PEDRO XISTO NA VISÃO DE UM AMIGO
L. C. Vinholes
11.10.2024
Esta é a primeira vez que inicio um artigo, um novo registro, repetindo dois parágrafos de artigo já publicado, intitulado Casa das Rosas a Coleção L. C. Vinholes[i]. Faço isto porque o que neles está escrito será ampliado com o que aqui está registrado. Vejamos o que dizem os dois parágrafos de 19 de junho de 2024:
Certas vez em Brasília, encontrei ao amigo-diplomata embaixador na Nicarágua, Genaro Antonio Mucciolo, e um dos assuntos com os quais nos ocupamos foi sobre a perda de Pedro Xisto em julho de 1987, um amigo com o qual tínhamos afinidades, sendo uma delas o seu interesse pelo Japão e pela cultura japonesa. Os haikais que ele escrevia e incluía no texto de suas cartas, mereceram nossos comentários. Antes de nos despedirmos, Genaro prometeu enviar-me cópia da correspondência de 1963 a 1974, trocada com nosso saudoso amigo comum.
Em contato com a Casa das Rosas, em setembro de 2019, encaminhei à Coordenadora Simone Homem de Mello a relação das cartas da correspondência minha e de Genaro com Pedro Xisto. Nos dias 10 e 11 de dezembro do mesmo ano, ela que, como eu, desaconselhava o envio do material pelo Correio, veio a Brasília e recebeu o que estava elencado em três listas: 1) a minha correspondência com 57 itens, 2) a correspondência de Genaro com 20 itens e 3) os haicais e os poemas concretos e a biografia de poeta com 12 itens. Levou, ainda, um pen drive com as três listas acima mencionadas e as imagens de todo o material doado, bem como um painel com suporte de madeira forrado com cartolina preta, medindo 49,5 x 41 x 1,5cm, exibido recortes de poemas de Pedro Xisto. Esses documentos, incluídos na Coleção L. C. Vinholes, hoje pertencem ao acervo da Casa das Rosas.
Desta vez, não esquecendo o que consta do artigo Pedro Xisto e as cartas de Mucciolo, serão apresentadas duas cartas recebidas de Genaro nas quais ele comenta o comportamento e a apreciação de Pedro Xisto para com dois jovens de formação e atividades distintas e, mais ainda, sua visão de mundo face à realidade do tempo em que vivíamos.
Carta de Genaro para Vinholes[ii].
Devo ao nosso encontro em Brasília, que começou burocraticamente, o prazer de reencontrar as cartas do velho Pedro Xisto. Eis que leio, em carta de 1972, quando ele se encontrava em Tokyo:
“E se torna claro que só nas horas mortas da noite. Escrevo cartas e poemas. São as minhas horas mais vivas, a da conversação com os outros que vivem dentro de mim. A minha maneira de ser ficcionista”.
Como é fácil visualizá-lo, assim no seu quarto, em completa e perfeita solidão, entregue a esta conversação sem fim. O que me impressiona, ao retomar contato com esta correspondência, que abrange o período de 1963-74, é a maneira pela qual Xisto dialoga de igual para igual, com um jovem que dava os primeiros passos na vida e cuja experiência não dava para comparar com a do velho mestre e poeta. No entanto, sua abertura de espírito era total e os temas que abordava, reagindo, sem dúvida, à observação do jovem interlocutor, eram os mais variados. Há que ressaltar, mais do que tudo, a qualidade do texto das cartas, o poder de síntese, sempre admirável, e a leveza das observações poéticas.
Faço votos de que você possa levar avante a ideia. Creio que a recuperação da correspondência enriquecerá a compreensão da obra poética que ele deixou. Os papeis relativos à atividade do Adido Cultural são curiosos, revela certas facetas pitoresca da personalidade.
À espera de um próximo encontro, aqui vai o grande abraço do
ass. Genaro.
Nota: a ideia mencionada no último parágrafo acima era meu desejo que não se concretizou de fazer um estudo e escrever uma memória sobre o gratificante companheirismo com o grande mestre e sobre as pérolas que ele comigo compartilhou com suas cartas e seus haikais. O máximo que pude fazer foi inaugurar em Tokyo minha editora Novo Brasil-Japão, com a mini antologia 8 Haikais de Pedro Xisto e, mais recentemente, reunir a correspondência mencionada no segundo parágrafo deste artigo e encaminha-la à Casa das Rosas[iii] na esperança de, futuramente, serem objeto de estudo e pesquisa.
Carta de Genaro para Vinholes[iv].
Muito obrigado pela carta e pela cópia da preciosa correspondência. Confirma-se minha impressão que Pedro Xisto se adaptava com grande naturalidade a cada interlocutor. Na correspondência com você o tema predominante era o haikai: produção, publicação e assim por diante. No meu caso eram aspectos ligados ao Itamaraty. Sempre presente, porém, estava sua capacidade de encontrar o lado poético de cada assunto, ou pelo menos de abordá-lo poeticamente.
Creio que você, mais do que outros, poderá estudar uma maneira de fazer um trabalho sobre tudo isso. Conhecendo o Japão e o idioma japonês, terá ais facilidade de penetrar neste lado da biografia e da literatura do Xisto. Recentemente, abri o livro Caminho, que há tempo não via. Fiquei impressionado om a quantidade e a qualidade da produção aí armazenada. Parece certo quo o poeta encontrou no haikai a sua forma e a ela foi fiel até o fim. Talvez por aí esteja o centro do trabalho: Xisto era e seria como um poeta japonês.
Enfim, você saberá, mais do que eu sobre tudo isto. Eu era sobretudo um apaixonado pelo estilo sintético e compacto da prosa do poeta. A correspondência é um repositório dessas qualidades.
Enquanto você se debruça sobre esses altos assuntos, continuo a tocar minha Embaixada centro-americana. A singularidade do lugar está na opulenta vegetação que cobre tudo; enquanto escrevo, aprecio as árvores que cerram fileiras ao redor da casa e escondem os horizontes. Xisto, sem dúvida, teria mais de um haikai a fazer sobre isto.
O forte abraço do
ass. Genaro
Epílogo
A divulgação dessa correspondência mais do que, simplesmente, ter a satisfação de torna-la pública, é, principalmente, uma maneira póstuma de homenagear a meus dois grandes amigos, Pedro Xisto Pereira de Carvalho e Genaro Antonio Mucciolo, e de augurar que as ideias e opiniões registradas em suas cartas possam, algum dia, servir de subsídio a alguém que se debruce sobre o que eles tanto apreciaram: os haikais escritos na língua que o Brasil adotou como mais uma das dezenas de ferramenta de diálogo entre seus povos.
[i] Artigo publicado em 19.07.2014. no site .
[ii] Carta recebida em 30.08.1994
[iii] A Casa das Rosas já não abriga todo o precioso acervo de Haroldo de Campos, nem a minha modesta contribuição. Consta que junto com os acervos da Casa Guilherme de Almeida e da Casa Mario de Andrade a Casa das Rosas será abrigada em um Centro de Referência, a ser criado.
[iv] Carta de 16.10.1994, recebida em 01.11.do mesmo ano, quando servia no Consulado-Geral do Brasil em Milão, como Encarregado do Setor Cultural de Cooperação e Divulgação e. concomitantemente. cuidava das atividades do Instituto Brasil-Itália (IBRIT)
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