Bom-dia!
Hoje venho à consulta, caro psicanalista, não para queixar-me, mas para relatar-te um momento raro, e de extrema ternura, desses que só experimentamos uma vez na vida.
Falo da emoção de uma carta que recebi, via e-mail, cujo remetente me dizia, mais ou menos, assim:
“Milene
Para veres a minha reação futura, e comportamento, poderias ter pensado enviar-me a fotografia duma senhora idosa, com 80 anos, por exemplo, e o e-mail seguinte:
Caro Senhor, chegou o momento de lhe revelar a verdade, tal e qual é: A Milene Arder que o amigo diz que ama é essa adorável velhinha da foto.
O senhor compreenderá porque agi como agi e agora ajo assim!
Virias então - amiga - a saber quem deveras eu sou.
Um beijão
xxx”
São momentos como este, Freud querido, que dão um sabor especial à nossa existência.
E eu, que navego há três anos por este mar internáutico, sempre agi de maneira jocosa e irreverente... Nunca levei nada a sério, por saber que, assim como eu, a maioria dos usuários não expõe sua “realidade total”, o que seria uma nítida prova de imaturidade, visto que há por aqui neuroses de todos os tipos, algumas em nível próximo à demência, como se tem constatado...
Sinceramente, creio que a “face” que adotamos virtualmente é bem melhor e verdadeira do que a do cotidiano. Aqui, despimo-nos de preconceitos tolos ou falsos moralismos e revelamos, talvez, o que de mais belo temos: a verdadeira essência de nosso sentir.
Sinto que este amigo, assim como outros, tem o espírito pleno de dúvidas e anseios:
“- Como será realmente a minha amiga? Tão sutil e doce como faz transparecer no que escreve, ou grosseira e insuportável? Suas fotos serão reais e atuais, ou, talvez nem seja mulher... Pode ser um homem, um gay... Oh! Dúvida atroz...”
Fico a imaginar quantos sonhos se tecem nas figuras imaginadas de pessoas que, pouco a pouco, vão infiltrando-se em nossa vida e tomam forma; não a que são realmente, mas como desejaríamos que fossem.
É neste ponto, mestre Freud, que o espírito assume um corpo e a nossa real imagem física torna-se insignificante.
Por essa razão, Saint Exupéry declarou em seu “O Pequeno Príncipe“:
O ESSENCIAL É INVISÍVEL PARA OS OLHOS; SÓ SE PODE VER BEM COM O CORAÇÃO...
Penso que nossos encontros chegaram ao fim, amado analista, pois acabo de encontrar o meu VERDADEIRO AMIGO... Este que conseguiu “ver” com o coração o que os olhos do corpo não conseguem alcançar...
Simplesmente,
Milene Arder
PS. Fique tranqüilo, amigo querido; ainda falta muito para que eu, se conseguir tal façanha, chegue aos 80 anos.
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