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Contos-->GRANDE SERTÃO -- 14/09/2003 - 22:15 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



GRANDE SERTÃO
Conto

João Ferreira
14 de setembro de 2003



Henri disse numa mesa-redonda do departamento de Ciência Política que o Brasil tem de voltar a ser encarado mineiramente como noutros tempos o pintou Guimarães Rosa. Segundo ele, o país continua sendo, simbolicamente, um grande sertão. É típica no interior do sertão a eterna briga entre Deus e o diabo. Na própria sociedade urbana contemporânea brasileira, o espírito do mal continua desafiando o avanço do espírito do bem de todas as maneiras. A sociedade como um todo, tal como os sertanejos, disse Henri, só tem uma saída: tentar descobrir pelas veredas e caminhos múltiplos o sentido da caminhada. Essa caminhada é o que Rosa chamou de travessia.
O Professor Henri disse ainda que qualquer que fosse o símbolo empregado pelas pessoas na linguagem, uma atitude de ação era imprescindível para a travessia.
Veio o debate. E o mesmo Henri admitiu que na travessia é que está o busílis. Ou seja, o problema. A dificuldade.Mas Henri não virou a cara à conclusão dialética:
-Se na travessia é que está o busílis, sejamos corajosos. Tentemos superar o busílis.
Esta conferência em plena mesa-redonda promovida pelo departamento de Ciência Política, teve a importância de ter gerado um outro grande projeto na Universidade, como vamos ver.
Na platéia encontrava-se Manolo, o chefe de um grupo acadêmico, que estava com problemas de travessia. O setor que chefiava era formado por pessoas em crise, picadas pelo mosquito da decadência. Pessoas omissas, sem coragem para uma consciência crítica de auto-avaliação.
As palavras de Henri geraram em Manolo uma inquietação. Ele pensava como levar a mensagem que ouvia para o grupo.
Em termos nacionais, dentro de variados esquemas ou propostas, olhava o Brasil em plena travessia, também. Pensava ao mesmo tempo que na onda da travessia entram todas as forças públicas capazes de garantir a integridade do barco para que as ondas não o afundem.
Numa intervenção em relação às idéias defendidas por Henri, Manolo foi taxativo: Todo o brasileiro é chamado nacional e politicamente a esta mobilização.
Esta necessidade urgente para a ação acicatava Manolo com mais veemência. Regressara recentemente de uma estadia na Europa, onde demorou dois anos, num curso de pós-graduação.
Em seu departamento, havia necessidade pura de atuar e de conscientizar.
Constatou que durante um ano inteiro, seus colegas não promoveram sequer um debate, não fizeram nenhum seminário, nenhuma mesa-redonda, nenhuma atividade de extensão. Parecia que todo o mundo vivia tranqüilo, que os problemas do país estavam resolvidos.
Mas Manolo sabia que não podia ser assim. Tratava-se de uma universidade pública. E numa universidade pública, o pensamento tem de ser exercido e as ações mobilizadas para o crescimento da educação e da cultura no país.
Era pois um problema a rever com urgência.
Raciocinando sobre a temática apresentada por Henri na mesa-redonda, Manolo concluía que Guimarães Rosa tinha toda a razão. Tudo é sertão. A própria sociedade urbana é sertão. E a luta entre Deus e o diabo, entre saber e ignorância, nunca está descartada. Quer se chame entidade bíblica, quer se chame desatenção, inconsciência ou preguiça, o demônio sempre se atravessa no caminho do progresso e do crescimento. Ele é a personificação do mal. A travessia tinha por isso que ser empreendida com a consciência do obstáculo, que no caso era o diabo, representado aqui pela ignorância.
O que de mais urgente acionou a cabeça de Manolo foi a elaboração rápida de um projeto para seu Departamento. Sua vontade proclamava: ação-já!!!
No dia seguinte, Manolo Linhares procurou Henri para continuar a conversa do dia anterior. Uma longa conversa que gerou este diálogo que reproduzimos para os leitores:
Henri: acho que encontrei uma boa idéia para discutir contigo.
Manolo: Ótimo, Henri.
Henri: Estive relembrando alguns lances importantes da história da humanidade. Apliquei-me tentando compreender as razões de sucesso dos grandes momentos da Humanidade. Me pareceu que em todos eles houve uma mensagem forte, uma vontade indômita de realização e mobilização para a ação...Na Grécia, em Roma, na Idade Média, Renascimento, Idade Moderna e Contemporânea.
Manolo: E então?
Henri: A maior revolução sem dúvida foi a do cristianismo. Os cristãos conseguiram a simplicidade da fórmula: uma mensagem, um grupo e uma ação coletiva, o que deu um resultado histórico de rara grandeza.
Manolo: E o que achas que convém fazer na minha área, dentro da Universidade?
Henri: A Universidade brasileira não pode fugir à regra. Qualquer espelho de revolução serve. Mas a cristã dos dois primeiros séculos continua servindo de exemplo maior, até pelos obstáculos que teve de superar dentro do sistema imperial romano. Mas há outros muitos exemplos: a revolução planetária dos descobrimentos, a revolução industrial, a revolução tecnológica, a revolução proletária...
Manolo: Na escola, nós temos como parâmetro a norma constitucional do artigo 206 da Carta Magna que exige a “garantia do “padrão de qualidade”... A clara indicação de que uma escola pública não pode passar ao lado desta orientação...nem pode brincar com o fogo...
Henri: Resumindo. Parece que esses caras ainda não acordaram para a responsabilidade que têm sobre os ombros. Ou retomam a seriedade ou podem ser demitidos por justa causa, a qualquer hora...
Manolo: Parece evidente que a situação não pode continuar. E é urgente virar a mesa.
É o caminho lógico.
Henri: Em minha opinião, Manolo, você como chefe desse Departamento, pode lançar mão de uma variedade de projetos para começar a tentar resolver a questão. Acho até que deveria ser de imediato.
Manolo: Gostaria de ouvir tua opinião, Henri.
Henri: Vamos por partes. Penso que a necessidade de sacudir esses caras é tão urgente que independentemente de aprovação do colegiado ou não, você não pode adiar mais. Vá pensando numa comissão de mobilização e falemos do que interessa.
A essência do que há a fazer, em minha opinião, é a de um projeto de idéias e de conscientização crítica para valorização e dinâmica do curso .
Manolo: É minha idéia também. Precisamos de consciência crítica.
Henri: Para isso, olha. Seria essencial não queimar nem energias à toa nem etapas. Para um sucesso mesmo, haveriam de ser convidados caras que fossem astros do pensamento. Astros no sentido autêntico. Gente que faça mossa na cabeça desse povo que está com o espírito em decadência. A essência de um bom projeto é levar os caras a ouvir alguém por quem tenham admiração ou respeito. São condições psicológicas e culturais necessárias.
Manolo: Quaisquer que sejam os astros, o departamento irá buscar os recursos necessários, estejam eles onde estiverem, para não perder a oportunidade.
Henri: Acredito que és uma pessoa capaz de levar o grupo com o qual trabalhas a um grande sucesso.Será a garantia que tens para fazer essa gente mergulhar até ao fundo do poço para entender o que tem de entender...
Henri: Seria uma vergonha se fosse de outra maneira, amigo. O povinho paga impostos e quer a garantia de uma educação de qualidade. Para isso há que mobilizar a instituição e os mestres, antes de tudo.
Continuando, adiantou Henri: em essência, vê o que te proporia com base nesse padrão de qualidade. Antes de tudo, tens de pensar na elaboração de um projeto onde essencialmente estejam sinalizadas mensagens, idéias e ação.
Manolo: Concretamente como verias esse projeto?
Henri: Eu optaria por um seminário obrigatório para todos os docentes e alunos. Um seminário extraordinário que desse pelo menos os fundamentos.
Manolo: Fundamentos, sim. E como?
Henri: De antemão o que é urgente é a elaboração de um projeto que estabeleça as bases de uma nova revolução na área. E a essência dessa revolução estaria conjuntamente na mensagem, nas idéias nucleares e numa ação programada.
Manolo: Temos possibilidades e obrigação de estabelecer uma tábua de salvação, que pode ser esse seminário de que falas. Vamos alocar os recursos necessários e pensar desde já na mobilização indispensável para fazer isso.
Henri: No caso do projeto, o que eu pensei foi o seguinte. Seria fundamental um projeto a ser desenvolvido pelas melhores cabeças para tocar os neurônios básicos de cada um.
Manolo: Gostaria que me sugerisses alguns nomes indispensáveis aos objetivos deste seminário.
Henri: Em termos financeiros, vai ficar um pouco caro, mas vale a pena. Para abreviar: não deixes de convidar Platão, nome brilhante no foro universitário, para que ele diga aos teus docentes que uma vida universitária sem idéias e sem idealismo é produto morto.
Manolo: Espero que essa conferência seja o começo do sucesso.
Henri: Certamente. Convida depois Agostinho de Hipona para que ele exponha o que sempre pensou: que uma vida sem mística é uma temeridade, de conseqüências imprevisíveis....
Manolo: Anotei. Acho uma boa idéia.
Henri: Na seqüência faz todo o sentido colocares na programação o convite a um cara único em sua especialidade. Chama-se Abelardo e é interessante que ele fale de uma maneira viva aos universitários sobre a necessidade da dialética do sim e do não na fundamentação da argumentação básica que usamos na ação crítica das idéias promovida pelo ensino universitário.
Manolo: Há realmente uma certa carência de estruturação dialética das idéias na maior parte dos candidatos a universitários e dos próprios universitários. Abelardo é um segredo para entender e aproveitar.
Henri: Para contrabalançar, tratando-se de um Curso de Letras, seria indispensável o convite a um Poeta. A um Divino Poeta. Convida Dante. Universidade é pesquisa mas precisa de poesia também.
Manolo: Idéia original, amigo. Acho ótimo!
Henri: Depois, no patamar do projeto que visa o renascimento desse setor paralisado da Universidade, poderias pensar em algo específico, para fazer a diferença. Convida uma pessoa de profunda força cultural, intuitiva, genial, mesmo que menos acadêmica. Ou seja, alguém que tenha uma visão existencial aparentemente retorcida, talvez problemática. Mas onde haja resquícios de verdade ontológica, de arte, de sentido existencial. Alguém que mostre a mistura do demoníaco na vida. O cara que podia fazer entender isso através de uma palestra sobre seus quadros flamengos é nada mais nada menos que Jerônimo Bosch.
Manolo: Parece uma idéia sensacional.
Henri: Apostando no crescimento crítico dos participantes neste seminário de idéias, acredito que seria um sucesso convidar o filósofo Henri Bérgson, do Collège de France, já conhecido por suas obras vitalistas. Seria interessante sugerir-lhe que fale sobre o élan vital ou sobre a energia da vida, uma tese que pode oferecer um bom debate. Vê se ele põe essa gente para pensar e para trabalhar. Esse grupo tem de ser sacudido.
Manolo: Já vou pensando que o projeto vai ter uma larga adesão.
Henri: Vou te sugerir que coloques na pauta o convite para um célebre pensador português de nome Leonardo Coimbra, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. No Brasil ainda há um certo preconceito sobre portugueses. Mas, superando preconceitos, ele poderia dar a estes universitários esvaídos a idéia da necessidade de reconstruir a ação e a vida através do que ele chama de criacionismo.
Manolo: Aproveitarei tua sugestão.
Henri: Para finalizar esse seminário ou semana cheia de mensagens e de idéias dispostas para a ação, colocas para fecho aquele pensador e escritor que é visceralmente nosso e que nos dá as chaves de tudo o que precisamos para renascer: Guimarães Rosa, lido e interpretado através de sua grande obra: Grande sertão: Veredas. As chaves que ele nos dá são: a chave do ser, do saber, do crescer e do viver.
Manolo: Estou achando este projeto elaborado na conta. Acredito que vamos conseguir.
Henri: Tudo bem, Manolo. Mas, por amor de Deus... Reúne essa gente. Bota eles para pensar. Sua missão é evoluir, estar atento à modernidade, aos métodos de ensino dinamizantes. Crescer. Não parar.
Exerce teu poder de convocação e de coordenação. Põe os caras para ouvir, para debater, para pensar e para agir. Eles precisam disso. E os alunos precisam deles. A sociedade precisa da instituição para a missão que ela tem.
Manolo: Depois desse interregno horrível que foi de estarem paralisadas mais de um ano as atividades de extensão no Departamento, surge a oportunidade inadiável de uma nova mentalidade e de uma nova ação.
Henri: Agora não haverá mais desculpa, nem profissional nem social. Ganham para trabalhar. É isso o que seria interessante alcançar. Uma consciência crítica de trabalho e um maior amor à profissão.
Manolo: Sim, temos que insistir. Universidade é mensagem, saber dirigido à profissão e à ação.
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