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Contos-->A parábola do cupim -- 10/07/2003 - 19:07 (Clodoaldo Turcato) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Certo dia Milonga estava triste. Seus problemas eram enormes, o mundo acabara para o infeliz. A dor, àquelas de amor, invadira suas entranhas, indo até o fundo de sua alma, fazendo com que nada mais o interessasse. Queria morrer.
Milonga saiu sem destino pelas ruas; sem xarete, de pé mesmo, até que encontrou um banco, na praça, onde sentou-se. Voava em sua tristeza, quando um grilo saltou e sentou-se em seu ombro. Eta! Grilo esquisito. Ameaçou tapeá-lo, porém o inseto não assustou; ficou imóvel, olhando firme pra ele, com pena, como que adivinhasse a dor contida naquele humano.
_ Saia! Saia seu bicho! Pára de olhar pra mim desse jeito! Sai... sai... sai.
O infame parecia pregado tal estátua. Os olhinhos batiam, demonstrando estar vivo. Aquele olhar de pena estava deixando Milonga irado. Agarrou uma estaca e subiu o braço para o golpe. Mas o bichindo não moveu um milímetro. Ficou estático.
_ Você não tem medo?
Que idiotice, falando com um grilo. Estava “doidinho da Silva”.
_ Tudo bem, fica ai, não tem problema.
_ Obrigado – respondeu o grilo.
O que?! O grilo falou. Não, fora ilusão. Grilos não falam...
_ Como uma mulher deixa um homem... Você está triste por causa dela, não é?
Outra vez? Vagarosamente Milonga baixou os olhos e deparou-se com o bichinho sorrindo.
_ Mas...você fala?
_ Sim, claro que falo. Não estou falando?
_ Sim está. Mas eu nunca vi um grilo falante...
_ Que São Tomé és tú...
_ Pára de frescuras! Grilos não falam e pronto.
_ Tanto falo que estou falando. Não ouves?
_ Puxa! É mesmo....
_ É mesmo! Que boboca é você.
_ Estas me ofendendo!
_ Apaixonadinho ele!
_ Pare com essa gozação!
O grilo abusado começou a rir e mostrar a língua. Milonga perdeu a cabeça e desferiu um golpe certeiro bem no meio da testa do inseto, que afundou na areia fofa. Não houve remorsos, afinal ele não estava com cabeça para sentimentos “inséticos” .
Mas eis que o danado começou a mexer-se. Esticou as perninhas, a cabeça e desachatou. Para o assombrou de Milonga o grilo voltou inteirinho. Vivinho!
_ Oba! Que cacetada.
_ Você não morreu?
_ Parece que estou morto, é?
_ Mas...
_ Mas, mas. Que homem! Vê e não acredita. Eu começo a pensar que essa paixão te deixou bobão.
_ Que... que paixão?
_ Que paixão? Ra...ra....ra... Todo o planeta sabe, inclusive os insetos, que você sofre assim por causa do casório de Flávia, Flavinha...
_ Já tá todo mundo por dentro?
_ Até os polvos.
_ E sabem detalhes?
_ Todos, todos não. Mas assim por cima sabe-se que foi coisa de urso. Isso saiu do galinheiro, passou para o chiqueiro e acabou na estrebaria. Foi da vaca que eu soube. Ela jura que tu foste corneado. Eu fiquei pasmo. Conversei com a minhoca que levou para o besouro – sabe como são os besouros, chegadinhos nas cigarras. Aí a coisa foi longe. Aquela lambisgóia cantando “Milonga cornoooooo”.
_ Cadê essa safada?
_ Morreu. Tu não sabes que elas morrem todos os dias? Oh! Homem tonto...
_ É verdade.
_ Mas antes de morrer ela passou pra vizinha, que passou pra outra vizinha e assim sucessivamente.
_ Jesus!
_ Na floresta quando começa anoitecer é um coro só “Milonga cornooooo”.
_ Essa não! Que vergonha, Meus Deus, o que que eu faço?
_ Ora, ora, o que que eu faço....Só tem um jeito.
_ Qual?
_ Acabe logo com o problema. Corte o mal pela raiz.
_ Falas porque não é contigo.
_ Deixa de dramas, homem. Do que adianta estar com uma mulher se ela não te amava? Diga! Do que adiantou aquela insistência toda? Aquele sofrimento à toa?
_ Ela é minha vida...
_ Era! Olhe os verbos, era. Agora ela pertence a outro e basta!
O grilo fez uma cara severa, como um pai quando repreende seu filho. Milonga ficou extremamente irritado com o atrevido.
_ Ei, quem pensas que és?
_ Um grilo...
_ Eu sei que és um grilo. Mas quem te deu o direito para este sermão todo?
_ Ninguém. Eu sou assim mesmo, metido.
_ Então vai te meter com suas grilas!
_ Não existem grilas. Existem grilos fêmeas, seu burro!
_ E o que tem minha burrice com isso?
_ Ser corno, vá lá; mas corno e burro...
Milonga não agüentou esta última gracinha. Deu uma estacada no infeliz que o enterrou na areia, voltando a seguir, recomposto como dantes.
_ Como eu faço pra te matar, desgraçado!
_ Eu sou imortal, seu besta!
_ Imortalidade não existe!
_ Existe sim.
_ Mas eu quero te matar!
_ Eu não posso morrer, senão a estória acaba.
_ Há!
_ E tem mais. Eu vim aqui para te passar um recado e acabei me distraindo.
_ Recado?
_ É, uma parábola.
_ E quem mandou?
_ Seu anjo da guarda...
_ Meu anjo da guarda?
_ É, um infeliz arcanjo que tem a triste sina de te guardar.
_ Rapaz!
_ Rapaz1 Vamos deixar de lenga lenga que daqui a pouco aparece um pintassilgo e me engole.
Sem mais sacou um papiro e solenemente iniciou a leitura:
“Conta-se nos Prados do Chuí que certa feita um homem percebeu que em sua casa haviam cupins. Alguns bichinhos iniciavam o ninho na aba da frente da moradia. Julgou que os insetos não alcançariam intento maior que alguns riscos na madeira, toda de primeira, que fazia parte de sua casa. Alguns dias depois, sentado no vaso sanitário, percebeu que os cupins atacavam a porta do banheiro. Agarrou uma vassoura e derrubou os carreiros formados pelos invasores. Noutro dia novamente, ao postar para sua necessidade diária, constatou que o trilho tinha crescido duas vezes mais que do dia anterior. Agarrou a vassoura e com garra destrui o caminho todo, certo de que eles desistiriam. Qual nada, na manhã seguinte lá estavam os danados, mastigando com mais fervor ainda. O homem agarrou um balde com água e sabão e se pôs a destruir a construção dos comedores de madeira. Ficou limpinho. “Agora sim!” Mas caiu em desespero quando no outro dia os bichinhos retornaram à atacar no mesmo lugar. Sua ira foi tanta que começou a bater para todo o lado. Quebrou as loucas sanitárias, o toalheiro, o espelho... uma bagunça. Descontrolado agarrava os cupins e mordia-os , pisava-os, xingava-os. A vizinhança julgou que ele estava sendo vítima de algum mal feitor. “Patifes, morram!”. Brigou tanto,durante horas, que acabou caindo exausto. Acordou somente na manhã seguinte pela zoada dos mastigados na madeira. Abriu o olho devagar e deparou-se com milhões de cupins dominando totalmente o ambiente. Sua fúria foi ao extremo. Levantou-se, correu para a despensa de onde pegou um pé-de-cabrito e iniciou uma seqüência de golpes por todo lado onde via algum cupim. De repente sentiu um estalo. Pareceu algo no telhado. Lentamente olhou para cima, tempo suficiente para ver a viga mestre arrastar tesouras e telhas sobre sua cabeça. Caiu sem vida. Os cupins tinham destruído toda estrutura do teto, e os golpes coléricos dele fizeram com que tudo desabasse tão rapidamente que não deu tempo para salvar-se. O corpo do homem foi encontrado semanas depois quando os cupins comeram toda a madeira que o soterrava.
Finalizando o grilo fechou o papiro, guardou os óculos e perguntou:
_ Entendeu?
_ Mais ou menos.
_ Ah! Meu Jesus. Que homem besta. A moral, não pegaste moral da história?
_ Sim, que quando aparecem cupins em nossa casa devemos matar todos rapidamente para que o teto não caia sobre nossa cabeça.
_ Eu vou ter um infarto...
_ Atacar o problema de uma vez?
_ Isso! Finalmente falaste algo sensato. Compare sua situação e a do homem da história e veja o que farias.
_ Certo. E o que eu faria?
_ Céus! Eu vou-me embora, você cansa minha beleza.
Num passe de mágica o grilo sumiu. Milonga em vão tentou procurá-lo, mas o bichinho virara poeira. Teve a impressão de que jamais o veria.
Se levantou e retornou para casa repetindo: não deixe o problema cair sobre sua cabeça. Corte o mal pela raiz.
Por algumas noites ainda ouviu as cigarras cantando cornooooo, porém o tempo passou e elas mudaram o cântico. Retornou para o batente, como auxiliar de limpeza, limpando os banheiros do Hospital das Clinicas. Viveu feliz, odiando grilos, ainda mais os falantes.
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