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Contos-->A máquina de pegar pênaltis -- 24/07/2003 - 21:57 (Ricardo Oliveira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A máquina de pegar pênaltis


Aquelas seguidas tardes apreciando os jogadores de futebol treinando mexiam com a cabeça do Zé do Campo de várias formas. Ora ficava intrigado de como aqueles meninos ganhavam tanto por tão pouco tempo de trabalho, ora um tanto desafiado na sua capacidade de treinar, também aquele time pelo qual torcia.

As respostas nunca vinham da forma que ele esperava. Talvez nem houvesse respostas que satisfizessem suas especulações. Baixava a cabeça e seguia seu trabalho cuidando do campo para que, no final de semana o time desse de si, o melhor.

No domingo, algumas vezes era alegria, outras, a tristeza tomava conta ao ver mais um pênalti perdido. Já era um tanto raro chegar ao gol adversário em alguns jogos. Marcar um pênalti, mais difícil ainda. Em geral os juízes enxergam melhor para o lado onde brilha os holofotes dos times grandes, mesmo que estejam jogando na casa do adversário.

Voltou para casa com o sabor da vitória perdida e não dormiu. Pegou um lápis, uma folha de papel e começou a desenhar.

Não era bom desenhista mas, por outro lado, era disciplinado, sonhador e criativo e resolvera fazer uma máquina para ajudar o treinamento dos ‘batedores de pênaltis’.

A inspiração inicial veio da ‘muralha’ que usam para substituir a barreira para treinar os ‘batedores de falta’. Isso economizava mão-de-obra embora talvez fosse melhor pegar uns caras na rua e colocar no lugar da muralha. Tinha o Zé do Campo uma certa visão do que significa ‘politicamente correto’. Mas futebol é futebol e, com certeza não foi criado para dar emprego para qualquer um.

Risco para cá, riscos para lá e saiu para a oficina do Pedrão para vender a idéia.

No início Pedrão riu...

_ Zé! Tá ficando louco? Acha que o presidente do clube vai pagar alguma coisa por isso?

_ Claro! Respondeu o Zé com a certeza que treinar com ‘pegador de pênaltis’ tinha mais que uma serventia.

_ Imagina como ficaria o time se não fosse aplicada esta tecnologia. Quanto melhor os chutadores chutarem, pior para o goleiro que ficará cada vez mais desmoralizado em defender os pênaltis. Certo?

_ Puxa vida. Não tinha pensado por este lado. É verdade. Vamos nessa então. Sempre desconfiei de suas idéias mas esta parece acertada.

Martelaram, cortaram, soldaram e pintaram e pronto. Saiu do papel, da cabeça do Zé e da mão do Pedrão a obra prima. ‘O pegador de pênalti’. Sábado, cedinho, pediram pro seu Fernando da padaria, a caminhonete para o pequeno frete e foram para o Brasil Futebol Clube.
O nome era coincidência. O Brasil Futebol Clube, também é em Santos, ali na Rua Jurubatuba e, antes de promover a venda de seu invento ao Time do Peixe, também, resolveu experimentar na ‘casa’ o seu invento.

A chegada tinha ‘vazado’ e já havia um certo alvoroço ali naquela manhã. Menos mal, conseguiram assim platéia e ajuda para o teste de fogo daquele ‘treinador’ para atacantes.

Os jogadores, como de costume, menos avisados e mais relaxados quanto aos seus compromissos e horários foram chegando e tomaram um pequeno susto ao ver aquela ‘engenhoca’ montada debaixo do gol. Foram para o vestiário trocar de roupa e um a um conforme iam chegando passavam pelo mesmo processo.

Ao centro do campo já estava o treinador e uns 10 jogadores quando o treinador resolveu apresentar a todos a novidade.

_ Meu time! (quase num tom professoral) ele iniciou o discurso e prosseguiu.

_ Já estamos em dez no campo e, vamos utilizar o invento do Zé do Campo, ‘prata da casa’, também, para realizarmos hoje o primeiro treino oficial de nosso ‘pegador de pênaltis’.

Silêncio geral... Quando a preleção matinal tinha este tom solene, sempre alguém ‘pagava o pato’ no dia e isso poderia representar estar escalado ou não para jogar no domingo.

_ Hoje pela manhã vamos chutar pênaltis.

Era curioso ver como mudavam-se os semblantes. Aqueles ‘pequenos’ guerreiros que ‘pedalavam’ ante zagueirões... Aqueles zagueiros que não titubeavam ante dividir a bola e o adversário, agora, mudavam de cor. Os negros, ficavam esmaecidos e os brancos, quase que amarelavam todos. Fosse um time de ‘camaleões’ a causa seria mais explícita.

O Zé e o Pedrão ali. Confiantes no seu invento e sentindo o clima ‘piorar... piorar’. Não havia saída e dava para perceber que todos os jogadores preferiam o último lugar. As lembranças do ‘grande’ Vicente Matheus, que foi presidente do Timão parecia cunhar do céu uma nova lenda. “Quem chuta pênaltis, tem que marcar.” Aquela obrigatoriedade tinha que ser posta à prova a todo instante.

Daí, resultou que o Betão, que viera de Bauru para jogar na zaga do Brasil F.C. foi levado à promoção. Seria ele o primeiro batedor de pênaltis a desafiar aquela estranha máquina debaixo da trave.

A ‘máquina de pegar pênaltis’ não tinha uma figura ameaçadora. Quase do tamanho normal de um homem. Menor que um Dida, maior que um Taffarel... Não se parecia nem um pouco com o atual goleiro santista Fábio Costa que defendeu três pênaltis contra o Nacional embora tenha levado 5 gols do Bocca Juniors na partida final da Libertadores. Mas, aquele ‘bendito mas’, sempre aparecia no campo como aparecia em todas as estórias de futebol, pescaria e desculpas ao se chegar tarde em casa. Estava ela lá na frente do Betão.

‘Regra é regra’... Velho ditado. O treinador colocou a bola no chão e mandou o Betão, e os ‘operadores’ daquela estranha máquina, todos às suas posições. Advertiu ao Betão sobre aquela famosa malandragem da ‘paradinha’ e também ‘já que não haveria como inovar ali’ falou para o ‘goleiro improvisado’ que ele não poderia avançar. Haja vista que hoje, alguns goleiros já estão quase que dividindo a bola com o batedor.

A postos, o juiz confere a posição. O Pedrão - que ficara encarregado dos movimentos dos braços - sacode os mesmos no sentido para cima e para baixo e o Zé do Campo fez um pequeno movimento para o lado direito e para o lado esquerdo. O treinador apita. O Betão não se aguenta em ver aquilo tudo e dá uma risada... Aqueles dentões tratados e aquele riso fácil na cara daquele zagueirão provocou uma pequena distração e riso no Zé e no Pedrão e o Betão aproveitou-se e ‘fuzilou’. Não adiantaram os esforços do Pedrão e do Zé, ainda que coordenados para pegar a bola que entrou certinha, certinha no canto esquerdo superior...

Todos aplaudiram... Aquela bola era mesmo indefensável estivessem o Dida e Fábio Costa juntos debaixo do gol. Zaqueiro que se preza chuta forte e tivesse ali o ‘medidor de velocidade de bola que tem o Galvão Bueno’... talvez ela tivesse atingido uns 110 Km por hora em menos de 11 metros. Velocidade de aceleração capaz de deixar Schumacher e Rubinho das Ferraris sem sabe sequer se já tinha sido autorizada a largada da Fórmula 1.

O Betão era só sorriso... além de bom jogador era também brincalhão. Passou na volta por seus colegas e falou que era muito fácil. Era apenas um cara dentro do gol com espaços para todo o lado. Difícil era bater a falta, de fora da área e fazer gol com aquela montoeira de gente e barreira para atrapalhar.

Preparavam-se para o segundo pênalti. De um lado, o Zé e o Pedrão confabulavam... o que teriam esquecido. Lógico que não ficaria bem colocar no gol alguém ‘barbudo’ ou parecido com um ou assemelhado a outro. Um gol tomado ou uma bola defendida poderia ter muitas interpretações livres pelo mundo da política e do futebol. Algo tipo: “O ‘barbudo’ pegou o pênalti chutado pelo Nenê, que era o artilheiro do time.” Isso podia não ficar bem. Mas, resolveram improvisar. Aquela figura nas dimensões de um homem normal não tinha olhos. Resolveram desenhar rapidinho um par deles. Nessa hora, o Pedrão falou mais forte e o Zé desenhou os dois olhos... Um olhando para a bola e outro, em direção direta ao batedor.

Chamaram o Pavão, que atacava sempre pela esquerda. Bola no chão e ao olhar para o gol, o Pavão bateu de olho no olho do ‘pegador’... Aquilo impactou. Quando o Pavão olhava para a bola e a partir dela em direção ao gol, percebia o outro olhar nele e na bola ao mesmo tempo. Fez-se um silêncio de mais de um minuto. O apito, o balançar de braços do ‘Pedrão’ e o movimento lateral do ‘Zé’ e o chute do Pavão...

Pode-se dizer que sobraram penas para todos os lados menos no gol. Com mais de mil decímetros quadrados naquela goleira a bola foi bater bem no meio da trave e subiu para a geral atrás da goleira... Coisas da Vida. Perde-se no jogo e ganha-se no amor, dizem. Nem aplausos, nem risos. Era um treino bem sério, embora inusitado.

Aquele improvisado 1 x 1 dava ao Zé e ao Pedrão um certo alívio. Talvez faltasse isso ainda a sua máquina de pegar pênaltis. Olhos. Já que movimentos eles tinha agregado ao seu invento. Enquanto, sorriam os dois da goleira. Os outros viviam um certo ‘inferno astral’. Onde estava o presidente do clube que não aparecia ali para tentar, também ele, a sorte.

Os jogadores se abraçavam solidários, aquelas coisas da ‘catimba’ enquanto a platéia, alheia àquela desdita se divertia vendo aquele pequeno espetáculo improvisado na manhã de sábado. Já tinham até cunhado um apelido para o confronto. Assistam no Brasil FC o duelo: Homens vs Máquina. Era preciso de ambos os lados a conquista da vitória para dar um passo à frente.

Chamaram o Duda, que apesar de não ser o do Presidente Lula, era também o marqueteiro que arrumava partidas para o Brasil jogar pela Baixada Santista e Interior. Sua fama era boa. Batera já cinco pênaltis e não perdera um. Mas, a cada lance, uma história se faz. Zero a zero dá em todo o jogo antes do apito inicial. Todos prontos, apito e o Duda acerta o pipoqueiro que distraído passava ao lado do gol. Nenhum riso... Aquilo já estava virando um inferno. A bola bem batida não entrou senão no carrinho de pipoca do Paulinho.

Mais um zagueiro escalado. Parece engraçado mas na hora de decidir, o grupo sempre sugere o mais improvável para realizar o intento. Rodrigo, não era negro e nem sorridente. Era aquele zagueiro ‘mau’ que os treinadores botam para ‘parar’ o jogo. Só que ali não tinha jogo algum acontecendo. Era ele e aquele ‘Dom Quixote’ para defender aquela goleira. Dito e feito. Os olhares trocados. O chute bem forte no meio do gol e não deu nem para o ‘goleiro’ desviar. A bola acertou em cheio bem no meio e morreu ali mesmo. 3 x 1 para o invento do Zé. Como que solidários aqueles dois heróis da goleira os assistentes batiam umas latas e gritavam... ‘Já ganhou... já ganhou!’

O treinador fez uma pausa... E uma nova preleção. E começou pelo mundo do ‘SE”.

_ Vocês estão vendo aqui a nossa deficiência. Às vezes, jogamos 90 minutos e chutamos para cá e para lá como que fugindo do gol... Algumas vezes contamos o empate como vitória... No final podemos ter uma decisão por pênaltis. E daí. Vão repetir este fiasco. Somos, ou melhor, vocês são dez jogadores e em quatro chutes marcaram um único gol. 3 x 1 para a máquina do Zé e do Pedrão! Se vocês tiverem ‘sorte’, dos seis que faltam bater podemos ganhar. Se mais dois errarem podemos empatar o que já não seria tão ruim... Mas se três errarem... Perdemos um campeonato para uma máquina que não tem nem três dias de jogo.

Em nome do grupo se levantou o Tião. Tião, Sebastião, Bastião... não importava o nome que lhe davam ele corria e não poucas vezes tomava a bola com maestria. Era ‘negro bom’ vinha dos juvenis, sempre foi do Brasil. Raçudo e líder. Certa feita, quando o golerio do Brasil fez uma falta à Fábio Costa, e foi expulso ele foi para o gol e defendeu com um chutão que quase deu um mortal contra ataque ao adversário distraído que contava com o ‘ovo’ dentro da rede. Daquele dia em diante, ganhou fama respeito e só lhe faltou a merecida grana. Mas o Brasil F.C. não tinha caixa assim para valorizar aqueles que ela tinha de melhor no seu quadro. Tomou a palavra e disse:

_ Professor. Viemos aqui para mostrar nosso futebol. Uns acordam mais cedo, outros mais tarde mas todos aqui trabalhamos... Não somos um ‘Barcelona’... Não somos um ‘Peixe’ ou um ‘Timão’. Romário, Sócrates, Zico, Pelé... todos tem um dia de azar. Aqui as ‘bicicletas’ e ‘pedaladas’ que damos são para chegar ao campo e treinar... Nós aqui levando ‘bronca’ e o Zé e o Pedrão lá, do outro lado, rindo. Não da gente.... mas com aquela satisfação de terem conseguido montar esta engenhoca ali debaixo daquele gol e estarem embaraçando a gente.

E, seguiu:

_ Não vamos perder a moral não. Vamô lá e mostrar quem chuta para dentro e quem chuta para fora e pronto.

De certa forma todos pareciam aliviados. Estavam com a garganta seca pois o técnico tinha sempre a garrafinha d’água dele mas não, os jogadores que estavam treinando.

Tião pegou a bola, foi para marca do pênalti, colocou a bola no chão e esperou o juiz apitar. Nem olhou para a goleira. O Juiz apitou, Tião chutou e gol... O tal ‘Dom Quixote’ para um lado e o Pedrão para o outro indo buscar a bola no fundo da rede. Tião não olhou para a goleira ou para o ‘pegador de pênaltis’ porque ele sabia, e muito bem o tamanho daquele gol. Sabia que era 1 x 1. Uma chance de errar e uma de acertar. Na trave, estava descartada a hipótese. Não era bom de pontaria. Ou acertaria num urubu de vôo rasante ou na coruja que pudesse ir dormir num daqueles cantinhos onde goleiro algum alcança se não estiver bem debaixo dele. Feita a sua parte, descansou triunfante...

O seguinte, animado pelo triunfo e discurso do Tião, marcou também... Daí em diante se alternaram os chutes e as falhas culminando num 5 x 5 final.

Aplausos e confraternização... Afinal, eram todos amigos e torcedores do mesmo time.

Chega o presidente do Clube, consulta o treinador, ouve a opinião dos jogadores, fala com o Zé do Campo e com o Pedrão e fecham negócio.

Espertos, para não sair caro e nem barato demais o esforço deles, resolveram ‘alugar’ o ‘pegador de pênaltis’ por um bom dinheiro.

No Brasil F.C. ficou a lição para os ‘batedores de pênaltis’. Na hora da decisão, não adianta querer tirar o corpo fora. Botar a culpa no ‘goleiro que se adiantou’. Na falta do presidente do clube para chutar o pênalti...

Quem faz isso lá agora, vai para a escolinha do Zé e do Pedrão. Uma esquina com uma goleira e aquela estranha máquina com um olho para a bola e outro para o batedor.

É só ir conferir. Eu, Ricardo Oliveira vou passar por lá.

Santos, 24 de julho de 2003.




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