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Humor-->Arnaldo de Natal -- 28/01/2003 - 16:28 (William Henrique Pereira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Arnaldo de Natal


Arnaldo entrou em casa e tropeçou violentamente num enfeite de Natal. Aí é que se lembrou, realmente. Era Natal.
- É Natal, Arnaldo! Paz e felicidade! – gritou a mulher, balançando nas mãos uns enfeites da árvore de Natal, que ela arrumava.
- Pois é. Estou vendo.
- Já comprou todos os presentes, Arnaldo? Não vai fazer que nem o último ano, que você deixou tudo pro último dia...
- Ih, esqueci mesmo... essa cabeça...
- Ah, Arnaldô! Assim não é possível, né? E agora? As crianças vão ficar sem presente?
- Não. Não vão, querida. Estou falando que não, por que não acredita? Dá um tempo, tá? Dá um tempo. Acabei de chegar do trabalho...
- Você trata de falar direito comigo, seu folgado. Senão eu te bato, safado. E aí, gostou da árvore?
- Ai meu Deus...
Era a época das costumeiras festanças e preparativos de Natal, uma época mágica e enfeitada, iluminada por Deus e cheia de paz na Terra. Arnaldo achava o Natal meio chato, porque tinhas más lembranças de seus primeiros natais. Quando ele era um pequeno garotinho gordinho, com uns oito anos, houve um Natal na casa dos avós e havia um Papai Noel também. Arnaldinho estava metido num lindo conjuntinho mirim que sua mãe lhe comprara especialmente para o Natal, e do qual Arnaldo não gostava nem um pouco. “Mais é di minina, mamãe! É di minina!”, dizia ele, tímido, no dia do Natal. A mãe nunca dava bola às observações do pequeno. E na verdade a roupa era feminina, mesmo.
Quando a festa esquentou, as crianças estavam no clima eufórico da chegada do Papai Noel. Arnaldo e seus priminhos brincavam e brigavam junto à árvore de Natal, enquanto os pais, tios e avós, adultos muito honrados, falavam besteiras na mesa na sala de jantar. E comiam. De repente chega o tio Gustavo vestido a caráter e cheio de presentes num saco. Todo fantasiado, e orgulhoso da barriga de cerveja que lhe garantia as características para ser o Noel.
- Olha lá! O Papai Noel! – disse uma das tias, mal sabendo disfarçar num tom convincente, enquanto mordia um panetone.
- Vai lá, Arnaldinho! Fala com ele, ele tem um presente pra você – disse a mãe de Arnaldo, empurrando o filho.
- Tô cum medo, mamãe – Arnaldo estava quase chorando. A cara do Noel parecia-lhe um tanto assustadora.
- Deixa de besteira, vai lá.
Todas as crianças se divertiam no colo do velhinho, e Arnaldo permanecia afastado, chorando. Logo as crianças começaram a zombar dele, rindo de seu medo inexplicável de Papai Noel.
O Papai Noel (tio Gustavo) viu pra que lado as coisas iam e foi buscar Arnaldinho pra vir se juntar ao grupo. Levantou-se, deu a mão a ele e chamou. Arnaldo saiu correndo e não viu a árvore de Natal no meio do caminho. O Papai Noel perdeu o equilíbrio e caiu junto com ele no meio dos presentes e da árvore, que logo foi ao chão. Foi pura catástrofe. Todos ficaram pasmos. O milagre de Natal fora destruído. Toda a magia e alegria tão cuidadosamente preparados para as crianças estavam agora reduzidos a uma criança chorando que nem louca e um Papai Noel bêbado rolando pelo chão e com dificuldade para se levantar.
- Ajuda aqui. Ai. Meu Deus, estou preso!
- Socorro, mamãe! Tô cum medo!
- Ai, os presente, pega os presente! As criança! Elas vai tudo discobri o segredo di Natal!
- Essas crianças...
- Vergonhoso...
- Feliz Natal, meus queridos!
- Dá o peru.
- Que peru? Não tem peru.
- Pega o tio Gustavo, ele não tá respirando!
- Pega a câmera!
- Lá lá lá... dingowbell...
- Feliz Natal!
E assim foi se desenrolando um dos piores natais da infância de Arnaldo. Ele agora se lembrava de cada detalhe, de cada palavra, cada gesto dos familiares naquela noite. Ficara traumatizado para sempre. E começou a se lembrar também de outras ocasiões, como aquele Natal em que ele urinou nas calças, aos seis anos, e aquele em que vomitou no meio dos presentes.
Isso provocou pânico imediato em Arnaldo, porque quando a data se aproximava ele sempre ficava encucado. Ainda mais porque tinha que comprar os presentes.
Afinal chegou o dia da véspera. Toda aquela ladainha tediosa e repetitiva de Natal. A TV mostrava exaustivamente os anúncios mostrando tão belamente os enfeites, as luzes, a comida, e, principalmente, os brinquedos...
Arnaldo tinha ido no dia anterior na loja de brinquedos do shopping, e, é claro, já não achou mais nada de interessante para se comprar. Sempre deixando pra última hora...
À noite, a família inteira estava reunida na casa da mãe do Arnaldo, a avó da família. Eram quinze familiares, mais os amigos e vizinhos inoportunos ou sem família. Toda aquela euforia de Natal começou. Os sobrinhos e netos corriam por todos os cantos, ora derrubando copos no chão, ora ficando presos no banheiro.
Arnaldo conversava com Júnior, seu irmão mais velho, mas parecia nem prestar atenção, de tanta preocupação. Mantinha os olhos fixos na árvore, trêmulo e pensativo.
Alguém veio lhe dizer que ele fora escolhido para fazer o discurso de Natal no início do jantar. Ele ficou branco. No mínimo, ninguém queria se comprometer e acabaram por escolher o mais inocente dos adultos para falar. Mas falar o que? Sobre o que? Sobre quem? Arnaldo teve dor de barriga.
- Você está bem, Arnaldo?
- Não. Quer dizer... claro que estou... é Natal! – fingiu ele, com a maior cara de dor de barriga.
Chegou a hora da ceia, todos reunidos na grande mesa, e famintos. O discurso não podia ser muito longo, senão todos logo começariam a reclamar.
E Arnaldo não sabia o que ia dizer.
Ele se levantou de seu lugar, bem devagar, para ir ganhando tempo, para adiar sua ruína. Pigarreou, ajeitou a camisa, fingiu que abotoava um botão. Pigarreou de novo, tossiu, se engasgou. Alguns se levantaram. Quando ele engasgava, era coisa séria. Pronto. Era só o que faltava. Tossiu tanto que acabou engasgado. Bateram nas costas dele, fizeram ele olhar para cima, assustaram ele, fizeram reza, benzeram um copo d’água e viraram líquido pela garganta dele. Ele cuspiu tudo e ficou vermelho que nem uma pimenta, querendo falar e não conseguindo. Tudo virou baderna. As crianças já não estavam mais na mesa, as tias conversavam, e os tios discutiam:
- Tem que bater nas costas.
- Não, eu sou médico, tem que jogar água quente na nuca.
Jogaram água quente e Arnaldo deu um pulo até o telhado, caindo novamente em seguida na cadeira, e derrubando os copos.
- Você queimou ele!
- Eu sou médico!
- Reza um credo.
- Credo!...
- Você viu o último capítulo da das oito?
- Perdi. Mas eu vi a das seis, que tem aquele garoto que é um broto.
- Credo!...
- Vocês também estão com calor?
- Batata, passa o Juquinha! Opa...!
- Ai meu Deus.
- Feliz Natal!
A noite transcorreu assim por um bom tempo. Não houve discurso algum, todos se esqueceram desta parte e atacaram a comida. Arnaldo só foi melhorar duas horas depois, quando chegaram com mais um problema para ele:
- Escuta, Arnaldo, temos um problema – disse Tia Augusta, a mais chata de todas elas.
- Qual?
- O Mário tá com dor de barriga, está preso no banheiro há uma hora.
- Sério? Que que ele comeu?
- Arroz.
- Ah, claro, isso explica – Arnaldo não entendeu nada.
- Mas o problema não é este!
- Não?
- Não.
- E qual é, então? – Arnaldo já imaginava.
- Bom. O Mário ia se vestir de Papai Noel este ano, mas ele não vai poder, entende?
- Claro. Já entendi tudo.
Pronto. Com essa ele não contava. Arnaldo ia ser obrigado a se vestir e ser o Papai Noel, porque, se recusasse, ia ficar muito mal, iam começar a dizer que ele não se importa com as crianças... coitadas das crianças, etc...
- Ai meu Deus... e onde está a roupa?
Ele foi se trocar. A roupa era pequena pra ele, pois tio Mário era magrinho. Só faltava, na hora, o cinto arrebentar. Ele colocou a barba, o cabelo, o chapéu e tudo mais, e se preparou. Era hora.
No auge da animação, Arnaldão entrou na sala onde todos estavam, fingindo estar alegre e carregando um saco de presentes. Mas algo saiu errado. Eis que surge, na outra porta da sala, um Papai Noel igualzinho, só que mais magro. Era o Mário, que não sabia que seria substituído. Pânico geral entre os adultos.
Os Papais Noéis se encararam como num duelo de faroeste, um em cada canto da sala. Duelo de Titãs.
- Ai meu Deus, as criança! Ai, as criança!
- Não acredito! O Mário! Esqueci de avisar pra ele! – gritou Tia Augusta, inconveniente.
- As crianças vão descobrir a farsa do Natal!
- Segurem um deles! Segurem um deles e taca pra fora da sala, agora!
- Vamos lá!
Os tios, querendo resolver a situação com muita inteligência, correram todos juntos em direção ao Arnaldo, que não entendia nada e ficara parado na porta. Todos eles caíram em cima dele ao mesmo tempo, derrubando Arnaldo no chão e iniciando a tragédia. As crianças choravam, desiludidas com os falsos Papais Noéis, e os adultos se amontoavam no tapete, atrapalhados. Jogaram Arnaldo no banheiro, e tentaram controlar a situação, mas não dava mais. Mário ainda tentou convencer as crianças, mas estas não acreditavam mais, ainda mais porque este Papai Noel era muito magro.
- Ele não é o Papai Noel! Está com os óculos do tio Mário!
- É mesmo!
- Ele esqueceu de tirar os óculos fundo de garrafa!
- Ah, não!
A véspera foi um fiasco, e o dia de Natal também. Foram inúmeras as gafes de Natal este ano, assim como todos os anos. Muitas coisas ainda aconteceram naquela noite depois do caso dos Papais Noéis, e no dia vinte e cinco a coisa foi pior ainda.
Quando os parentes de despediam, depois do almoço do dia seguinte, Arnaldo conversava com sua mulher, Ana Maria:
- Ana, eu juro que não venho mais para o Natal.
- Não diga isso, Arnaldo, por favor.
- Mas todo ano é a mesma história, não agüento mais!
- É, paciência, né?
- Mas ainda bem que acabou.
- Acabou nada. Esqueceu? Ainda tem o Ano Novo, querido.
Ele se engasgou.



***





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