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cronicas-->42 graus -- 15/02/2003 - 00:37 (Carlos Eduardo Canhameiro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
42 graus

Carlos Eduardo Canhameiro

Gotas de suor escorriam da minha testa e se aglomeravam sobre a sobrancelha. O rádio anunciava quarenta e dois graus à sombra e calou-se em seguida. Com essa única notícia, permaneci deitado, imóvel, gastando o mínimo de energia possível, pensando como em poucos dias eu estava a centenas de quilómetros desse inferno quando alguém bateu à porta. Não era quem eu esperava, o sol vai demorar um pouco ainda para se pór e ela chegaria mais tarde. Gritei para que entrasse, não me levantaria da cama para cumprir protocolos da boa etiqueta. Entrou o senhorio, visivelmente embaraçado por me encontrar nu, sobre a cama, transpirando por todos os poros. Tentei ser gentil para desfazer a má impressão e logo o homem de braços definidos já falava aos borbotões. Enfim, indaguei sobre a sua presença em meio as trivialidades que narrava e como quem é desperto de um transe, me informou laconicamente que acabara a energia elétrica na cidade e que não havia previsão de volta. Gentilmente colocou umas velas sobre o criado-mudo e lamentou pelo ar condicionado não funcionar nessas ocasiões. Nesse momento relembrei-o que o aparelho já não funcionava antes da força acabar e com um sorriso forçado ele insistiu em acender as velas. Pouco me importei com elas, enquanto ele procurava um fósforo ou coisa que valha, levantei para ir ao banheiro, tanto para aliviar minha bexiga cheia de refrigerante quanto para tentar me livrar da inconveniente visita. Para minha frustração, ele continuou a conversar comigo através da porta do banheiro. Discorreu sobre suas amantes e da sensação indescritível de estar enamorado. Confesso que não sou admirador desse estilo de conversa, ainda mais nas circunstàncias em que me encontrava. Ele questionou-me sobre o que intitulava o mais nobre dos sentimentos: o amor, e respondi que não só nunca amara ninguém como também não acreditava em tal emoção. Ele ainda insistiu com algumas considerações sobre o elevado sentimento mas diante a minha pouca receptividade, desistiu e antes de ir embora me lembrou mais uma vez do horário e o cardápio do café da manhã.
Quando saí do banheiro, encontrei o quarto às escuras, imagino que ele tenha se esquecido de acender as velas devido à concentração no discurso amoroso. Deitei novamente e com as mãos tateei minha cueca jogada no chão, vesti a peça e continuei tentando me mover o mínimo possível. Não me lembro se adormeci, apenas voltei a raciocinar "logicamente" quando ouvi baterem na porta novamente. Era ela, o toque tinha uma pequena mudança. O quarto continuava um breu e da mesma maneira como antes, pedi para que entrasse. Ela entrou, seu corpo era desenhado pela pouca luz bruxuleante que adentrou pela porta aberta, e aos meus olhos, ela sorria. Indagou sobre as velas, mal sei como ela as enxergava, e expliquei sem muita demora sobre a falta de energia. Rindo ela advertiu-me para ter cuidado e não incendiar o quarto inteiro. Eu gargalhei, o quarto já estava em chamas, metaforicamente é claro!, e a tendência era de elevação da temperatura. Ela colocou a bolsa sobre uma pequena mesa que havia no canto, deitou sobre mim e em seguida deixamos que apenas nossas vontades nos guiassem. Senti que a gravidade era uma convenção ultrapassada e que limites eram mecanismos usados pela nossa covardia. Não sei se quando estava deitado, ou de lado, ou de joelhos, ou por cima, mas alguém estacionou o carro com som ligado em frente à janela e enquanto as paredes abafavam nossos ardores, uma canção invadia o quarto por entre as frestas da persiana vagabunda. Em meio um beijo, ou uma carícia, não sei ao certo, percebi que a música era sobre o amor, e das diversas maneiras de defini-lo, até mesmo como um fogo que arde sem se ver. A frase não me soou estranha mas não estava em condições de analises mais profundas. Em seguida abstrai a canção e continuei a me entregar ao prazer máximo. Voltei a "realidade" somente quando a ouvi dizer que sempre sonhara em fazer amor à luz de velas. Não contive o sorriso, afinal o amor ganhava mais uma conotação, a mais prática no meu ponto de vista, e também porque as velas continuavam apagadas. Prosseguimos e me lembrei do senhorio e suas indagações. Quando terminamos, o quarto insuportavelmente quente, ela levantou-se e sorriu levemente. Um sorriso estranho, pelo menos muito diferente do que estava estampado no meu rosto. Parecia que sofríamos de diferentes efeitos provocados por uma mesma causa, talvez pela primeira vez eu consiga aplicar a palavra idiossincrasia. Fechei os olhos, queria manter o que sentia o máximo possível e a visão só me atrapalharia no momento. Ela já iniciara a busca de suas vestimentas e por um momento abri os olhos e percebi que as velas estavam acesas, não só acesas, como quase no fim. Pisquei várias vezes para poder crer que via aquela chama trêmula arder com tamanha simplicidade. A energia voltou em seguida, quando abri minha boca para falar, ela se levantou e num breve assopro apagou a vela e as minhas palavras. Já estava vestida, disse-me alguma coisa sobre o horário, beijou-me e saiu. A vela, que por um instante havia se acendido para mim, agora produzia um pequeno fio de fumaça branca.
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