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cronicas-->Maldição -- 08/02/2003 - 11:12 (Carlos Eduardo Canhameiro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Maldição

Carlos Canhameiro

A história que vou narrar começou há muito tempo atrás, quando Sebastiana Aparecida viajou para América. Não me perguntem como foi que ele conseguiu chegar até os Estados Unidos e muito menos como permaneceu por lá, isso eu não sei e nem vem ao caso. O que sei, e narrarei ao meu modo, é o que aconteceu enquanto a dita cuja estava lá. Como um narrador 3 x O (Onisciente, Onipresente e Onipotente), não me atentarei aos fatos cotidianos e desprezíveis que antecedem o ocorrido. Decido o que você lerá e o que é mais interessante e dramático no decorrer dos fatos. Antes, um prólogo.
Sebastiana, como muitas delas, trabalhava como empregada - de certo que esse não é o termo mais apropriado, talvez faxineira ou assistente de limpeza: escolha o eufemismo que mais lhe aprouver - num grande prédio novaiorquino. Odiava a profissão como qualquer um odiaria se trabalhasse no mesmo ramo. O fato que mais a repugnava não era a limpeza em si dos três andares que ocupava a empresa onde trabalhava e sim esses andares serem do septuagésimo sétimo ao septuagésimo nono. Morria de medo de elevadores e, principalmente, de altura. Um dia, logo no início do emprego, tentou subir pelas escadas, decidida que setenta e sete andares não eram tantos assim, afinal, o elevador não demorava sequer um minuto: subiu. . Quando chegou, já contabilizava 45 minutos de atraso mais as pernas com càimbras e uma bronca da gerente de limpeza - que não entendeu bulhufas, já que como a Iracema da América, "não entendia o idioma inglês" -; no fim do expediente desceu de elevador.
Muito bem, essa é a protagonista da história. Analisando pelo escrito acima, ela não valeria nem as linhas já gastas até agora. Ledo engano, e digo o porque, visualize: dez de setembro de dois mil e um. Sete e quarenta e cinco. Càmera em primeira pessoa acompanha Sebastiana saindo do metró, virando uma esquina à direita, andando dois quarteirões, mais uma esquina à direita. Pessoas cruzando avenidas. Entrada de um prédio monumental. Portas Automáticas. Crachás eletrónicos. Elevador. Septuagésimo Sétimo andar. Prédio errado. Era a quinta vez que errava o prédio. Praguejava em português, mas todos percebiam que o que ela dizia não era bonito de se dizer. Malditas torres gêmeas. Repetiu constantemente a frase, como um mantra, enquanto descia pelo elevador e atravessava um pátio enorme até a entrada da torre irmã. Malditos americanos, seus prédios enormes e iguais. Essa foi a frase para subir no outro prédio. Quinze minutos de atraso. Bronca e serviço pesado.
Sebastiana limpou o que havia para ser limpo - e limpou muito mal -, mas praguejou tão forte que lhe atacou a gastrite. Tomara que um dia essas bostas - e aqui é necessário que se registre exatamente o que foi dito - dessas torres gêmeas caiam na cabeça dessa desgraçada. A pessoa em questão não poderia ser ninguém menos que a gerente de limpeza. Repetiu também inúmeras vezes essa oração - é dê ao termo oração o sentido que quiser - com algumas variáveis adjetivas aos prédios gêmeos. Enfim, acreditou que estava em seu direito reclamar, já que não era culpa dela que um mesmo local tenha dois edifícios idênticos - e não era mesmo - limpou, cansou e quando deu o horário, foi embora. No térreo, olhou sobre os ombros e viu as duas torres eretas, como falos dionisíacos - se bem que a protagonista jamais faria tal comparação, uma por total ignorància e outra porque para ela as torres poderiam ser tudo menos pintos duros - mostrou a língua, praguejou mais uma vez e seguiu seu caminho.
Onze de setembro. Folga de Sebastiana, que dormiu o quanto pode até ser acordada por sirenes de todas as variedades possíveis. Levantou, olhou pela janela, não deu falta de nada - uma pessoa que confunde o prédio onde trabalha não seria tão atenta a ponto de ver que ele não existia mais - percebeu uma nuvem cinza cobrindo grande parte da cidade e lamentou quem estava na escala da faxina. Ia ser trabalho dobrado. Sentou na cama, ligou a televisão, olhou as imagens e se irritou com a reprise de mais um desses filmes catástrofe. Estranhou o fato da mesma cena repetir-se várias vezes até... Sim, a ficha, assim como as torres gêmeas, caíram.
Correu à janela, depois olhou a tv e mais uma vez a janela e gritou desesperada. Fui eu. E chorou. Vestiu-se rapidamente, olhou mais uma vez o noticiário para verificar se não estava sonhando e saiu. Na rua, um corre-corre generalizado, desorganizado e claustrofóbico. Ela correu em direção aos prédios. Elas caíram. Não parava de repetir. Fui eu. Ah meu Deus, fui eu. Uma confissão continua. Só pensava em uma coisa, se entregar. Quando encontrou o primeiro policial, se jogou aos seus pés e confessou num inglês tosco que opto por traduzir para um português mais inteligível. Fui eu. O guarda, estupefato, ajudo-a a levantar. Foi você o quê? Fui eu quem derrubou os prédios. O policial irritado, jogou-a dentro da viatura e levou-a à delegacia mais próxima. Lá, ela confessou mais uma vez o que todos nós sabemos. Eu não tinha intenção. Mas que diabos a senhora está falando? Eu não tinha a intenção de machucar ninguém, nem queria que eles caíssem. Sargento, ela é mais uma dessas loucas em estado de choque; melhor levá-la à assistência social. Estava uma correria tão grande na delegacia, que era irritante para os policiais darem atenção a uma brasileira insana, enquanto milhares de americanos estavam soterrados nos escombros. Mande essa pirada de volta para casa. Pegue o endereço dela e peça para não sair de lá até segunda ordem. Mas os senhores não estão entendendo. Sou eu a culpada, me prendam. Por favor. A insistência a transformava ainda mais numa lunática desvairada. Que policial acreditaria à essa altura no poder das palavras, ainda mais nas palavras de uma brasileira. As únicas palavras que importavam e que faziam sentido eram as do presidente - que pronunciou as palavras mais estúpidas que poderia ser ditas pedindo a fática benção divina. Quem sabe isso já não tinha acontecido? Mas são especulações de um narrador enxerido. Suma daqui, volte para casa e pare de falar besteiras. Foi a primeira e única ordem do oficial.
Ela levantou-se, irritada, olhou nos olhos do sargento, virou-se e desejou ardentemente que ele morresse. Arrependeu-se em seguida, mas talvez fosse tarde demais. Se o policial morreu? Doze de setembro. Um sargento da policia de Nova Iorque...
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