Estamos dando continuidade a publicação destes pequenos artigos que visam mostrar um pouco da escrita poética feminina no cenário nacional e mundial.
Pretendemos, tão somente, falar da emoção de nossas descobertas literárias ao nos depararmos com a vasta produção feminina na construção de uma identidade poética.
É antes de tudo, uma gota de perfume que permitirá ao leitor curioso, buscar outras essências, a partir da publicação destes textos.
Elisa Lucinda
Elisa Lucinda nasceu no dia 2 de fevereiro de 1958, em Vitória-ES.
Elisa descobriu e apaixonou-se pela poesia em tenra idade. Aos onze anos de idade, ingressa no Curso de Interpretação Teatral da Poesia, ministrado pela professora Maria Filina Salles Sá de Miranda, quando começa a declamar poesias.
Formou-se em Jornalismo no ano de 1982 e, a partir de então, iniciou sua carreira teatral. Em 1986, vem morar no Rio de Janeiro com o filho Juliano. Ingressa no Curso de Interpretação Teatral da Casa de Artes de Laranjeiras (CAL).
Além de escritora, Elisa Lucinda é professora universitária, atriz de teatro, televisão e cinema, mas é sem sombra de dúvidas o “dizer” poesia que mais a encanta e onde ela tem tido maior notoriedade.
No teatro participou de:
- Rosa, um musical brasileiro, de Domingos de Oliveira e Joaquim Assis
- A Serpente, de Nelson Rodrigues
- Bukowski, bicho solto no mundo, adaptação de Ticiana Studart e Domingos de Oliveira
No cinema participou de:
- Referências, de Ricardo Bravo
- A Causa Secreta, de Sérgio Branchi
- Butterfly, de Tonico Servi
- O Testamento do Senhor Nepomuceno, de Francisco Manso
- A Enxada, de Iberê Cavalcante
Na televisão participou da:
- Telenovela Kananga do Japão, de Tisuka Yamasaki
- Telenovela Araponga, dirigida por Cécil Thiré
- Telenovela sangue do Meu Sangue, dirigida por Nilton Travesso
- Minissérie E escrava Anastácia, dirigida por Henrique Martins
- Minissérie Mãe-de-santo, dirigida por Henrique Martins
- Minissérie Preconceito, sob a direção de Herval Rossano
- Minissérie Mulher, dirigida por Daniel Filho
Realizou os seguintes espetáculos solo, shows, recitais e pockets shows, onde a música e a poesia entrelaçam-se:
- A Hora Agá, RJ
- Pode Café, RJ
- O Mar Não Tá Prá Preto, RJ
- Há uma na madrugada, RJ, Lisboa e Porto
- Casa de Mulher, RJ
- Te Pego Pela Palavra, MG
- Dona da Frase, BA, SP e MG
- O Semelhante, SP, RJ, Cuba, Portugal, República do cabo Verde e Canadá
Prêmios recebidos:
- Atriz Revelação no Festival de Cinema Brasileiro (Troféu Candango, 1989 – DF)
- Melhor Atriz no Rio Cine Festival (Troféu Sol de Prata, 1990 – RJ)
Um pouco da poesia de Elisa Lucinda:
Prévia
Quando meu amor ia chegar
e eu nem sabia
preparei já sabendo
uma gaveta de lingerie.
Meu amor se espalhava
se pondo ao sol por entre as rendas
e os biquinhos do soutien
sem seios ainda dentro
pulavam de alegria
espantando a tradição das etiquetas
para fora da gaveta.
Quando meu amor ia chegar
eu fiquei cheirosa de banho
entre essas eternidades
e fiquei quietinha lá na praia
longe do quarto que era certo
como se tivéssemos marcado um encontro.
Eu já quase me chamava sua Dadá e pronto.
Ainda não estava molhada
mas quando meu amor chegou
eu já estava no ponto.
Da Chegada do Amor
Sempre quis um amor
que falasse
que soubesse o que sentisse.
Sempre quis uma amor que elaborasse
Que quando dormisse
ressonasse confiança
no sopro do sono
e trouxesse beijo
no clarão da amanhecice.
Sempre quis um amor
que coubesse no que me disse.
Sempre quis uma meninice
entre menino e senhor
uma cachorrice
onde tanto pudesse a sem-vergonhice
do macho
quanto a sabedoria do sabedor.
Sempre quis um amor cujo
BOM DIA!
morasse na eternidade de encadear os tempos:
passado presente futuro
coisa da mesma embocadura
sabor da mesma golada.
Sempre quis um amor de goleadas
cuja rede complexa
do pano de fundo dos seres
não assustasse.
Sempre quis um amor
que não se incomodasse
quando a poesia da cama me levasse.
Sempre quis uma amor
que não se chateasse
diante das diferenças.
Agora, diante da encomenda
metade de mim rasga afoita
o embrulho
e a outra metade é o
futuro de saber o segredo
que enrola o laço,
é observar
o desenho
do invólucro e compará-lo
com a calma da alma
o seu conteúdo.
Contudo
sempre quis um amor
que me coubesse futuro
e me alternasse em menina e adulto
que ora eu fosse o fácil, o sério
e ora um doce mistério
que ora eu fosse medo-asneira
e ora eu fosse brincadeira
ultra-sonografia do furor,
sempre quis um amor
que sem tensa-corrida-de ocorresse.
Sempre quis um amor
que acontecesse
sem esforço
sem medo da inspiração
por ele acabar.
Sempre quis um amor
de abafar,
(não o caso)
mas cuja demora de ocaso
estivesse imensamente
nas nossas mãos
.
Sem senões.
Sempre quis um amor
com definição de quero
sem o lero-lero da falsa sedução.
Eu sempre disse não
à constituição dos séculos
que diz que o "garantido" amor
é a sua negação.
Sempre quis um amor
que gozasse
e que pouco antes
de chegar a esse céu
se anunciasse.
Sempre quis um amor
que vivesse a felicidade
sem reclamar dela ou disso.
Sempre quis um amor não omisso
e que sua estórias me contasse.
Ah, eu sempre quis uma amor que amasse.
Lágrima do Sétimo Dia
Por favor
não me calem quando eu chorar
É atestado de ciso
é o mesmo que riso
quando eu chorar
Sou poeta
e chorar é minha musculação
Exercício.
Por favor não me incomodem quando eu chorar.
É o macaco
feliz da mutação
é lavação de olho
é a costela de Adão
sentindo
sem ninguém questionar
É Deus descansando
em emoção no sétimo dia
depois de delirar.
Texto para uma Separação
Olhe aqui, olhos de azeviche
Vamos acertar as contas
porque é no dia de hoje
que cê vai embora daqui...
Mas antes, por obséquio:
Quer me devolver o equilíbrio?
Quer me dizer por que cê sumiu?
Quer me devolver o sono meu doril?
Quer se tocar e botar meu marcapasso pra consertar?
Quer me deixar na minha?
Quer tirar a mão de dentro da minha calcinha?
Olhe aqui, olhos de azeviche:
Quer parar de torcer pro meu fim
dentro do meu próprio estádio?
Quer parar de saxdoer no meu próprio rádio?
Vem cá, não vai sair assim...
Antes, quer ter a delicadeza de colar meu espelho?
Assim: agora fica de joelhos
e comece a cuspir todos os meus beijos.
Isso. Agora recolhe!
Engole a farta coreografia destas línguas
Varre com a língua esses anseios
Não haverá mais filho
pulsações e instintos animais.
Hoje eu me suicido ingerindo
sete caixas de anticoncepcionais.
Trata-se de um despejo
Dedetize essa chateação que a gente chamou de desejo.
Pronto: última revista
Leve também essa bobagem
que você chamou
de amor à primeira vista.
Olhos de azeviche, vem cá:
Apague esse gosto de pescoço da minha boca!
E leve esses presentes que você me deu:
essa cara de pau, essa textura de verniz.
Tire também esse sentimento de penetração
esse modo com que você me quis
esses ensaios de idas e voltas
essa esfregação
esse Bob Wilson erotizado
que a gente chamou de tesão.
Pronto. Olhos de azeviche, pode partir!
Estou calma. Quero ficar sozinha
eu co a minha alma. Agora pode ir.
Gente! Cadê minha alma que estava aqui?
Cor - respondência
Remeta-me os dedos
em vez de cartas de amor
que nunca escreves
que nunca recebo.
Passeiam em mim estas tardes
que parecem repetir
o amor bem feito
que você tinha mania de fazer comigo.
Não sei amigo
se era o seu jeito
ou de propósito
mas era bom, sempre bom
e assanhava as tardes.
Refaça o verso
que mantinha sempre tesa
a minha rima
firme
confirme
o ardor dessas jorradas
de versos que nos bolinaram os dois
a dois.
Pense em mim
e me visite no correio
de pombos onde a gente se confunde
Repito:
Se meta na minha vida
outra vez meta
No Elevador do Filho de Deus
A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida
Que eu já tô ficando craque em ressurreição.
Bobeou eu tô morrendo
Na minha extrema pulsão
Na minha extrema-unção
Na minha extrema menção
de acordar viva todo dia
Há dores que sinceramente eu não resolvo
sinceramente sucumbo
Há nós que não dissolvo
e me torno moribundo de doer daquele corte
do haver sangramento e forte
que vem no mesmo malote das coisas queridas
Vem dentro dos amores
dentro das perdas de coisas antes possuídas
dentro das alegrias havidas
Há porradas que não tem saída
há um monte de "não era isso que eu queria"
Outro dia, acabei de morrer
depois de uma crise sobre o existencialismo
3º mundo, ideologia e inflação...
E quando penso que não
me vejo ressurgida no banheiro
feito punheteiro de chuveiro
Sem cor, sem fala
nem informática nem cabala
eu era uma espécie de Lázara
poeta ressuscitada
passaporte sem mala
com destino de nada!
A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida
ensaiar mil vezes a séria despedida
a morte real do gastamento do corpo
a coisa mal resolvida
daquela morte florida
cheia de pêsames nos ombros dos parentes chorosos
cheio do sorriso culpado dos inimigos invejosos
que já to ficando especialista em renascimento
Hoje, praticamente, eu morro quando quero:
às vezes só porque não foi um bom desfecho
ou porque eu não concordo
Ou uma bela puxada no tapete
ou porque eu mesma me enrolo
Não dá outra: tiro o chinelo...
E dou uma morrida!
Não atendo telefone, campainha...
Fico aí camisolenta em estado de éter
nem zangada, nem histérica, nem puta da vida!
Tô nocauteada, tô morrida!
Morte cotidiana é boa porque além de ser uma pausa
não tem aquela ansiedade para entrar em cena
É uma espécie de venda
uma espécie de encomenda que a gente faz
pra ter depois ter um produto com maior resistência
onde a gente se recolhe (e quem não assume nega)
e fica feito a justiça: cega
Depois acorda bela
corta os cabelos
muda a maquiagem
reinventa modelos
reencontra os amigos que fazem a velha e merecida
pergunta ao teu eu: "Onde cê tava? Tava sumida, morreu?"