Hilda Hilst já não fede mais por todos os buracos, como a ouvi dizer do animal humano, em tarde memorável no Prédio Básico da Unicamp. Naquele momento, só hoje sei, vivendo reclusa num sítio ali pelas redondezas, sua obra iria tomar o rumo da "sacanagem", do escatológico, mendiga que era de leitores para o que viera antes.
Uma vez a Berta Waldman insistiu para que eu de Hilda Hilst me aproximasse, que a visitasse na Casa do Sol, onde vivia com seus trocentos cachorros. Mas acho que foi num momento em que de mim mesmo eu mal me aproximava.
Da mini-resenha do Luís Augusto Fischer, no FolhaTeen da última segunda-feira, 16/02/04, transcrevo a citação do início do poema "Cantares":
"Que este amor
não me cegue
nem me siga".
De um outro livro, "Da Morte. Odes Mínimas", o resenhista destaca um momento dos muitos diálogos da poeta com o fim:
"Me fiz poeta
porque à minha volta
na humana idéia de um deus que não conheço
a ti, morte, minha irmã
te vejo."
O fim, que ela veio conhecer fisicamente aos 73 anos, pode ser para ela, como já foi para tantos poetas injustamente não lidos em vida, o começo da acolhida pelos que ainda fedem e vão feder por todos os buracos.
Hoje, à distância, quando lenta e dolorosamente de mim mesmo eu vou me aproximando, acho uma pena não ter ouvido a insistência da Berta Waldman, para que de Hilda Hilst eu me aproximasse.
Mas ainda é tempo: seus livros ficam aí à espera do meu, do teu, do nosso reconhecimento. Sempre haverá lugar para estar à sua volta, como os felizes animais que em vida a rodeavam.
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