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Cordel-->A TÍTULO DE MOTE - Sugestão -- 31/01/2006 - 21:10 (Domingos Oliveira Medeiros) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


APOLOGIA AO VELHO E AO IDOSO
(Por Domingos Oliveira Medeiros)

Eu também já fui zerado. Zero mais à direita. Novinho como criança. E muito valorizado. Com cheiro forte de tinta. De carro novo comprado. Hoje, sou zero à esquerda. Ano de fabricação: bem velho, 44. Modelo 45. Do século passado. Mas em perfeito estado. Muito bem conservado. Embora não seja essa. A opinião do mercado. Onde a coisa é diferente. São muitas as exigências. Contra tudo, contra a gente. E o preço cai bastante. Preconceito contra os velhos. Incluindo o automóvel.

Na verdade, estou bem usado. Pra ser sincero, usadão. Vivo me consertando. Rodando atrás de peças. Nos “ferros- velhos” garimpando. E também nas oficinas. Peças reparadoras. Originais ou genuínas. Visando adaptações. Peças improvisadas. Pra restabelecer as funções. Pelo tempo, desgastadas.

Hoje, sou carro antigo. Ando devagar, não tenho pressa. Como diz a bela canção. Que lembra a Zona Rural. Onde o dia é comprido. Do tipo do Pantanal. Onde o tempo é bem vivido. Onde o tempo é natural. Sem atropelos, em paz. De gente bem cordial. Que passa, mas que demora. Do mesmo jeito que eu. A vinte ou quarenta por hora.

Meu carro não é mais a álcool. Parei de beber, faz tempo. Bebo, agora, gasolina. E meu consumo é alto. Não digo só pelo preço. Que mais parece assalto. Falo pelo rendimento. São três quilômetros por litro. Só pra ir lá na esquina. Comprar o meu pão torrado. Por dia, só uma vez. Pra curtir junto com ela. O nosso chazinho das três. Depois, de tempos em tempos. Para a farmácia também. Para a compra dos remédios. Ciente de que, contra o tempo. Como já é bem sabido. Ninguém fica isento. Não há nenhum comprimido. Chegaremos todos lá. Ao mesmo e eterno destino. O ferro-velho ao lado. De um terreno baldio. Onde se guardam sucatas. De carros envelhecidos. Que um dia foi menino. Gozou sua juventude. Pelos caminhos do tempo. Pelas estradas da vida. Atoleiros e retornos. Alegrias e transtornos. Por curvas bem perigosas. O ar batendo no rosto. Em tardes mui prazerosas. Acumulando histórias. Tiradas de suas andanças. De pessoas e lugares. Tanque cheio de lembranças.

Muitas dúvidas e certezas. Embaralhadas pelo tempo. As cartas postas na mesa. A realidade emerge. Já não tenho farol alto. A visão é embaçada. Pela chuva na estrada. A visão é complicada. Pouca visibilidade. Condição que me amofina. Só viajo, agora, em pista. Quando sei onde termina. Aposentei a buzina. Já não tem mais serventia. Vivo mais dentro de casa. Na garagem, encostado. Na varanda ou na calçada. Escrevendo poesia.

A lataria é um lixo. Está toda enrugada. Pisca-pisca quebrado. Suspensão enferrujada. Falta sinalização. Sobra muita insegurança. No caso de uma parada. Por um defeito qualquer. Para troca de pneu. Por outro menos careca. Carro velho, levado da breca. O eixo está empenado. O câmbio está falhando. O motor quase fundido. Fumaça preta soltando. Carburador entupido. Barulho ensurdecedor. Tem grilo por todo lado. O estofado e o assento. Em petição de miséria.

Apesar de tudo isso. De viver mais no conserto. Meu carro, jamais eu vendo. Dinheiro não me interessa. E disso não me arrependo. Pois valor de estimação. Não há dinheiro que pague. O valor do carro usado. É valor de estimação. Não se iguala ao estimado. Vale mais de um milhão. E nem assim, ele eu vendo.
Pelo preço ofertado. Pelo preço de mercado. Não se vende uma paixão.

Igual a mulher ao meu lado. A minha eterna carona. Juntos, já enfrentamos. Variados atoleiros. Como dois bons companheiros. Quantas vezes já trocamos. O pneu que foi furado. Quantas idas e vindas. Em compras no supermercado. Nem por isso estou disposto. A trocar de bagageiro. Que carregou, e carrega. Ainda, as nossas compras. As nossas eternas feiras. As sacolas de comida. Entupindo prateleiras. Variadas guloseimas. Guardadas na geladeira. Somos dois carros velhinhos. Depreciados pelo tempo. Ambos cheios de defeitos. Que vão sendo consertados. Derrapadas e cochilos. Discussões pelas estradas. Mas também tem coisas boas. São lembranças que ficaram. Engavetadas na mente. Fotografias guardadas. Fotos pra lá de antigas. Hoje, bem amareladas. Tiradas em preto e branco. No escuro do passado. No presente, reveladas. O tempo estagnado. O instante foi clicado. Depois, no papel, registrado. Dá pra ver o resultado: éramos e ainda somos. Não dois, nem um, afirmamos. Na verdade, somos três. Três em um, apaixonados.

Viajantes inveterados. Na rota do coração. Nunca jamais descuidamos. Da nossa manutenção. O nosso amor, preservamos. De vez em quando, paramos. No posto de gasolina. Ou em qualquer oficina. O carro vai pro conserto. Fazemos nossa faxina. Lavagem por dentro e por fora. Água no radiador. Pra não fundir o motor. Acontece o inusitado. Que a gente tinha esquecido. Mas que o atento mecânico. Não se fez despercebido. E o remédio sugerido. Foi de pronto acatado. O serviço foi completo. E o óleo foi trocado. Nosso carro ficou novo. E vamos nós outra vez. Curtir nosso feriado. Eu, ela e o nosso carro. O triângulo amoroso.

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