----- "O erotismo como encenação no deserto da vida na sociedade moderna", foi o mote que enunciou a Quinta Edição dos Colóquios do Porto, uma organização bienal do Instituto de Psicanálise, evento cultural que presenciei sexta 10 e sábado 11. Este género de reuniões, onde a polémica se instala e revela silenciosa nas faces de quem nelas põe ouvido, atrai-me e fascina-me pela paradôxal dualidade do jogo de palavras que, apesar de préviamente meditadas, ora produzem estrondosas asneiras, ora sublimes constatações.
----- "Os seres humanos não foram criados por Deus como é habitual dizer-se. Por uma razão muito simples: qualquer um de nós faria bastante melhor, se dispusesse dos poderes que a Deus atribuímos; fá-lo-iamos mais verdadeiros, mais justos, mais bondosos, mais solidários, mais bonitos, mais perfeitos, melhores em tudo". O psicanalista Jaime Milheiro iniciou desta forma o colóquio, perigosamente contundente, mas com sublinhada subtis e irónicos sorrisos entre as palavras.
----- De seguida apresentou um bem urdido concentrado da história de Adão e Eva no deserto, para culminar numa lição de moral, fruto do que o especialista considerou ser a maior farsa da humanidade: o muro das lamentações. "Os seres humanos continuam estranhos, desprotegidos, cheios de defeitos, portadores de cancro e de depressões horríveis". Por conseguinte, apelou: "Devemos recriar o deserto em vez de o lamentar".
----- Mesas redondas sobre a encenação do erotismo e do assédio sexual, congregando convidados aparentemente irreconciliáveis, reuniram os momentos mais abundantemente profícuos da sessão.
----- " A minha convicção é de que nascemos com o diabo no corpo", atirou Vasco Magalhães, padre jesuíta, para explicar que "sendo o diabo uma divisão, é possível estar-se seduzido por um apelo que desvia e por uma provação que fecha a pessoa sobre si própria e paralisa. O ser humano caracteriza-se pelo desejo mimético e será esse também o caminho da liberdade e a origem de todos os conflitos".
----- Constatei pois que um representante religioso, com reconhecimento público para coloquiar, considera que os récem-nados são desde logo portadores de malefícios espirituais e com isso justificar a mimética humana dos adultos. Ora aqui está pois o paradôxo dialéctico bem expresso por parte dum indivíduo que deveria, pela sua função, ter cuidado com o que diz.
----- Achei no entanto muitíssimo asado e importante que se tenha tomado o argumento do céu para se chegar ao infernal paraíso do sexo e do amor. Ninguém todavia definiu com propriedade e segurança argumentativa o que é sem equívoco erotismo v. amor: nem num olhar!
----- Não perdi nada, não ganhei nada e nada também me surpreendeu. O que se pode esperar da contemplação sobre pavões exibicionistas? Umas bicadas!
----------------- Torre da Guia ------------------
