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Contos-->O PARASITA -- 06/09/2003 - 21:41 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



O PARASITA
João Ferreira
06.09.2003

Era como se fosse o helênico Amônio Sacas.
Vivia e ao mesmo tempo tentava vender uma filosofia encaixada na penumbra das idéias. E seguia adiante, sem maiores problemas. Chamava-se Divino. Tinha um sotaque mineiro de Unaí. Calçava sandálias hawaianas e vestia roupa simples.
Ao jeito de um mineiro de tradição, sua voz era mansa. Durante muito tempo ninguém soube seu nome, mas todo o mundo o via e o conhecia. Nas grandes tempestades e nos extremos calores, se acolhia aos átrios do Minhocão. Sentia-se bem ali. Nesse prédio gigante, os recintos são amplos Não há portas nem porteiros. É livre a circulação. Divino sabia tudo isso. Era já um habitué... Estava ciente de que podia passear pelo recinto, e fazer seus negócios tranqüilamente. Passeando como anônimo, também sabia que ninguém o incomodaria.. Tinha disso a experiência. Aproveitava para olhar a publicidade colada nas paredes, passava em frente do xerox do Henrique e quando podia esperava os fregueses saindo da Caixa e pedia uma ajuda. Portava nas mãos um velho e sebento papel, já quebrado e carcomido nas dobras. Com cara de parvo caipira da planície, apresentava a pseudo-receita aos incautos. Como muitas vezes acontece, a pessoa que é abordada, dá um rápido relance e despeja-lhe na mão uma moeda, só para se ver livre. Ele agradece em nome de Deus e das alminhas. De imediato, passa a expor de novo a receita aos olhos do próximo que está chegando. Numa multidão ou num ajuntamento, o método tem êxito. Divino insiste, fraquinho, vozinha sumida, simulando habilidosamente o pobre da roça. Deita um olhar de piedade para o dono da grana e consegue tocar o coração do transeunte. Pede uma ajuda em nome de Nossa Senhora Aparecida para comprar um antibiótico. Só um real. Uma ajudinha.Qualquer moedinha que seja! Sabe combinar as estratégias de longa vida. Em horas próprias entra nas micro-livrarias do Ceubinho. Os estudantes jogam entusiasmados o truco no hall amplo. Divino vai chegando ao balcão das lanchonetes. Manda vir um folhado de frango e um sprite. É que no bolso de Divino sempre há uma graninha para estes apertos do estômago. Aliás, dizem as más línguas que ele tem uma gorda poupança lá no Banco, em Ceilândia, e duas casas numa satélite. Como nômade, Divino varia de trajetos dentro do Minhocão e escolhe seus momentos para aparecer. Não pode levantar suspeitas. Quando lhe interessa, sabe parar junto das portas das diretorias dos institutos ou dos departamentos. Pede uma informação sobre matrícula para um parente ou para um amigo. Depois continua andando. Observa tudo, com cara simplória de quem vem do interior de Minas Gerais.Sabe administrar o tempo. Toma um cafezinho no balcão da Pretinha e segue em frente na direção do hall da banca de jornais. Sabe aproveitar ajuntamentos especiais de pessoas. Já sacou que num ajuntamento se torna mais anônimo ainda...
Exatamente porque conhece de vista muitas pessoas, sem que elas necessariamente o conheçam de vista, adquiriu a arte de abordar os mais distraídos. De preferência, evitando aqueles que jogam para ele olhares inquiridores e desconfiados. Na frente manda seu jeito sonso e caipira embrulhado na sabedoria popular. Pensa que não pode se precipitar para não despertar a desconfiança.
Bem treinado sempre administrou com habilidade os conhecimentos que tem de sobejo naquele ambiente...onde durante anos aprendeu a maneira mais prática de circular numa escola superior, sem levantar a mínima suspeita.
Para um parasita esperto e de sangue nobre como ele, tudo ia bem...Ali, todo o mundo é adulto, dizia ele a um amigo... Só não pode assaltar...Seria um escândalo e o suicídio de seu ganha-pão.
Devagarinho, Divina ia assim fazendo seu negócio, com inteligência. Seu instrumento de trabalho era um só. Já velhinha, mas preparada para produzir efeito, levava na mão uma pseudo-receita indicando remédios para comprar...Quase chorava quando parava para contar sua miserável história. Certas mulheres se comoviam, mas ninguém conferia nada...e dava uma ajuda...Divino sabia. O negócio era esse mesmo...Convinha ir devagarinho, porque, como diz o ditado popular, de vagar se vai ao longe! Ele tinha assistido a grandes protestos e greves no Minhocão, no tempo da ditadura militar. Alunos e professores pediam mais democracia! Divino aprendeu a lição. Aos olhos dele, todo o mundo, por ali, era democrático. Todo o mundo era filósofo ou poeta... ou músico... Os discursos políticos no Minhocão eram todos patrióticos. Falava-se bastante dos brasileiros excluídos e dos pobres sem renda mínima...Isso Divino entendia bem. Por saber que o Minhocão era um prédio público, concluía que era dele também!!! O Ceará tinha-lhe explicado que pela Constituição Divino tinha o direito sagrado de ir e vir... Ao fazer estas descobertas, se vingava de sua condição caipira. Era brasileiro, estava num prédio público, tinha o direito de estar ali, e aprendera muitas coisas naquela Escola Superior. A única coisa de que não podia orgulhar-se era da pilantragem da pedincha e também da exploração que fazia com aquele papel caindo aos pedaços pedindo ajuda para remédio...Foi aqui que Divino descobriu seu Paraíso Terreal, depois que Adão e Eva foram banidos da região. Durante vinte anos aprendeu muito sobre a terra ideal, onde ninguém pára para falar com ninguém e onde todo o mundo chega atrasado. Aqui se pratica a democracia da convivência. É uma terra onde o coração das pessoas tem vontade de ajudar um homem honesto, e simples... Divino precisava de vender esta imagem. E conseguiu. Aprendeu que essa era a base ideal de se manter por ali durante muitos e muitos anos. Podia ficar tranqüilo. Embora não pagasse impostos, era cidadão por inteiro e brasileiro nascido em terras de Santa Cruz.Ninguém iria parar e perguntar quem era ele de verdade. Tinha anos e anos de experiência e este lugar era para ele um lugar privilegiado e de eleição. Teimava em manter-se em seu espaço livre, como morador e freqüentador. E sempre estava por ali. Percorrendo os amplos corredores desenhados por Niemeyer e construídos pela engenharia dos jovens construtores de Brasília ligados ao grande arquiteto de Brasília. Divino criara um mapa próprio para circulação. Deambulava de norte a sul do Minhocão. Passava pelas equipes de jardineiros que cuidavam da grama e das plantas ornamentais pelos jardins nas ruínas simuladas da ala central C. Tinha sempre o cuidado de não esbarrar com ninguém. De olhar móvel e calculista, media mineiramente a surpresa com que iria contatar seu interlocutor.
Seu segredo era a sua própria história. Era um frequentador da Universidade. Dizem que em tempos freqüentou dois anos de supletivo. Evidentemente que sua cultura não extravasa. Vive quieto e calado. Convém-lhe assim...
Sua história apocalítica aconteceu no dia em que casualmente se encontrou com um certo professor de Física. Foi no dia em que desavisadamente estendeu aos olhos do professor um papel fajuto fingindo uma receita médica...Ao pedir ajuda para comprar um remédio, como sempre até ali fizera, o professor Beto prestou atenção... e desconfiou... O papel que tomou nas mãos estava quase roto, quebrado, esfarrapado. Os dizeres eram fajutos também. Tudo era efeito do que durante anos Divino fizera. Anos a fio, o esperto Parasita o dobrou e desdobrou muitas e muitas vezes para tentar iludir a benevolência do povo que frequentava.. Parava, emparceirava com os professores ou funcionários, botava voz de caipira bem maneirada e pedia ajuda para remédio. Beto descobriu, após entrevistas com colegas e funcionários que Divino circulava por ali havia cerca de vinte anos. Sempre repetia o mesmo discurso, sempre apresentava o mesmo papel, recebia seus trocados... e conseguia durante anos a fio representar no Minhocão este papel de caipira esperto. Segundo todos julgavam, o Divino, estava já muito sólido em seu esquema. Tudo corria a seu favor. E era fácil constatar como se tornara triunfante seu truque parasita.
Mas, como não há bem que sempre dure, um dia, a polícia, atendendo denúncia anônima, foi informada sobre a presença da figurinha...Em certo dia e hora, bem de surpresa, chegou ao Minhocão, e pegou Divino com a boca na botija. Botou-lhe umas algemas nos pulsos e convidou-o a dormir no xadrez da delegacia.
Foi solto ao outro dia. A polícia disse não dispor de provas para o processar. Pagou uma fiança e foi solto.
Tinha uma gorda poupança no Banco e não foi difícil para ele pagar a fiança exigida pela polícia.
Logo-logo... Divino-Parasita voltou ao lugar onde sempre estivera. Voltou ao Minhocão...e ali continuou a aplicar seus golpes de "faz-de-conta"...

João Ferreira
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