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Contos-->Etiqueta 80359 ( uma lembraça) -- 10/07/2003 - 19:04 (Clodoaldo Turcato) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Etiqueta 80359 ( uma lembrança)

Cheguei em casa resolvido a deixar Recife. Não agüentava mais tanta fome, tanta carestia. Meu destino seria Porto Alegre, onde morava meu tio lá - dono de uma peixaria – que me convidou para trabalhar ao seu lado. Eu não conhecia o Sul, mas ouvira dizer que era muito rico; a educação avançada; a agricultura forte; chovia certinho, nada das secas daqui. “Aqui é bueno, sobrinho! Venha logo”. O dinheiro recebido do FGTS e Seguro desemprego daria para as passagens e a comida, embora tivéssemos que economizar um pouco.
Narrei tudo a minha esposa. Ela tinha deixado no dia anterior a maternidade e estava em repouso com algumas dores no baixo ventre. O parto fora difícil, complicando-se pelo fato de ela estar anêmica, herança da condição miserável em que vivíamos. Mas o bebê estava quietinho, mamando, em paz.
O seu nascimento e o futuro cruel que o aguardava firmaram minha posição.
_ Mas o bebê ainda é muito novinho para uma viagem desta, amor!
Ela tinha razão.
_ Vamos esperar mais alguns dias, quando dé o tempo nós vamos - concordei.
E assim ficamos mais um mês. Por sorte arranjei o que fazer na cidade. Fui contratado para desmanchar as estruturas do carnaval. Ver o Galo descendo me tirou lágrimas. Iria sentir saudades de tudo. Lá pro Sul não tem carnaval, só umas danças estranhas usando roupas que mais parecem sacos. Nunca veria mais o Galo da Madrugada. Sentei-me na ponte Duarte Coelho e mirei ele sumindo pela Dantas Barreto.
Passaram-se quarenta dias entre a recuperação de Laura e a nossa partida. Por vezes eu acordava decidido, no entanto à noite, após uns tragos de cana, eu adiava. Guardava uma esperança oculta de algo acontecer e ficarmos.
Mas o trabalho acabou e voltamos para a miséria. Cada dia ficava pior. Eu não quis gastar o dinheiro reservado para a viagem. O menino crescia e carecia de mais coisas que eu não podia oferecer. Nem dinheiro para as fraldas sobrava, só tinha duas mudas de roupa conseguidas de uma igreja evangélica local. Laura não mostrava contrariedade alguma, é o tipo de mulher que vive seu mundo sem reclamar ou alegrar. Eu nunca entendi ela direito, mesmo vivendo junto tanto tempo. Só há vi alterada duas vezes, para ela não haviam motivos para preocupação, a vida era aquilo mesmo, Deus cuidava de tudo. Eu já preferia fazer algo rápido, não confiava mais em Deus, e se Ele apontava um caminho era Porto Alegre.
Telefonei para meu tio avisando que iríamos naquela semana: quarta ou quinta.
_ Já era hora mesmo, tche! Venha mesmo que tem um churrasco macanudo te esperando.
Levei minha decisão a Laura.
_ Mas quarta é amanhã!
_ Eu sei. As passagens já estão aqui. Passei hoje no TIP e ajeitei tudo.
_ Mas nem me despedi de ninguém...
_ Pra quê? Ninguém nunca se importou com a gente. Não merecem uma despedida.
Eu nunca gostei da família de Laura. Os pais tinham falecido e os irmãos nunca quiseram saber dela. Mesmo quando ela se prostituía por comida em Boa Viagem, nenhum se importou. Um descaso só. Eu guardava indiferença por eles, Laura sabia disso. Ficamos em silêncio. Mesmo conhecendo seu passado, eu sempre mantive empenho para que pudéssemos constituir uma família. Mesmo naquela condição, ela sabia que o meu esforço era sincero para melhorar nossa vida; por isso não me contrariava, afinal, queira ou não sua vida tinha mais dignidade que outrora. A minha família também ficava longe de meu cotidiano, eu não contava com ela. Resumindo-se: estávamos só.
_ É complicado, eu sei, mas não tem jeito. Embarcamos amanhã.
Laura foi ao quarto arrumar nossas coisas, em silêncio.
O menino passou a noite toda com febre, já faziam alguns dias que ele não estava bem, nada que identificássemos, parecia ser gripe. Ele revirava no berço, chorando muito. Não havia mais tempo para procurar médico, ainda mais no Getulio Vargas que vivia lotado. Laura me alertara, eu não dei muita importância, julguei ser coisa pouca – mal de menino!
Mal dormimos. Laura não saiu do lado do berço, acompanhei-a. Chegamos à rodoviária cansados.
O ônibus saiu nove horas, super atrasado. O motivo não fora explicado e ninguém questionou. Para sair de Pernambuco com destino a Região Centro Oeste, Sudeste e Sul, os viajantes dispõem de apenas uma empresa, que infelizmente não prima pela qualidade dos serviços. Todos os carros são ultrapassados e extremamente desconfortáveis. Os melhores ônibus vão para a região Sul e Sudeste. Subimos e nos sentamos no primeiro banco. A lotação não estava completa, completou-se no caminho. Na saída Laura me certificou da piora do neném.
_ É melhor a gente ficar, o menino tá muito mal...
_ Não dá, Laura... agora é tarde demais.
Ela não retrucou. Baixou a cabeça e orou. Eu não rezei, não da forma católica de Laura, mas pedi a Deus que nada acontecesse ao nosso filho. Temia pelo pior, mas voltar não dava.
Paramos em Maceió e fomos ao banheiro. Laura estava nervosa, parecia descontrolada. O bebê estava imóvel, piorara.
_ Eu quero voltar! Me deixa, nosso filho vai morrer...
_ Como ele está?
_ Mal, morrendo...
Julguei ser exagero dela. Ordenei que seguíssemos em frente. Ela me olhou furiosa.
_ Tu que sabe. Se o menino morrer a culpa é tua!
Não me sensibilizei, mantive minha intenção e seguimos. Jantamos em Aracaju, Laura mal beliscou um pastel, eu comi indiferente. O menino não mamou. Mal tornei ao ônibus e adormeci.
O sono foi repleto de pesadelos, onde o bebê aparecia me culpando pela sua morte. Acordei sobressaltado no meio da noite e fui ao banheiro; Laura parecia desfalecida e o menino estava imóvel. Voltei e dormi novamente, acordando com o dia claro, no meio da caatinga baiana.
Laura pediu-me que segurasse o menino pois precisava ir ao banheiro. Ao toma-lo nos braços entrei em pânico: estava gelado. Não disse nada. Assim que ela saiu deitei o ouvido sobre o peito dele, o coração não batia. Experimentei o pulso, nenhum sinal. Quando ela retornou, insistiu para ficar como ele no braço. Nos entreolhamos, não precisou dizer mais nada; ela sabia: o bebê morrera.
Descemos para o café em Barreiras, divisa da Bahia. Fui com o defunto para o banheiro, mas estava lotado, o que obrigou-me a aguardar numa pedra ao lado. Laura me seguiu; parou diante de mim e perguntou:
_ E agora?
Eu não tive resposta. Minha voz não saiu, chorei copiosamente com meu menino morto nos braços, por minha culpa, toda minha... E agora? Eu não sabia, não poderia saber...
Laura tomou a decisão:
_ Vamos até a próxima parada, enterramos o menino e seguimos.
Olhei-a incrédulo. Andar mais tempo com o coitadinho morto! Era isso?
_ Aqui não sai ônibus pra Goiânia. A gente teria que esperar para amanhã e não temos dinheiro para outra passagem.
Ela estava com a razão. Mesmo doendo fundo, concordei.
_ Mantenha a calma, não agonia. Finge que ele tá vivo, senão a gente tem que descer.
Laura enrolou o corpo no xale e fomos tomar café. Ela agiu com certa naturalidade, comeu bem, eu mal mordisquei um salgado. Naquela altura o ônibus tinha lotado, aumentando ainda mais o calor interno. Maldita Itapemirim!
Como é comum em viagens de longa distância, existe certa integração entre os passageiros. Todos conversavam, brincavam, riam. Laura, vez por outra, balbuciava alguma sílaba. Eu não dizia nada, taciturno e temeroso que alguém perguntasse pelo garoto. Algumazinha, por certo, deve ter comentado a quietude do bebê. Olhares próximos me pareceram desconfiados. Nenhum choro; nenhuma troca de fraldas, mobilidade total. Para seguir com a farsa, Laura trocou as roupas do cadáver ao meio dia, quando atravessamos o São Francisco. Tornei a segura-lo, com medo que descobrissem nossa fraude.
A tarde passou demoradamente, a noite me deu um pouco de paz. Quando as luzes internas foram apagadas, finalmente Laura chorou. Tomou bruscamente o corpo de meus braços e soluçou para apenas eu perceber. Adormeci e acordei com ela na mesma. No meu cochilo os pesadelos voltaram da mesma forma que à noite anterior. Agora porém o menino crescera e com um suitera chicoteava minhas costas. “A culpa é sua! A culpa é sua!” Ele ria e rodeava-me, sempre batendo mais forte, gritando alto. Laura parou o choro somente quando o dia clareou inteiramente.
Não descemos para o café; não sentíamos fome alguma. Estava cada vez mais difícil esconder.
_ Vamos ter que enterra-lo, daqui a pouco vai cheirar - balbuciei para Laura.
_ Mas onde?
_ Paramos em Brasília. Eu conheço a cidade e a gente arranja um cemitério por lá.
Ela concordou.
Já passava das dezesseis horas quando entramos na Capital Federal. Um pouco antes do anoitecer desembarcamos na Rodoferroviária. O motorista estranhou nossa parada prematura, afinal teríamos de comprar outro bilhete até Goiânia e faltava tão pouco. Aleguei que iríamos visitar um parente na cidade e no dia seguinte retornaríamos à viagem.
_ Ok! Os senhores que sabem. Cuidado com esse menino – recomendou.
No Núcleo Bandeirantes repousamos. Depois de duas noites em acentos apertados, dormimos profundamente, sem comermos nada. Laura colocou o corpo ao lado da cama no chão. Nesta noite o menino me deixou em paz.
Acordei com o barulho do chuveiro. Laura lavou o corpo, vestindo-o com roupas pretas, fúnebres, como exigia o momento. Ela também tinha trocado de roupa. O banho me fez um enorme bem. Minhas rugas foram flagradas no espelho – eu envelhecera nestes dias. A fraqueza, acrescida de fome e dor, nos atingira. Devoramos o café com apetite. Laura mal me olhou, era um murro, eu não podia tirar sua razão.
Retornamos ao quarto, ela falou:
_ O menino tá cheirando!
Fui até a cama, já sentia-se o mau cheiro.
_ Coloque perfume, pra disfarçar – sugeri.
Ela colocou desodorante, o que amenizou um pouco. Mas era por pouco tempo, precisávamos enterra-lo naquele dia.
_ Vamos até o cemitério distrital, lá daremos um jeito.
Arranjei na portaria uma caixa de papelão, onde depositei o corpo. O recepcionista não se deu conta que faltou o neném. Deixamos a pousada com um cadáver em plena decomposição, que, embalado numa caixa de extrato de tomate, cruzou a Esplanada dos Ministérios.
Chegamos no cemitério distrital, em Guará I. Fomos recebidos pelo responsável pelos terrenos.
_ E como vão querer? – perguntou-me.
_ Coisa simples... – respondi.
_ Sei. E de quem é o corpo?
_ Meu filho...
_ Idade? – sempre cortando.
_ Dois meses...
_ Novinho, hem!
_ É!
Preencheu uma ficha como nos dados pessoais e nos indicou o local, nos fundos, junto dos que não podiam pagar.
_ E pra quando é o féretro?
_ Pra agora.
_ Cadê o corpo?
Apontei para a caixa.
_ Ali dentro! Virgem Maria...
_ Morreu no ônibus – expliquei.
_ É?
_ É...
_ Bom, eu devia chamar a polícia e denunciar vocês. Isso é ocultação de cadáver, sabiam? Dá uma cana...
Eu não tinha pensado que a polícia devia ter sido comunicada, para que fosse expedido o atestado de óbito. Era totalmente leigo. Tentei argumentar.
_ Mas eu não sei disso...
_ Há! Mas a polícia não quer saber...Crime é crime. Que garante que ele não foi morto...
Laura falou pela primeira vez:
_ O senhor endoidou! Tá achando que eu matei o inocente?
O cabra ficou sério. Me olhou espantado, supresso com a atitude de minha esposa. A bem da verdade o sujeito estava tentando nos amedrontar e tirar proveito da situação, e Laura percebeu. Eu procurei acalmá-la, afinal precisávamos do safado.
_ Calma! Não foi a intenção dele nos ofender. Foi só um modo de dizer... Não foi?
_ É, sim senhora! – confirmou rapidamente.
Laura não tirou o olhou raivoso do gerente. Com toda a certeza sua imprudência arranjou uma inimiga mortal para várias encarnações.
Desconcertado ele retomou:
_ Então, vai enterrar ou não vai?
_ Sim, claro que vamos - retorqui.
_ Certo. O terreno é esse aqui – apontando para o mapa - já está com a cova pronta.
_ Pode ser. Então vamos enterrar o menino...
_ Claro. Apenas precisamos fazer o recibo.
_ Recibo?
_ Sim senhor. Temos uma pequena taxa destinada aos custos de manutenção, ao coveiro, às velas e o caixão; vejo que não compraram o caixão. Não vão querer que seu filho seja enterrado nessa caixa de papel, vão?
Não, não iríamos. Pelo menos um enterro decente nosso filho merecia.
_ Bem, são quatrocentos; em dinheiro.
Quando protestei do preço, lembrando-o de que todo o cemitério deveria destinar dez por cento da área para os pobres, o espertinho nos deixou claro que isso valia para os moradores da cidade, que já eram muitos. Como éramos de fora, tínhamos de pagar. Achava que aquele preço era pouco, “levando-se em conta que ninguém, nem a polícia, ficaria sabendo à maneira como tudo acontecera. Uma pechincha!”
_ E então, faço o recibo?
Laura agarrou a caixa, me tomou pelo braço e saímos. Tínhamos seiscentos reais e quase mil quilômetros pela frente, o que tornava impossível o pagamento daquele absurdo.
Voltamos para rua, carregando a caixa. Laura sentou-se embaixo de uma árvore e baixou a cabeça desanimada; desânimo que tomara conta de mim também.
_ O que vamos fazer? – perguntou-me.
_ Não sei...
_ Como não sabe? Na hora de ir embora do Recife tu sabia tudo. Olha no que deu?
O meu remorso aumentou ainda mais . Eu só quisera uma vida melhor para ela e o pequeno.
_ Te parece que estamos melhor?
Não, não estava-mos melhor. A situação era deseperadora e nosso filho não teria futuro algum. Toda sua conquista se resumia à uma caixa de tomate.
Tomei uma decisão:
_ Vamos para Cuiabá!
_ E o corpo?
_ A gente coloca na bagagem. Ninguém vai perceber.
_ Vai cheirar...
_ Vai não. É uma noite de viagem só.
_ Vai cheirar....
_ Não vai! Vamos.
Obedientemente ela se levantou e me seguiu. Retornamos para a Rodoferroviária, onde consegui mais uma caixa e embalamos melhor o corpo; lacrei com fita adesiva, como se faria com uma bagagem comum.
Coloquei a caixa bem na frente do bagageiro, para retirá-la depressa logo que chegássemos. Uma etiqueta com o número 80359 foi colocada no pacote. O motorista estendeu o canhoto para mim.
_ Não perca esta etiqueta – advertiu-me.
Subimos, eram treze horas.
Laura voltara à mesma postura anterior. Parecia conformada, não demostrou sentimento algum. Distingui algumas vezes certa raiva em seus olhos. Não sei se da vida ou da situação em si.
Goiânia, a capital mais bonita do Brasil, naquela noite me pareceu horrível. Jantamos curau e pamonha, iguarias típicas, deliciosas, mas que estavam sem gosto algum. Laura comeu bastante, indiferente; ao passo que eu mal engoli. Voltamos para o ônibus. Teríamos uma noite toda até Cuiabá. Tentei dormir.
Fui acordado às três horas pelo motorista reclamando do mau cheiro de minha bagagem. Pediu que o acompanhasse até o bagageiro.
_ Ei, a caixa é do senhor?
_ Sim, é...
_ E o que tem dentro dela?
Fiquei sem ação. Minha cabeça esvaziara, eu não consegui pensar em nada.
_ O que tem na caixa, senhor? – tornou a perguntar.
_ Carne! – falei a primeira coisa que me veio.
_ Carne?
_ É, um pedaço de cação que estou levando para um parente meu em Cuiabá.
_ Não pode! É proibido transporte este tipo de comida em viagem. Já tem passageiro reclamando. Agora a pouco teve uma que soltou os cachorros na gente. Vai ter que deixar a caixa. Os passageiros não agüentam mais.
_ O senhor não pode fazer isso! Eu não vou deixar...
_ Eu não posso é deixar essa porcaria fedendo...
E agarrou a caixa, atirando-a sobre um banco de praça.
_ Não! – Gritei.
Meu grito despertou Laura, que desceu para junto de nós.
_ O que foi?
_ O motorista não que mais levar a caixa. O peixe fede demais...
_ O quê? – indignada.
O motorista retornou par ao volante e aguardava nossa decisão. Laura sentou-se ao lado caixa e me olhou com tal ódio que transpôs sua retina, me arrepiando todo. Naquele momento tudo acabara entre nós. Passamos do amor ao desprezo completo. Toda a humilhação, dor, hipocrisia... tudo exposto num único olhar.
Sem uma lágrima ela voltou para o seu assento. Foi uma atitude extrema, mas não dava pra levar a caixa. Subi também. Abandonei meu filho naquela praça em Barra do Garças. Ainda me voltei para trás uma vez e o vi sumindo, sumindo, sumindo... na noite escura.
Chegamos em Cuiabá com o sol à pino. Calor insuportável, como sempre. Laura desceu depressa, me puxou para um canto:
_ Me dá metade do dinheiro...
_ Pra quê?
_ Eu vou ficar aqui. Ande, dê logo! – Antes que eu pudesse protestar ela pegou minha carteira e sacou trezentos reais.
Com a mesma fúria pegou suas cousas e saiu. Quando esbocei um gesto para segui-la, virou-se e disse-me:
_ Fique longe de mim!
Eu fiquei.
Nunca mais à vi. Segui para Porto Alegre, onde trabalho com meu tio na peixaria. Suporto o frio e a geada quieto, sem reclamar. O que me incomoda é quando apodrece peixe, pois o cheiro me leva de volta para Barra do Garças.
De minha família só sobrou o canhoto da etiqueta número 80359.


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