A RAZÃO METAFÍSICA DA SECA
Paulo Nunes Batista (*)
Em memória de meu Tio Cantador
Antônio Baptista Guedes
Deus, ó Deus, por que é que deste
esse NÓ cego da peste
nas terras do meu NOrdeste –
que nada faz desatar?
Se a Seca devoradora
vai – vem chuva arrasadora
com força destruidora
para o meu povo matar!
Se o Nordeste Brasileiro,
no tempo do cativeiro,
fez do navio tumbeiro
meio escuso de viver –
hoje padece da mágoa
de morrer por falta d’água
ou o excesso que diz: – alago a
terra que ao irmão fez sofrer.
Nesses remotos passados,
homens cruéis, desalmados
jogavam os pobres coitados
dos negros, na Escravidão –
da Mãe África os traziam,
como escravos os vendiam
ou, impotentes, morriam
no mar, no falso porão...
É que uma lei da Inglaterra
decretava intensa guerra
contra o tráfico, que encerra
um crime internacional:
fosse qual fosse a bandeira
do navio, que a negreira
atividade “escraveira”
exercesse, era ilegal.
Portugueses, brasileiros
e outros homens estrangeiros
em seus navios negreiros
traziam pretos cativos:
se os ingleses os pegavam,
os navios apresavam,
os escravos libertavam –
da lei cumprindo os motivos.
Para escapar dos perigos
da lei, esses inimigos
da liberdade, aos antigos
navios acrescentavam
porões para onde desciam
os escravos que escondiam –
a seguir, de água os enchiam,
em que os negros se afogavam.
Dos homens burlando a lei
da Inglaterra, assim, ao rei
lograva esta triste grei
e o barco livre corria.
Mas, dos negros africanos,
no fundo dos oceanos,
pelos atos desumanos
toda a carga perecia.
Matavam n’água os escravos
esses homens ignavos,
que, acumulando agravos,
não sofriam punição.
Seus espíritos, no entanto,
hoje sofrem o desencanto
da Seca por todo canto,
em nova reencarnação.
Afogaram irmãos no mar.
Agora, devem pagar
seu crime (como escapar
da Lei do Carma, de Deus?)
No Nordeste ardente e seco
sem saída estão num beco
e a sorte de caju peco
de dor enche os dias seus.
Assassinos, por Cobiça,
sofrem a Divina Justiça,
que a Seca, tremenda, atiça
no Nordeste seco e cru.
Dos céus, em lugar das asas
da chuva, só descem brasas
e, nos telhados das casas
pousam bandos de urubu.
A Lei do Carma não mente:
plantou – colheu, e a semente
sendo má – só traz pra gente
o que é ruim, isto é fatal.
Aquele Nordeste adusto
do cangaço – colhe o custo
de ver secar todo arbusto –
é o mal corrigindo o mal.
Ah, meu irmão nordestino,
o rumo do seu destino –
de homem, mulher e menino –
há séculos se traçou:
sem petitório nem choro –
nem adianta desaforo –
você hoje “entra no couro”
pelo mal que praticou.
A Lei de Deus não perdoa:
paga de toda ação boa,
que serve ao Bem, que aBENçoa,
– com toda Justiça – é o BEM.
Fez o MAL – o mal é a paga.
Só o BEM ao mal apaga.
Nem há bem que bem não traga,
do que não escapa ninguém.
Tudo tem tempo na vida.
Agora é o tempo: decida
no correr de sua lida
o que você vai fazer.
Quem esCOLHE sempre COLHE
o que esCOLHEU. Assim, olhe:
no mundo cada um reCOLHE
o que aos outros fez sofrer.
Se não tem Seca – tem cheia.
E o Nordeste está na peia,
preso na mesma cadeia
que ao negro escravo prendeu.
Dela, um dia, há-de, por certo
livrar-se. Está longe ou perto?
Fez, no passado, um deserto?
O deserto recebeu...
Hoje, estão reencarnados
no Nordeste – e deslembrados
desses Erros praticados –
os espíritos afins
que aos negros escravizavam,
presos – no tronco – espancavam
e no mar, enfim, matavam,
para atingir os seus fins.
Negreiros torturadores,
sofrem da Seca os rigores,
sofrem – das Cheias – as dores,
pagamento da Ambição.
Resgatando suas Faltas,
cumprem, hoje, as Leis Mais Altas
pra retificarem – as maltas –
os Erros da Escuridão.
No Sertão a Seca braba
tudo arrasa, tudo acaba,
tudo pulveriza e esmaga,
deixando um saldo de horror.
No litoral – as Enchentes
cobrem casas, matam gentes,
com furores inclementes
plantam paisagens de dor.
Do Nordeste o duro carma
a tragédia o circo arma
que a Nação inteira alarma
em sua sorte cotó.
E o pobre do nordestino –
que já traz nó no destino –
vê, igual a um peregrino,
da sina apertar-se o nó.
Possa o Poder Soberano
o sofrimento tirano
desse quadro desumano
transformar, do Nordestino.
E em vez da Seca terrível
e da ação dessa Cheia horrível
faça o milagre possível
de alterar o seu destino.
Se o carma se modifica,
a vida fica mais rica,
tudo melhorado fica
com ordem, progresso e paz.
Quem errou – conserta o erro
do passado escuro e perro –
faz céu do que era desterro,
porque o Bem somente faz.
Tudo tem seu tempo exato.
Quem comeu, sujou o prato,
modifique o carma ingrato
e coloque o trem na linha.
Ajude no que é preciso
a quem causou prejuízo.
Diga: – Não mais tiranizo
no correr da vida minha.
Chegue para o meu Nordeste,
que hoje de luto se veste,
a grande Bênção Celeste
da Justiça, do Perdão.
E que o Rio São Francisco
sobre a Seca passe um risco –
não deixando nem um tisco
de miséria pro Sertão.
Quem espera sempre alcança.
Alimento essa Esperança
de que o Dia da Bonança
há de raiar, qualquer dia.
E haverá sempre Fartura,
Amor, Poesia, Ternura
pro Povo de sina dura
que, agora, seu carma expia.
• Paulo Nunes Batista é poeta, cordelista, repentista e escritor paraibano radicado em Goiás.
End. : Rua Benjamin Constant, 1792 – Centro –Anápolis-GO – 75 024-020 – Fone: 062-3098-6335
Anápolis-GO, Dia de Iemanjá, 02/02/2004
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