CONSTRUIR O INIMIGO
João Ferreira Jan Muá
12 de março de 2024
“Construir o inimigo e outros escritos ocasionais” (Costruire il nemico e altri scritti occasionali) é um livro do escritor italiano Umberto Eco publicado em 2011, agora traduzido para a língua portuguesa por Eliana Aguiar, e editado pela Editora Record, Rio de Janeiro, 2021. Comprei um exemplar, hoje, dia 12 de março e 2024, na Livraria da Editora da Universidade de Brasília, junto ao Banco do Brasil, no Campus da Universidade.
Trouxe o exemplar para casa e comecei a ler, consciente de que tenho muito a aprender insistindo na leitura do que não conheço ainda.
“Construir o inimigo” é apenas um capítulo do livro e ocupa as páginas 11-31. Umberto Eco começa por contar a história de um taxista paquistanês que conheceu em Nova Iorque o qual lhe perguntou quem eram os inimigos ou os adversários históricos de seu país, a Itália. Eco respondeu que seu país não tinha inimigos. Mas o taxista não ficou satisfeito e se perguntava “como é possível que exista um povo que não tem inimigos”. Eco, depois que saiu do táxi, repensou a pergunta que lhe fora feita e admitindo, embora, que a Itália não tinha inimigos externos, analisando mais detalhadamente a história italiana, reconheceu que seu país em sua vida interna, teve sempre a guerra como pano de fundo: Pisa contra Lucca, guelfos contra gibelinos, nortistas contra sulistas, fascistas contra partigiani, máfia contra o Estado, governo contra a magistratura, etc. Pensando melhor sobre a pergunta do taxista, Eco terminou por concluir que “uma das desgraças de seu país nos últimos sessenta anos era justamente “o fato de não ter inimigos”! Na verdade, observou, “ter um inimigo é importante não somente para definir nossa identidade mas também para encontrar o obstáculo para medir nosso sistema de valores e mostrar, no confronto, o nosso próprio valor”. Portanto, diz, quando o inimigo não existe, é preciso construí-lo.”
Eco ilustra seu texto com exemplos históricos tirados da cultura clássica greco-latina. Entre os exemplos apresentados, estão as Catilinárias de Cícero nas quais o grande escritor romano constrói a imagem do inimigo ao acentuar a perversidade moral de Catilina.
A tese “Construir o inimigo” defendida neste livro é profunda e complexa, mas verdadeira. Há que buscar suas raízes e seus tentáculos para compreendê-la melhor. Há muitos inimigos que a sociedade constrói indiretamente por descurar a pureza, a honestidade, a sinceridade e a verdade que pregou. Há muitas democracias corroídas que “construíram inimigos” porque pregaram uma coisa e fizeram outra, contribuindo para o surgimento de extremismos de direita e de esquerda. Há muitas hipocrisias que geraram revoltas, as quais por sua vez, como consequência, “construíram inimigos”, enfim. A dinâmica de “construir o inimigo” existe tanto na sociedade doméstica, como na sociedade civil em geral, como na política, nos indivíduos e nas instituições. Muitas perdas e muitos fracassos se explicam pela não correspondência aos ideais anunciados com grande solenidade e pompa. Um complexo negativismo que tem como consequência gerar atitudes de oposição, que ajudam a “construir o inimigo”.
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