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Humor-->Dossiê Arnaldo -- 29/01/2003 - 01:00 (William Henrique Pereira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



Dossiê Arnaldo

Arnaldo Gentil Manha é o seu nome. Homem do povo. Homem das mais simples categorias. Homem que nasceu e vai morrer desconhecido. Sem notoriedade. Símbolo da predestinidade.
Trinta e sete anos, estatura média, nem gordo, nem magro, nem feio, nem bonito, olhos e cabelos castanhos. É assim mesmo, sem características marcantes. Simplão. Se por acaso algum dia cometesse um ato criminoso, o que seria muito difícil, a polícia iria penar para apanhá-lo com as descrições da vítima.
Uma vida sem grandes vitórias. Representante da classe? Não. Subir de cargo? Nunca. Ganhar um concurso de televisão? Jamais! Lembrarem-se de seu aniversário? Não mesmo!
Com ele sempre foi assim. Nada acontece. Pá, pimba. Se alguma ponta, algum vestígio de oportunidade aparece, por algum acaso, alguma chance de elevar seu status, sua notoriedade... logo todos estranham, matutam e dizem, com certa dose de ironia e sarcasmo: “Peraí, gente, esse é o Arnaldo!” – a seguir uma pausa, apontando para ele com desdém – “Deve haver algum erro! A promoção para o cargo maior deve estar errada!” – a seguir uma risada de canto. E com certeza depois vem a correção do mal-entendido e confirmam com “cara de óbvio” que o benefício era para qualquer outro, menos para o Arnaldo. A lógica da natureza se ajusta quando se confirma que o Arnaldo continua na mesma. Não que esse “na mesma” seja necessariamente lá embaixo, mas estando na mesma... está tudo certo.
O Arnaldo tem uma aparência aceitável, tem sim. É casado, tem suas propriedades... trabalha em uma firma, nem pequena, nem grande. Mas há um dia por ano em que as pessoas falam o dia inteiro sobre o Arnaldo. Primeiro de abril.
Ele é o cara que, quando criança, sempre ficava sem saquinho-surpresa nas festas de aniversário. “Ah, Arnaldo” – dizia a mãe do amiguinho – “Esqueci que você também tinha vindo!” (ou que ele existia!). É o cara pelo qual todos vão passando na frente nas filas de qualquer evento, e vai ficando tão para trás que os ingressos acabam justo na vez dele. No futebol sempre sobrava o Arnaldo e mais outro garoto, este sem pés. No amigo- secreto de fim de ano, alguém com nome repetido nos papéis ganhava dois presentes, porque esqueciam de pôr o nome dele.
A última bolacha era dele. O pêssego do chão era dele. Assim como a bexiga furada, a língua de sogra com defeito, os vôos atrasados, o requeijão com bolha de ar dentro do vidro...
Classe com número ímpar de alunos. Trabalho em dupla. Quem sobrava? Arnaldo.
No fim de ano a professora dizia: “Crianças, vocês vão receber hoje as fotos da turma tiradas semana passada. As cópias ficaram boas, exceto uma, que caiu feijão em cima. Quem fica com ela? O Arnaldo, né? Gentileza sua, Arnaldo.”
Pois é, o Arnaldo era até considerado gentil, por alguns. No acampamento de fim de ano com a escola, havia passeio a cavalo. O burrico encostado num canto, com paralisia parcial, era do Arnaldo.
Aquela pequena porcentagem de produtos falhos que uma empresa produz, em meio a milhões de produtos normais, sempre iam parar na casa dele. Remédio faltando bula, salgadinho sem brinde, pipoca com formatos nunca vistos, bem bizarros, biscoitos sem o recheio e medalhas onde se lia “Arenaldo” ou “Arnaldoo”, ao invés de seu nome, são apenas alguns exemplos.
Arnaldo certamente tiraria o palito menor, certamente morreria numa roleta russa. Ele tinha o “mico preto”.
Quando Arnaldo chegou na firma anunciando que ia comprar um computador para ele, último modelo, todos recomendaram que não o fizessem. Ele perguntou por que e eles responderam que, conhecendo ele a tantos anos, sabiam que no computador dele o bug do milênio atacaria mais cedo. Os hackers punham em seus vírus de computador o nome “Arnaldo”. Chegaram a disputar. Porque o usuário, quando visse o nome “Arnaldo” na tela do computador, ia ter um chilique.
Um dia, ele estava muito pensativo, em seu escritório. Saiu mais cedo do serviço, andou devagar pela rua, quase foi atropelado. Estava distraído. Sua expressão era séria e ponderativa. Chegou em casa, tropeçou no cachorro (rotina), tirou os sapatos, foi até a cozinha, escorregou no chão molhado, que a esposa lavava (rotina, ainda) e sentou-se à mesa.
- Arnaldo, o almoço ainda demora – disse a mulher – Por que não dá uma volta com o cachorro?
Ele não estava com vontade. Não só porque o cachorro o arrastava pela rua e enrolava a coleira em volta dele, mas também porque queria conversar com a mulher.
- Na verdade, eu... – começou ele, porém não terminou, porque o telefone tocou e a mulher foi atender. Era para ela mesma. Ela já estava há três horas conversando com a mãe, quando Arnaldo desistiu de esperar e foi para o quarto. Sentou-se na cama. A cama fez um “clec” e despencou. Ele ficou lá, no chão, pensando. Algo o preocupava.
Ficou calado até a manhã seguinte. A mulher lhe perguntou se estava tudo bem, ele não disse nada. Saiu de casa, foi para o carro, deu a partida e viu que a mulher estava na porta da casa, fazendo sinal para ele voltar. Ele achou melhor não voltar. Não ia dar à mulher o prazer de saber o que havia de errado com ele. Saiu com o carro. Chegou no prédio da firma. Estava fechado, ele não pensou que fosse tão cedo. Usou a própria chave. Ainda não tinha chegado ninguém, era realmente cedo. Chegou em seu escritório, no décimo terceiro andar, e abriu a janela. Saiu pela janela, ficou de pé no parapeito. Engoliu um seco. O suor brotou em sua testa. Encostado no vidro da janela, olhou para baixo. Seu rosto foi se transformando. Franziu a testa. Lá embaixo... na rua! Não havia carros! Nem pessoas, quase! A banca do Zé... fechada! A padaria, o mercado... tudo fechado! Foi então que se lembrou de sua mulher, na porta da casa, fazendo sinal para ele voltar.
Arnaldo abaixou a cabeça e se sentiu péssimo. Nem mesmo se suicidar com sucesso, conseguira ele. Num feriado ninguém ia ver seu ato, nem ficar sabendo da notícia. Isso era realmente uma tristeza. Inacreditável.
Concluiu que a melhor coisa era esquecer isto. Virou-se para a janela, abrindo-a. Iria entrar, e tentar esquecer esta idéia. Mas este é o Arnaldo, então, é claro que levou uma cagada de pomba na cabeça, antes de ir.

***










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