Levantei, estava na rua,
Com o sol me invadindo impunemente os olhos,
Sem cortinas para ocultar o corpo nu,
Sem paredes para encerrar a vergonha,
Sem paletó para esconder a maconha,
Sem colírios para enxergar a vida azul.
Caminhei, cambaleante,
Por entre asfalto, terno e gravata,
Transeuntes embriagadas na calçada,
De sonhos de dias vindouros,
Exibindo seus colares cintilantes
E seu coração de brilho fosco.
Tropecei em belos executivos,
Em moças de corpos esculpidos,
Mas não escutei um só gemido,
Não percebi um só lamento,
Em mágoas e dor de esquecimento,
Em planos e desejos reprimidos.
Acordei, aflita, e no espelho vi
Ao invés da minha costumeira imagem risonha
Com traços de amargura na expressão enfadonha,
Ali, o rosto de cada criança
Que, na pressa do dia que não vivi,
Esqueci de dar a esmola da esperança.
Lílian Maial.
Rio, 16/10/00
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