Notou que os espetinhos eram bem feitos, mas os seus pães também o eram; percebeu que a churrasqueira era bem feita, mas o seu forno também; que o carvão era de marca boa, mas a sua lenha era pura cerne, portanto, boa também. Oh! Só a qualidade da carne perdia para os seus ingredientes, mas já era do gosto popular que um saboroso espetinho tinha que ser feito de carne de segunda. Certo é que ele economizava no uso do queijo, mas não prejudicava a qualidade dos pães. Até que deixou de pensar nos detalhes e procurou ter uma visão espacial do negócio. Foi então que ele se deparou com a imponência da churrasqueira. Era fina, tinha coifa e uma enorme chaminé, tudo feito de chapa de aço. Os espetinhos já vinham embalados a vácuo. O vinagrete e farinha eram acondicionados em pirex cobertos com papel filme. Conclusão: já não era mais o simples espetinho da vila. Acabara o estigma de farofeiro. Tinha tomado ares aristocrático.
Hum!!! No momento da descoberta, ele estava de frente ao espelho olhando para si mesmo. Jean Pierre — conto —, tem sessenta anos, é vaidoso, mantém-se bem alinhado. É de cor clara e magro. Olhos, nariz, boca, enfim todas as partes do corpo conservam uma perfeita harmonia. É elegante no olhar, no andar, nos gestos e está sempre esbelto, pouco olha para baixo. Tem cabelos brancos, mas não tem sinal da calvície, o que lhe dá uns trejeitos de duque da corte dos reis Luiz. Se lhe faltava as indumentárias, por várias vezes eu imaginei — Pierre — vestindo calções, meias compridas, capote, colete, calçado, as mãos com luvas cravejadas de diamantes e os pés com mocasim feitos de pele de lebre, na cabeça, chapéu cônico de aba larga e no pescoço uma gravata de finíssima seda chinesa, de preferência, comprada dos piratas ingleses. Em outras vezes eu o imaginava apenas vestido como um obediente mosqueteiro do rei.
A olhar para si, ao contrário do que os bons costumes propõem, Pierre viu em si a própria solução. Associou-se aos ares aristocráticos das churrasqueiras que agora ocupavam espaço nobre nos clubes das elites e as esquinas da cidade de sonhos cosmopolita. Ao lembrar-se das coifas e chaminés, mandou fazer, sob medida, uma calça preta, duas camisas brancas, uma de manga curta e outra comprida; comprou sapatos pretos, gravata borboleta, fez as unhas, aparou os charmosos cabelos brancos, penteou-se ao estilo galã hollywoodiano dos anos setenta, vestiu-se com o traje novo (antes, porém, havia feito uma fornada de pães-de-queijo), trocou a cesta por uma bandeja prata, entrou no seu maverick branco e foi para a esquina, como se vai para uma esquina qualquer: incerto do que pode dar certo. Estacionou o carro sob a sombra de uma pequena árvore e, antes de sair, respirou fundo. Pelo retrovisor, penteou-se mais uma vez e verificou se a gravata borboleta estava no lugar, empinou o corpo, estufou o peito, respirou fundo mais uma vez, ajeitou a sobrancelha com o dedo indicador da mão direita, pôs a bandeja na palma da mão esquerda, esperou o sinaleiro fechar, enveredou-se por entre os carros e como um escolado garçom de salões requintados — aristocraticamente —pôs-se a oferecer seus pães-de-queijo.
Havia tomado a resolução de não se preocupar com a concorrência dos suados vendedores de laranjas, com seus pés em chinelos a deixar entrever-se por entre os dedos massa feita de terra e suor. Também não se preocuparia em dividir o espaço com as crianças fedidas e outras maltrapilhas, muitas vezes, de propósito. Em resumo não perderia a classe.
Neste dia Jean Pierre teve que voltar mais cedo para casa. Em menos de uma hora vendeu toda a bandeja de pães-de-queijo. E assim se repete nos dias que se sucedem. À sua clientela, antes professores de primário, ambulantes, pedreiros e serventes, juntaram-se médicos, engenheiros, psicólogos, enfim toda a sorte de profissionais liberais. Os vidros elétricos dos vectras, mercedes e mitisubishi tornaram-se-lhe mais amistosos. Na quarta-feira passada vi como ele ficou feliz quando uma senhora, que estava numa pajero, buzinou para ele, abaixou os vidros e comprou-lhe dois pacotes de pães. Ele vendeu rápido e foi atender a outro cliente. Às vezes noto que ele é motivo de chacota, mas logo se percebe que quem a faz não tem a sua classe. Parabéns Jean Pierre de Constaza, você é um dos melhores vendedores do mundo.
A IMAGEM DO ADVOGADO

CONTOS E CRONICAS

CONTOS E ESTÓRIAS AVE DA PAZ

PROVÉRBIOS MUNDIAIS

VEJA UMA BOA REDAÇÃO

QUE LINDO MONOLOGO

CONHEÇA O AUTOR
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui