Maria João
maria da graça almeida
Nascera Maria João,
com duas distintas cabeças.
Eis um tipo diferente-
contou-me, sério, o doutor,
que inventa e nem sente,
que,jurando, ainda mente-.
Pareceu-me bem esquisito,
ou até mais do que isto,
entendi como sinistro.
Ouçam bem a falação:
Uma cabeça era Maria,
a outra cabeça, João.
Maria, tola e hostil;
João, dócil e gentil.
Formavam tão belo par!
No corpo uma menina,
por isso o nome Maria
vinha em primeiro lugar.
Conversam o dia inteiro,
meio dia, dia e meio.
Maria tão-só falava
através do beliscão,
João, tristonho, ficava,
fitando a luz e o chão.
Ela queria o espelho,
ele, a televisão.
Maria era boa de prosa,
João vivia na fossa,
Maria sentia vertigens,
João inda era virgem
e virgem sempre o seria,
pois, o corpo que o levava,
dia e noite, noite e dia,
era o corpo de Maria.
Maria exibia as fitas,
João usava bonés,
Maria lixava a mão,
João luxava o pé.
Maria era coquete,
João pouco sorria.
Maria mascava chiclete,
João amava Maria.
E eis que um belo dia,
o ventre dela estufou.
João, inconformado,
pôs-se em franca agonia.
Virou o rosto de lado,
e nunca a perdoou.
Hoje, João e Maria
-o doutor diz-me, com dó-
vivem em desarmonia,
sobre um corpinho só.
João nem sabe de filhos;
Maria é bisavó!
maria da graça almeida
todos os direitos reservados |