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Contos-->A VESTAL -- 29/07/2003 - 21:27 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A VESTAL


Jan Muá

29 de julho de 2003



Ficou olhando longo tempo para ela, de longe.
Um dia bonito. Pôde perceber seu rosto brilhante. Estava linda como uma princesa em seu castelo. Tranqüila, com uma toalete simples e de bom gosto.

De noite costuma se esconder. As rondas noturnas de Venâncio são infrutíferas, talvez inúteis para sempre. A misteriosa mulher tem o hábito de furtar-se à curiosidade da rua, como se fosse uma virgem recatada ou uma vestal de honra guardando a sacralidade do templo já exigida pelos romanos. Talvez por sua origem, parece ter no rosto uma vergonha natural. Se esconde. Tem medo de aparecer e receia que os olhos de Venâncio a descubram ou a identifiquem. Ou que a amem. Mas Venâncio entende perfeitamente. Aliás, ele sabe que o amor é uma miragem em mão dupla.
Ela não sabe que é amada. Não descobriu o amor nem sabe que as hostes de Cupido andam cercando sua casa. Venâncio não forçará nunca sua liberdade. Mas sempre usará o direito de ir e vir, de passar junto de sua porta, trilhando caminhos próximos, a fim de manter a certeza de que ela existe de verdade. Com chuva ou com vento, com frio ou com calor, sempre estará por ali, meio retraído, para não dar muito nas vistas. Bem ao contrário da misteriosa dama, que não gosta de sair. Venâncio queria ver aquele rosto escondido, descobrir aquele mistério de mulher. Se possível, abrir o verbo e entrar no jogo da conquista e da sedução. Dadas as circunstâncias, por hoje já se contentaria em verificar que nos horizontes da vida, a imagem desta mulher era real.Sabia que ela não gostava de badalação. No bairro, seu estilo era o de uma pessoa discreta e tranquila.Os vizinhos passavam, olhavam e respeitavam. Não cumprimentavam porque sabiam que do lado de lá da cerca viva habitava o silêncio. Estava habituada a esta soletude. A este tipo de estar no mundo. À sua volta havia festas ruidosas. Shows quentíssimos, boates cheias de ardorosa e dinâmica juventude. Ela parecia ignorar tudo isso. Parecia desconhecer o tom da vida real. Dava a impressão de que não acusava o fato de que tudo à volta se mexia e evoluís. No jardim, os pássaros cantavam. O beija-flor freqüentava as romanzeiras e tangerineiras. Os carros se movimentavam nas ruas. Os esportes náuticos davam uma vida incessante e movimentada ao lago, ali logo, à frente de seus olhos. Só ela parece indiferente.

E apesar de tudo, ela merece a atenção especial de Venãncio. Talvez pela sua quietude. Pelo que esconde. Pelo mistério que representa. Pela sua toalete insinuante. Pela sua proximidade com a natureza. Pelo jardim que tem. Não Venâncio sabia rigorosamente o
porque insistia em decifrar o enigma desta mulher. Nem ele sabia porque essa figura o atraía tanto e porque se sentia tão instintivamente devorado pelo desejo dela.Um desejo que estava se transformando em paixão. Não tinha fotografia da figura que perseguia. Precisava de um ícone para alimentar a chama na solidão.À falta de melhor, conseguia, mesmo assim, espreitá-la a certa distância, discretamente. De maneira enviezada. Era o que estava a seu alcance, no momento. Porque tinha que agir cautelosamente, para que ela não descobrisse nem desconfiasse que era observada. Sempre que Venâncio passava pelo bairro se esforçava por descobri-la. Tentava olhá-la através da cerca de buxo, pelo menos. Já que não podia lhe estender a mão nem falar-lhe nem beijá-la nem se declarar, tinha que manter um ritual cauteloso. Já que não podia táo pouco ter intimidade com ela, resignava-se em passar por perto, com o céu por testemunha, na hora em que as garças brancas esvoaçam sobrevoando o lago! Tentar passar despercebido um pouco a distância, apontando seus olhos na direção certa, para não perder o alento que lhe dava a graciosa mulher, era tudo o que por ora estava a seu alcance.

Incrivelmente essa mulher, disfarçada em vestal brasileira, tinha uma moderna piscina doméstica no lote urbano onde construíra sua casa. Mas, ao que se saiba, não ousava descobrir seu corpo e dar uma chance a seu admirador, colocando um biquíni, ou nadando de sereia em sua ampla piscina! Em lindos dias de sol na capital, a misteriosa dama continuava com seu corpo guardado em segredo.

Logo ao lado, ali, muito perto, relçuzia, batido pelo sol, o grande lago da cidade, o lago Paranoá. Espraiava-se, buliçoso, diante de seus olhos como convite e tentação. Diríamos que seria uma mulher afortunada, se não fora esta sua aparente indiferença. Tem tudo o que uma burguesa de seu quilate pode ambicionar. Beleza, posição e riqueza. Mas o silêncio cobria sua alma. E amargurava o desejo erótico de Venãncio. Nada se sabe dos segredos de seu coração. Não há movimento de visitas naquela casa, nem animação, nem ostentação nem manifestações de que ela ama alguém. É apenas um vulto. Certamente, uma consumidora também, um ser que se mostra por fora sem que alguém possa testemunhar o que lhe vai por dentro! Seus parentes são ricos e ela usufrui de muita consistência econômica e financeira e tem toda a aparência de quem tem grana para se auto-sustentar.

A completar seu perfil, fica claro para Venâncio e para todos os demais que curte a vanguarda da moda. Sua apresentação é sempre impecável, seu rosto cheio de saúde e jovem. Os olhos ficam a distância e quem saberia descrevê-los na força íntima que têm?

Um sujeito que seja bom observador, vai olhar para ela de maneira semelhante à que os poetas das cantigas de amor olhavam aquelas donas inacessíveis das cortes feudais da Idade Média. Eram poetas. Se enamoravam. As ricas donas se limitavam a acolher a admiração e o canto desses pobres poetas. Elas permaneciam em seu luxuoso viver e eles se curvavam diante da magnificente plenitude feminina que arrancava seus suspiros e mantinha sempre quentes suas “coitas” apaixonadas.

Assim parece ser a misteriosa figura que mora junto ao meu lago, paixão indomada de Venâncio, carioca de Santa Teresa..



Jan Muá
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