A chuva caia sob o alpendre de uma casa maltratada. Meninos e meninas, de pouca idade, abandonados a ociosidade, amotinavam-se a observar uma senhora passar na rua soturna, na rua mal cuidada, na rua quieta, na rua molhada, mal iluminada e sem calçada.
A senhora caminhava sob a chuva.
Vinha do serviço cansada com uns míseros trocados, um décimo do salário.
Ela caminhava pensando em seus filhos, pensando em tudo, planejando a vida, vivendo a esperança e agradecendo a sorte de ter uma família.
De súbito foi abordada,
Foi abordada por uns meninos.
Pensava ser apenas crianças.
Crianças em festa, crianças a brincar de índio, crianças até encostá-la no muro de uma escola, até subtraírem suas coisas a força, sob gritos frívolos, sob gritos nervosos apontarem-lhe uma arma e coagirem a senhora.
A flor da pele os nervos, ela já chorava e implorava, mas descontrolada começou a gritar.
Um dos meninos entorpecido, pelo mal social, no arfa do desespero, na imaturidade da cabeça puxou o gatilho e escreveu com sangue o fim da vida daquela senhora em letras que nunca aprendeu.; no muro branco da escola que escureceu, na calçada, na roupa molhada e na vida de todos os amigos seus.
Enquanto aquele corpo ofegante, quase sem vida, solitário descia as escadarias com os olhos abertos e as mãos pausadamente nuas, os meninos, aqueles meninos, sem se darem conta, em fuga riam-se e festejavam o produto daquela covardia social.
D. Maria morria nos braços da injustiça, enquanto alguém chegava tardiamente para socorrer, enquanto alguém chegava para sofrer, enquanto alguém chegava para noticiar na tv.
Dois dias depois os meninos foram pegos.; um pereceu em confronto com a polícia, o que puxou o gatilho, em depoimento, disse não se lembrar do que aconteceu e junto com os outros dois foram favorecidos pela lei de vocês.
Todos em idade de ir para aula, todos a mercê do tempo...todos com idade dos nossos filhos.
Ainda hoje, a sociedade faz de conta que resolve, já mostrando outro caso, saindo do problema como no cinema.
|