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Contos-->MINERVA EM COMA -- 12/08/2003 - 02:26 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


MINERVA EM COMA


Jan Muá
11 de agosto de 2003

Fiquei estarrecido quando me inteirei desta notícia, mais tarde convertida em verdade trágica:
-Ouvi na mídia e junto de fontes orais que Minerva estava em coma...
Surpresa e estupefação...Fato inédito o de se constatar que uma deusa estava em coma... ou seja, a notícia de que a patrocinadora da ciência se encontrava no último estágio de vida, no catre da morte......
Isto estava acontecendo de verdade...numa cidade importante!
Eu que acompanhei toda a trajetória deste caso desde o dia em que Minerva teve a galanteria de atender um desejo especial e antigo dos moradores do campus, também fiquei espantado!.... O que estes queriam ali no local era um templo de Minerva. Tal e qual! Esse desejo representava o símbolo de seus sonhos. Algo que os distinguiria de outros povos e cidades atrasadas. Minerva era tida como a deusa mais avançada do Olimpo. Inteligente, intuitiva, em boas relações com Júpiter e em paz com todos os deuses. Tinha uma habilidade especial de se dar bem com os humanos. Passava grande parte de suas horas assistindo a festas e inaugurações de sedes e de instalações que expandiam seu culto e sua glória. Era veneradíssima pelo brilho que sempre deixou em todas as cidades do Ocidente. Isto, desde os tempos em que morava exclusivamente no Olimpo em Atenas. Hoje, as coisas mudaram um pouco. Esse Olimpo está meio em ruínas. Mas a tradição do culto da deusa continua forte!
É por isso que eu queria encarar com naturalidade esta má notícia – a de que Minerva está em coma...
O que de mais imediato me acode à memória é a grande deferência que a deusa tem tido em admitir uma maior ocidentalização de sua aura vital. Tal fato virá beneficiar certamente esta cidade.
Concretamente, se a quiséssemos analisar em maior profundidade, seria justo dizer que ela já tropicalizou suas preferências. Podemos compreender porquê. Ao viajar pelas Américas sempre dizia que se sentia em casa... era como se estivesse no Olimpo. Havia nesta região o vigor adolescente de uma sociedade em construção. Os jovens lhe dedicavam mil amores e inumeráveis festas. É impressionante ouvir as trombetas se erguerem nos átrios e nas salas de aula a saudarem a sua deusa secreta. Nos corredores a olímpica figura é saudada como esperança. E nos pátios, os rituais, os tambores do bumba-meu boi expandem alegremente o ar de festa. Os alunos festejam-na com algazarra, em ritmos brasileiros na roda da capoeira. A reconstrução dos países cresce sob a liderança de suas idéias que implanta no convívio das pessoas. Ela é enviada de Júpiter para ajudar a construir esta importante sociedade. O objetivo é criar um grupo unido e sólido que cresça numa região úbere onde os rios são o símbolo desenvolvimentista de muito leite e de muito mel.
Parece neste início de século, que as mentes estão mais maduras para perceberam melhorias de qualidade onde o conhecimento é a moeda de troca mais acreditada! É nesta sociedade liderada pelos fiéis de Minerva que o engraxates e o serralheiro vão perceber que podem crescer ainda mais. E é neste ambiente de formação que o pai de famílias irá entender que a educação de seu filho será o sinal do desenvolvimento de sua própria família.
Nesta terra de famosas chapadas e de nascentes emendadas desenha-se na consciência da população uma sensação de maturidade que permite ainda mais um profundo acolhimento da figura de Minerva.
A pôr fim a esta secular e atribulada aventura de Minerva nas Américas, soam agora em pequenas ermidas erguidas em honra da deusa as autorizadas trombetas da educação para todos. São os cursos de educação básica e média. Minerva é hoje a aliada mais forte de todo o latino-americano. Cada terra, cada casa, cada campo e cada rio e cada mar zelam o desfile de Minerva como se fosse um modelo feminino se exibindo numa vistosa passarela. Ela é bem acolhida e admirada porque sempre resolve irromper galhardamente pelos espaços visíveis desta terra.
É por isso que para além do movimento, das corridas e das medalhas de ouro do pan, os latino-americanos ainda acreditam que só este modelo os libertará. Sua escravidão está sendo vista por eles como muito prolongada. Apesar de tudo, não estão gostando da irreverência e abuso com que muitos bastardos estão tentando levantar templos profanos da deusa em territórios vizinhos às grandes chapadas e planaltos onde moramos. É uma pena. E isso desgosta a deusa. Antigamente havia a escolha ritualizada do local do templo. O padre ia benzer a primeira pedra e os diplomados acorriam com graciosidade e respeito Sentiam-se abrigados à sombra do templo sagrado. Hoje muitos dos templos são como que clandestinos ou bastardos. Soam a falso. São caça-níqueis baratos. A moeda paga o ferro e o cimento da construção ao mesmo tempo que ilude as esperanças do jovem que quer ascender em sua sociedade. As paredes se levantam. Os tetos abrigam morcegos. A grana pagará os computadores e o xerox. Nada disto bastará. Haverá que apostar numa formação dentro de um perfil de formando e na linha das diretrizes curriculares da educação. Não bastará a compra de alguns exemplares de livros frios e vazios onde mininos desorientados copiarão textos que chamarão de trabalhos acadêmicos.
Na face clara da terra sempre se erguerá o princípio de que na tradição grega e ocidental nunca um templo foi feito para a multidão. A memória e a sensibilidade sempre ajudarão a ver que templo só pode ser um espaço reduzido e livre, onde qualquer indivíduo que queira abrir seu coração e sua inteligência à sombra do altar, poderá entrar. Não há templo que comporte uma multidão incontável ou uma massa informe. Minerva cuidará apenas de seus filhos livres e motivados, rumo a uma sociedade mais crítica e mais sensível ao mistério do conhecimento.
Falo de Minerva pelo carinho que tenho pela deusa. Mas falo também porque estou aqui no lançamento de uma primeira pedra, a mil e cem metros de altitude. Trata-se de um novo templo de Minerva. Assistindo à cerimônia, estão a meu lado a Giselle que não é Buendchen e o Alexandre que não é terceiro mas primeiro. São dois jovens onde a luz dos olhos manifesta a esperança de um projeto sólido. Eles me dizem que querem um país melhor e mais crítico, mais conhecedor, mas dinâmico e mais produtivo. Não querem ser repetidores nem carneiros de Panúrgio. Querem se preparar para a vida, com a liberdade de poderem fazer suas escolhas. Sabem muito bem que o conhecimento lhes dará as perspectivas. Eles sabem quem é Minerva. E só Minerva os protegerá nesta sociedade vazia e desprotegida!
Eles sabem que na localidade onde vivem, Minerva já esteve de cama, várias vezes atacada por vírus.
Ultimamente Minerva se encontra ainda pior. Está em coma, desde o dia em que um desgosto enorme a abalou, quando um grupo dissidente da educação nacional tentou ludibriar seu código de deusa. Havia nesse grupo marginal a ousadia de levantar templos sem o mínimo respeito pelo seu culto nem pelo sagrado que a tradição divina sempre respeitou. Nas redondezas, todos os habitantes querem Minerva entronizada em templo próprio para consagração da meninada e da juventude.
Numa altura em que o direito internacional é desobedecido torna-se urgente que a base de entendimento dos povos seja o respeito cívico aos direitos de todos. Nunca Minerva omitiu estes ensinamentos a seus devotos. Ela sempre ensinou que a inteligência e a sensibilidade social são os dois princípios universais da convivência entre povos. Por isso ela é clara quando reafirma que a vitalidade humana se sobreporá aos cadávares putrefatos vítimas dos atropelos das liberdades mundiais. Breve teremos aqui novas luzes acesas no templo. Os arquitetos desenharam a nave. As engenheiros levantaram os muros e belos jardins em claustros medievais se ergueram como fortalezas. A juventude acorreu e se entusiasmou. Seus olhos brilharam. Sentaram nos bancos de pedra. Nos espaços abertos ao vento e ao sol sobrou o espírito que soprava em todas as belas direções da ciência. A deusa mostrou que pode reviver. Entretanto há um alerta sério. Não adianta pensar que os deuses não morrem. Seria um engano grosseiro. Há deuses gloriosos cuja existência foi garantida graças ao sucesso e à memória que os humanos lhes garantiram. São simpáticas as memórias de Vênus e de Baco em Os Lusíadas. Vênus queria os portugueses amorosos e mantidos em plena atmosfera de amor. Baco nunca tolerou que os lusos se inclinassem para preceitos cristãos. A viagem para as Índias era longa e variada e o ideal era mantê-los interessados na aventura amorosa e nas experiências pagãs que o mundo oriental terminaria por lhes oferecer. Apostava que ainda os veria vidrados em suas tendas noturnas, e terminariam cantando seus hinos e galanteando suas bacantes.
Esta tradição de os deuses se comunicarem com os homens e de os homens aspirarem ao trono da divindade tem um lastro das histórias mitológicas. Imagino nessa história alguns deuses com suas alcovas bem próximas dos biombos orientais dos humanos. Na medida em que se humanizaram, sua reputação e sua independência diminuiu.
Minerva sempre foi uma deusa de prestígio. Lembro quando ela era jovem e passeava pelas ágoras de Atenas. Lembro suas relações com Sócrates, que muito a distinguia e prestigiava. Lembro as assembléias maiêuticas e mesas-redondas socráticas no tempo de Alcibíades e de Platão. Foi um tempo e tanto. Em clima de academia, nas peripatéticas lições de Aristóteles e debaixo da sombra dos pórticos dos estóicos, Minerva era reverenciada e cultuada. Ela levava vantagem sobre Vênus sempre que o intellectus sobrepujava as periferias dos sentidos. Usava toga formal. Sua toalete era soberana e suas linhas fisicas não tinham comparação com outro tipo de modelo. Sua aura brilhava maravilhosamente e isto porque era uma deusa. E porque tinha em sua fronte o sinal divino de onde se desprendiam para os humanos os desígnios da ciência, da cultura e da virtude.
Todo o mundo espera que a força olímpica da deusa misteriosamente a faça sair de coma onde a retêm subjugada os marginais da cultura!

Jan Muá
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