Como adorava ver estes versos escritos, ao computador, em vulgaríssimo papel extraídos na copiadora hodierna, com alguma fímbrica poeira, pendurados por mola em corda de sisal, oscilando entre as carícias da brisa numa tarde de calor, bem defronte a teus olhos em saudosa ternura embevecidos.
Lograria porventura, pois, quiçá um dos mais altos momentos na realidade histórica do Cordel. Ou isto que escrevo não é de facto Cordel e eu terei vivido minha devoção completamente equivocado, suando tão só sob o sujo mote da inveja permanente que lambuza as palavras, ensebando-as gordurosamente de nada, no perplexo ano 2005, tempo dos que exploram parasitariamente tudo quanto flutue no espaço do livre pensamento.
- Meu senhor, leve a grande novidade nestes versinhos. Afinal foi Dom Pedro que mandou matar Inês de Castro! Por apenas um euro... |
QUEM TEM CORAGEM ?!...
A corda bamba do tempo
Se abrupta não rebenta
Começa por dar sinal,
Abrandando o movimento
E estica, muita lenta,
Em oscilação lateral.
Entre a névoa visual
Que envolve o estendal
Dos objectos mais queridos,
Até a saudade esgaça
O que mete alguma graça
À memória dos sentidos
Sintomas reconhecidos,
Indíciosos, concisos,
De tal nunca senti,
Mas em tempo recuado,
Em alguém triste, parado,
Sem qu entendesse, eu vi.
Da imagem que prendi
Aos olhos, então aqui,
No desfiar do poema,
Consoante alcanço os versos,
Pormenores lassos, dispersos,
Juntam-se em prévio dilema.
Medito, remonto a cena,
A pesar se vale a pena
Aguardar o iminente
Momento que se desprenda,
Ou desejar, sem legenda,
Que a corda enfim rebente.
Quem vir através da lente
A redúvida desvisdrada,
Verá antes, muito antes,
A morte tranquilamente
Caminhar de passo assente
Sobre os próximos instantes.
Também um dos debutantes
Que trajarei a negrura
Na decisiva viagem,
Sem contornos cartomantes
Pergunto: na sepultura,
De ver-se, quem tem coragem?!...
António Torre da Guia |
