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Contos-->MILÁLIAS -- 03/08/2003 - 12:28 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



MILÁLIAS

Jan Muá
2 de agosto de 2003

O rio corria em baixo, caudaloso e idílico.
A mata e os campos estavam cheios de vida. O ambiente animado. Ele, acabara de mostrar para todo o universo feminino ali presente as qualidades de um adorável sedutor.
Pela aura que se notava em seu olhar, era fácil perceber que deveria ser muito competente nas artes do amor. Parecia, pelo menos a priori, que seria um verdadeiro entendido na mais nobre arte inventada pela natureza.Havia a impressão de que a Madre Natura descarregara sobre ele, milhares de anos atrás, este dom especial. Ficava descartada a hipótese de que haurira as habilidades em livros da especialidade como os Kama Sutra ou outros. Ficava claro que tinha habilidade natural na alma e no corpo para atrair as mulheres para sua rede.
Para quem se encontrava a dois passos do rio e em frente da piscina de águas azuladas e na mira da sombra da amoreira onde se visualizava a presença de alguns beija-flores, parecia claro que se desenhava no rosto daquele jovem a figuração de um don Juan Tenório. É. Podia haver ali uma invocação de um personagem de Tirso de Molina. Talvez apenas um leve parentesco. Porque na verdade, o que há aqui, é um autêntico Milálias brasileiro. Um Milálias muito sui generis, sem o rigor da ortodoxia .
Vamos ver detalhes da história.
Nosso Milálias fora convidado para um churrasco numa fazenda do Planalto goiano, junto ao curso fluvial do Corumbá. Havia muitos amigos e conhecidos. Tratava-se de uma reunião convocada pelo amigo Pamplona, assessor comercial de uma grande empresa que domina o mercado de óleo de soja no Estado de Goiás. A festa estava brilhante. Um bom churrasco num dia de sol e num ambiente verde e límpido numa baixada rural, junto às cachoeiras de um bucólico rio, é um dos prazeres sãos de um domingo brasileiro.
Como convidado, Milálias rapidamente se inserira no grupo. Muitas histórias, muitos sorrisos, muitos papos e esporte no meio, conjugando a boa disposição de moços e moças, que mostravam enorme prazer de estarem juntos. No conjunto, pela boa disposição e atenção que as mulheres lhe davam, Milálias sobressaía também pela forma como jogava limpo em sua sedução.
-É um autêntico Don Juan, dizia Dona Natália, mãe de Pamplona, com um sorrisinho malicioso....
Riram todos.
No fundo concordavam. Não era bem o tipo do sedutor de Tirso de Molina. Milálias era Milálias. Bem goiano, com todas as virtudes e qualidades próprias de um jovem que se sente ao natural entre as pessoas. Que fosse um Don Juan, tudo bem. Que tinha facilidade de seduzir, era o que também contavam as mulheres. As fêmeas o adoravam. Elas se aproximavam e o elegiam figura de diversão. Era assim: olhos nos olhos, descontraidamente, inocentemente, como num paraíso... Ninguém traindo ninguém. Ninguém derrubando ninguém. Puro convívio. Pura manifestação de vida!
Se Milálias criava na cabeça de algumas pessoas a ilusão de uma figuração de Don Juan, nem ele se preocupava com isso. O que verdadeiramente sabia é que era um homem com seu charme jovem, um brasileiro de Goiás! Nascido nas Águas Quentes de Caldas Novas, um dos lugares mais interessantes do Brasil. As mulheres o achavam charmoso, e o adoravam. Adoravam-no porque tinha dons. Os dons que elas viam e os outros dons invisíveis mas que elas presumiam tranqüilamente que teria também. Por umas razões e por outras, Milálias era, a todos os títulos, “bendito entre as mulheres”, o que lhe dava a sensação agradável de viver num ambiente natural.
Havia nisto tudo uma história.
A primeira sensação de sucesso entre as mulheres aconteceu nas piscinas do Clube Di Roma, em sua terra natal, em Caldas. E logo em seguida na Pousada do Rio Quente. Lá havia o famoso poço da sogra. Milálias aprendeu a se aprumar, a dar grandes lições de cortesia e a comportar-se como macho sedutor junto às freqüentadoras das piscinas e das cachoeiras quentes. As mulheres se aproximavam e ele selecionava naturalmente as preferidas na malha de seus olhos. Sempre como atento cavalheiro! Esta prática foi-lhe dando um perfil, um caráter notório. Jovem, bem falante, de corpo atlético, bonitão, atento aos mínimos detalhes da convivência, Milálias conquistou um lugar definitivo no círculo de suas amizades. Nas boates, era rei. Nas casas comerciais e butiques, as balconistas recebiam-no com galhardia, como se fora um príncipe.
Tinha extremo cuidado com as palavras. Elas eram utilizadas para ajudar a construir sua figura social. E jamais poderiam constituir um elemento negativo na avaliação de sua figura. Por esta razão escolhia cautelosamente os termos. Era isto certamente uma forma sábia de conviver. Tinha a consciência de que a palavra pode ajudar por um lado, mas pode prejudicar também, em certas circunstâncias!
Certo dia um amigo lhe emprestou um livro, para ler de verdade! O lkivro era nada mais nada menos que os contos do escritor goiano J.J. Veiga. A verdade é que tomou a sério o conselho do amigo. Leu e adorou. Havia ali uma nova mensagem de vida. A mensagem foi imediatamente aprendida. Através de J.J. Veiga começou a apreciar a magia da fantasia. Seria outro, certamente, a partir daquele momento.
Em seu instinto de conquistador, Milálias percebeu que deveria associar, em seu íntimo, uma nova coordenada. Uma nova maneira de ver o mundo, certamente. De imediato, haveria que colocar em suas próximas relações pessoais uma misturinha de magia e de fantasia. Mais do que isso. Em sua visão de mundo, a realidade teria que ser revestida de sonho e fantasia. Um passo da inteligência na confrontação do duro mundo das coisas. Em sua mente, isto seria no mínimo uma forma romântica de suavizar o cárcere da vida quotidiana! Mas havia mais. Queria que fosse sua maneira de estar no mundo, enobrecido assim, de alma e corpo.
Meditando nisto, percebeu um dia que as grandes parceiras desta visão mágica da vida seriam as mulheres. Aqueles seres suaves que tão bem o tratavam. Entendeu por isso que a forma mais errada de tentar conquistar uma mulher era mostrar-lhes a realidade bruta sem um toque de fantasia. Por ilação e por sensibilidade própria, aprendeu que há necessidade de um tempero mágico e fantástico na vida. Este era visivelmente o grande lance de sua vida. Uma conquista verdadeira.
Tudo mudou a partir do momento em que entendeu a função do mito na cabeça
das pessoas. Sabia que tudo iria mudar também em suas relações se aplicasse esta intuição ao mundo feminino. Feliz, agora, este Milálias renovado com a nova perspectiva.
Como bom goiano, sabia que não era só o mineiro que defende que o mingau se come começando pelas bordas. Sabia perfeitamente que a alma goiana, apesar dos pesares, era cautelosa e politicamente próxima do acautelamento mineiro. Para ele, estava claro que o bom trato da mulher e a compreensão das suas mais profundas dimensões anímicas era todo o segredo que a vida poderia lhe oferecer na hora do amor. Pensando assim, o mito tornava-se agora seu puro sentir e sua obsessão. O mito de todas as formas. Mas sobretudo o mito do amor, da sedução e da felicidade. Tudo em doses convenientes, nas dimensões lunares que habitavam sua alma. Doses que as mulheres, suas mestras, aprovariam, certamente.
Tivera a certeza disto naquela noite em que levado pela mão de sua amiga Cenaflor foi visitar a exposição de pintura de Antônio Poteiro, em Goiânia.
Lembra todos os detalhes. Entraram de mãos dadas, assinaram o livro de entrada e foram vendo e analisando atentamente os quadros. Em determinada altura percebeu que as palavras dos dois se cruzaram nas cores e nas tranças pictóricas ingênuas de Poteiro... Entendeu especialmente que a vida se uniu à noite e à arte e de tudo nasceu para os dois uma dimensão diferente! Uma mítica sensação onde eram atores eles dois em nome da vida, da arte e do amor! Parece-lhe hoje que o cronômetro suspendeu os minutos naquela noite. Houve uma intervenção mítica que se apoderou do par de namorados. Nesse transe vital, Milálias e Cenaflor sentiram a leveza do corpo na dimensão da alma! Existencialmente tomados pelas sensações nobres do amor foram convivas de uma noite em que as estrelas festejaram luminosamente o sonho fantástico de uma aproximação humana envolvida num profundo segredo cósmico!
Agora, junto à toada cantante do Corumbá, em pleno ambiente de churrasco, a lembrança que assaltou a mente de Milálias através da figuração de Cenaflor é representada em dimensão por todas estas Evas que o abraçam, o acarinham e o comem com os olhos. Elas pegavam Milálias pelo braço, pela mão, pelo abraço. Ele é um belo homem, um jovem e um alegre brasileiro, com dotes de suave sedutor. Ele é, para elas, o seu Menino embalante!
Colhia agora os frutos românticos do que lhe ensinou a vida. Embora muito jovem, já aprendera que as pessoas sempre povoam sua mente de sonhos mitológicos! Homens e mulheres. Verificava especificamente que toda a mulherada ali presente não deixava de encarnar em seus sonhos íntimos e em suas fantasias sonhadoras, neste ambiente socializado e próprio de um churrasco, as múltiplas imagens românticas que um homem chamado Milálias sedutoramente lhes leva até aos poros, sem disfarce.
Inteiramente liberadas por algumas horas, neste altar da natureza, entre matas e rios, longe da censura social e das morais patogênicas, estas mulheres e estes homens, vivem, sem disfarce as águas correntes de sua libido libertadora e catártica. Esta catarse está escrita em seus olhos expansivos e festivos! Milálias não escondia a satisfação pelo sucesso naquele ambiente que começava a dominar.
Os convidados de Pamplona organizaram uma peladinha de vôlei misturando a ala a feminina e a ala masculina. Entre artes, risos e movimentos, o grupo pulava e brincava. Aos poucos foi-se descontraindo, se conhecendo melhor e se aproximando.
Milálias que havia entrado com extremo cuidado no grupo, foi abrindo seu sorriso e suas gentilezas e agora as moças já começavam a concentrar nele todos os seus ímpetos eróticos de atenção, de desejo e de diversão. Em pouco tempo, o espaço era totalmente seu.Entre conversas e chalaças, o círculo ia se estreitando e o ambiente tornava-se amigo, em grande clima de sedução.
Milálias tinha Jussara a seu lado. Ela comparecera como convidada na cota dos amigos de Pamplona.
Eram quatro da tarde. Um sol manso e lúcido.A festa foi só animação, música, e boa comida. Como lembrança ficaria no sonho de todos. Um sonho de um fragmento de tempo mítico em que os gestos e as falas se animaram e agora vão cair no silêncio para arquivo da memória e das sensações. Estas ficarão sempre lúcidas enquanto forem expressão de um momento agradável ou de uma história de coração.
Quando ensaiou as despedidas para sair da fazenda, sobre sua cabeça, ali na amoreira, os beija-flores sobrevoavam a ramaria da acolhedora árvore.
Milálias se retirava terminando um quadro de presença que as memórias voltarão a reconstituir na mansão do silêncio.

Jan Muá
2 de agosto de 2003
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