Meu amigo Anselmo
Net dos 7 Mares,
Às vezes, a gente faz papel de anjo e não sabe.
E, pelo que acabo de dizer, queria te agradecer, por me pescares em ondas cibernéticas, quando eu sonhava com um mar de mistérios azuis. Na verdade, turbulentas ondas de temores de infância da alma.
Um mar lendário, fetiche e mito que meus olhos não alcançavam, proibidos pelo anteparo das montanhas de minérios, cruéis vendas nos olhos de muitos sonhares por sombrios vales.
Anteparo do físico e do olhar da alma que, pelo desconhecido ou proibido, me levava de volta ao lago estagnado dos meus sentimentos.
Conheci o mar, adolescente, como quem experimenta o medo do desejo do primeiro toque de amor, seja de sonho ou de pele.
O mar do sul da Bahia estendeu-se ao meus olhos, como um grande tapete desenhado de horizonte, onde, além dele, poderiam estar todos os mistérios das lendas dos orixás ou dos contos das mil e uma noites.
Tão visceral, que meus sonhos de angústia e paz simbolizam-se em concha sem pérolas, mas preciosas pela concavidade imersa nos incontáveis tons da umidade da vida...
Arco-íris imerso na alma, escala entre o cinza e o azul, passando antes pela dubieade do verde, cor que finge ser, roubando a precisão da existência de luz do amarelo e da imprecisão dos mistérios do azul...
Queria te agradecer, por me dares as armas brancas para defesa das minhas palavras que cresceram na conquista de espaços e tempos, onde vivem as emoções bastardas, sem a paternidade dos sobrenomes e adjetivos negados pela racionalidade do cientificismo do que construímos em nossos limitados cercos de lógica.
Queria ainda, meu amigo, agradecer-te, por guardares meus versos na sensibilidade de um cavaleiro guardião de templo que nada mais é que o templo que guarda meus sentimentos, caixa sagrada da sensibilidade feminina, fértil em todos os solos. De onde, um dia, nascerá a compreensão dos opostos, Hermes e Afrodite, que, para sempre separados pelos montes e vales da diferenciada geografia de carne, serão, um dia, unificados no hermafroditismo dos sentimentos; apenas dos sentimentos, pois que no entendimento destes, seremos todos frágeis e perecíveis, e renasceremos numa fortaleza feita da conquista de se poder chorar, sem discriminações, continuando o exercício do eterno retorno da semente à terra, preservado no encontro da matéria, diferenciada em masculino e feminino, numa equação resolvida, onde o resultado final é igual aos risos e as lágrimas de x = y, pois que a alma não tem gênero, hora nem lugar, embora se recrie, desde sempre, na deliciosa renascença da carne.
Carinhosamente,
Elane
T. Otoni, 15 de fevereiro de 2003.
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