CEGOS DE NASCENÇA !...
É à porta das igrejas
Que um cego melhor vê
Faminto, posto à mercê
Da esmola eventual,
O desfile das invejas
Em piedoso a-b-c
E Deus que sabe porquê
Também é invisual.
O sacristão prevenido
Pelo padre, salvo seja,
Passa a dourada bandeja
Ao cristão que está à frente,
Deliciando o ouvido
No plim das moedinhas
Que caem muito certinhas
Da benquista mão da gente.
- Em paz ide, meus irmãos,
Em nome de Deus, amém...
E o cego vai-se também
Dali, acabada a missa,
Tacteando com as mãos
Entre ceguinhos cristãos
A cegueira da justiça.
Este relato não tem
Uma bafozinho sequer
De Poesia-Mulher
Pró poema endeusar,
Porque a musa sabe bem
Como dar em mão directa
Ao ceguinho que é poeta
Um verso pra se coçar.
E eu, malquisto escritor
De tristes versos inversos,
Náufrago de sonhos dispersos
No alto mar da descrença,
Sinto ao tardio sol-pôr
O porquê mais que evidente
De bispo e presidente
Serem cegos de nascença !...
António Torre da Guia
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