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Artigos-->GESTÃO DOS POEMAS COLETIVOS -- 19/02/2024 - 17:53 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A GESTAÇÃO DOS POEMAS COLETIVOS

 

L. C. Vinholes

19.02.2024

 

As ideias que resultaram na elaboração dos parâmetros que possibilitaram criar os poemas-coletivos tiveram início em dezembro de 1965, com a confecção dos dois primeiros poemas-painel: o poema-painel boca e o poema-painel olho surgiram aleatoriamente colando, sobre uma superfície de um metro quadrado, recortes de olhos e bocas encontrados em revistas, jornais e folhetos de propaganda de produtos diversos.

                                                                                                    

            Registre-se que o poema-painel, resultante de colagem como estas das bocas e olhos, é, em si mesmo, um poema com linguagem própria, merecendo adequada silenciosa leitura por parte dos seus apreciadores. Registre-se, também, que, muito cedo, acreditei que os poemas-painel, mais do que poemas visuais, visíveis, poderiam ser, ao mesmo tempo, a fonte de poemas-coletivos.

 

No centro do poema-painel boca afixei a foto de um prato vazio, distribuindo as bocas ao seu redor; no centro do poema-painel olhos colei a letra maiúscula do pronome pessoal da primeira pessoa do singular em inglês I que se lê ai = eu em português que, em inglês, tem a mesma pronuncia usada para olho = eye = ai. Registre-se que a letra i, minúscula ou maiúscula é, também, a inicial de “individuo”.

 

No final de 1965, como membro vitalício do Grupo TAO[i], fui convidado a participar da sua exposição anual e tendo aceito o convite, resolvi apresentar os dois poemas-painel, recém-criados.

 

O visitante  como co-autor do poema-coletivo

 

Para tornar a presença dos visitantes um evento ativo e não apenas de apreciação do que estava exposto, como é o caso da quase totalidade das exposições, resolvi solicitar aos que se voluntariassem que dessem um título a cada um dos paineis e que neles figurasse, respectivamente, as palavras boca e olho. Os títulos dados seriam registrados em pedaços de papel separados, logo depositados em uma urna.

 

Terminado o dia de inauguração da mostra, uma urna foi aberta, os títulos que seguiram a recomendação dada foram separados em dois grupos e, ato contínuo, registrados em linhas horizontais em uma folha de cartolina para o grupo 01 e outra para o grupo 02, escritos de maneira que as palavras boca e olho ficassem em linha vertical, uma embaixo da outra, nas suas respectivas folhas. O resultado alcançado foi o de dois poemas-coletivos de formato semelhante ao acróstico mesóstico[ii], os dois primeiros poemas-coletivos: poema-coletivo boca e poema-coletivo olho, que, com seus respectivos poemas-painel, acompanhados de um texto de introdução, de 21 a 29 de janeiro de 1966, foram exibidos na Gendai Garo (Galeria Contemporânea) de Osaka. Posteriormente, os poemas-painel e os dois poemas-coletivos, que foram exibidos pelo Grupo TAO, foram publicados às páginas 16, 17 e 18, da Revista Associação para Estudos das Artes (ASA) Nº 2, de 01.07.1966, dirigida pelo poeta Seiichi Niikuni (1925-1977).

 

  

poemas-painel ladeados pelos poemas-coletivos boca e olho

 

Parâmetros para criar um poema-coletivo

 

Para criar um poema-coletivo, valendo-se de um poema-painel, é mister seguir as seguintes instruções: a) contar com a colaboração dos apreciadores do poema-painel; b) os apreciadores devem levar em consideração os elementos que estão presente no poema-painel; c) os apreciadores devem dar um título ao poema-painel usando a palavra-chave  que identifique o que está presente no poema-painel; d) os apreciadores devem registre seus títulos em folhas de papel separadas; e) as folhas de papel com os títulos dados pelos apreciadores devem ser recolhidas em uma caixa-urna; f) o momento da abertura da urna será estabelecido pelos que criarem o poema-painel e ou pelos participantes do evento no qual o poema-painel será apreciado; f) a quantidade de títulos a serem usados na construção dos poemas-coletivos fica a critério dos participantes; g) os títulos escolhidos, um a um, serão retirados da urna e, um a um, serão lidos e escritos em linhas horizontais de maneira que a palavra-chave, que está nos títulos, fique sempre abaixo da homônima do título anterior; h) o título lido e escrito no texto do poema-coletivo em processo de criação passa a ser um verso do poema-coletivo[iii]; i) não participarão do processo de construção do poema-coletivo os títulos que não atenderam as instruções dadas ou por outra justificativa que, de comum acordo, venha a ser estabelecida.

 

 

EVENTOS COM POEMAS-COLETIVOS

 

 

Palestra em Pietra Ligure

 

No Festival Viva Língua - Noites de Autores com Textos Originais, realizado em Pietra Ligure, em julho de 1997, embora sem contar com um poema-painel, tive oportunidade de falar sobre a poesia concreta no Brasil e no Japão e, aproveitando a ocasião, introduzir os conceitos que justificam a criação de poemas-coletivos, tomando como exemplo a experiência exitosa de 1966, em Osaka, Japão.

 

 

 

Certificado de Mérito de 27.07.1997.

Assinado pelo prefeito Giacomo Accama

 

 

Exposição no Instituto de Letras e Artes da UFPel

 

Auditório do Instituto de Letras e Artes da UFPel

 

Promovida pela Discoteca e o Laboratório de Etnomusicologia do então Instituto de Letras e Artes[iv] da UFPel, realizou-se, em 18 de abril de 2001, reunião promovida por Mario de Souza Maia[v], professor da Cadeira do Curso de Licenciatura em Música do então Instituto de Letras e Arte, o ILA, durante a qual foram testadas duas experiências: a montagem de uma instalação[vi] com pedras aleatoriamente catadas pelos participantes, trazidas para o auditório e nele colocadas em lugares por eles elegidos; e a construção de um poema-painel e de um poema-coletivo apenas com olhos, em ambos os casos, sem construir um painel, mas apelando para a imaginação do público. Mais uma vez, vali-me da experiência de 1966 quando, pela primeira vez, apresentei na Gendai Garo, de Osaka, a novidade de criação de poemas-coletivos. A pluralidade dos interesses e das habilidades do corpo docente dos cursos do Centro de Artes da universidade, refletiu-se claramente no ambiente em que se desenvolveu o trabalho de criação do poema-coletivo que, pouco a pouco, surgia no quadro-negro com a soma dos títulos sugeridos. A meu ver, na ocasião, o questionamento mais assertivo foi em torno da ideia de construir uma instalação com pedras trazidas pelos participantes-visitantes, experiência nova, vivida com curiosidade, que ficou para ser objeto de diálogo em outra oportunidade.

 

Poema-coletivo no MALG

 

Por ocasião da exposição Constelações e Fronteiras Dissipadas, promovida pelo Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo, da UFPel, inaugurada em 7 de novembro de 2018 e aberta à visitação pública até 3 de fevereiro de 2019, além de repetir a experiência de criar uma instalação com pedras trazidas pelos visitantes, foi também novamente experimentado o exercício de construção de poemas-coletivos com bocas e olhos.

 

     

Instalação de pedras (Foto Daniel Moura)

 

A participação do público na criação da instalação com pedras superou a todas as expectativas, haja vista que, em toda a parte, poderiam ser vistas pedras brutas de todos os tamanhos e formas dividindo espaço com poesias ou publicações exibidas.

 

A exposição teve a curadoria dos professores José Luiz de Pellegrin e Mari Lucie Loureto, também vice-diretora do MALG, e comemorou a inauguração de duas novas salas do museu: a Galeria Marina Pires e a Luciana Araújo Renk Reis.

 

    

Urnas ladeadas pelos poemas-painel boca e olho

(Fotos Daniel Moura)

 

 

Exposição em Mantova e doação dos poemas-painel

 

Os dois poemas-painel exibidos em Osaka, divididos em quatro partes iguais, foram exibidos de 14 de julho a 30 de agosto de 1998, na exposição no Palácio Municipal da Região de Mantova, Itália, na mostra coletiva intitulada “1987-1997, do “Lance de Dado à Poesia Visual”, comemorando o centenário de nascimento de Stéphane Mallarmé (1842-1898), sendo reproduzidos no robusto catálogo em dois volumes. Em meados de 1999, os dois poemas-painel foram por mim doados ao industrial Enrico Mascelloni, “grande colecionador de poesia visual” que fora, com o poeta Sarenco, o curador e patrocinador da exposição. Embora não seja assunto substantivo, registro que, segundo consta, Mascelloni construiu seu império e a coleção graças às patentes que a ele reservaram o direito de fabricar e negociar, na Itália, todo e qualquer tipo de botões para fardas de instituições militares ou privadas.

 

Poema-painel na mostra de Mantova

 

 

Festival da Palavra em Veneza. Giochi Alfabetici e Arquipelago

 

De 26 de junho a de julho de 1997, realizou-se em Veneza o Festival da Palavra -  Festival Internacional de Poesia Contemporânea, organizado e com curadoria do poeta Nani Belastrini[vii] (1935-2019), pelo qual fui convidado a dividir a noite de inauguração com Umberto Eco (1932-2016), noite da apresentação de dois trabalhos: a curiosa e singular criação Giochi Alfabetici, um dos jogos alfabéticos do romancista, poeta, filósofo, crítico cultural e comentarista político e social italiano, e Arquipélago, meu “trabalho” para ser desenvolvido com a participação do público, dando continuidade e ampliando ao pretendido em Osaka (1967).

 

Helena Maria Ferreira, Nani Belastrini, Umberto Eco e Vinholes

(Foto Haroldo de Campos)

 

Em Veneza foi distribuído para o público o catálogo no qual os convidados do festival tinham direito a uma página para uma foto, dados pessoais e um texto sobre o trabalho que pretendiam apresentar. Ofereci material para os dois primeiros itens, ocupando a metade superior da página, e decidi que a metade inferior seria uma área em branco tendo, propositadamente, apenas um ponto ( . ) no lado direito inferior. A metade em branco da página ficou reservada para o público nela escrever o título que daria ao poema-painel imaginário, com bocas.

 

   

Catálogo da exposição em Veneza e página dedicada a Vinholes

 

No momento oportuno, depois de longo diálogo com os presentes, recolhi uma dezena de catálogos com os títulos e com eles escrevi no quadro negro o poema-coletivo resultante. Terminada a experiência, devolvi os dez catálogos aos seus donos, apaguei o que escrevera e, para o público, justifiquei o porquê do título Arquipélago: cada catálogo nas mãos do público representava uma ilha em um arquipélago, ocupando o mar de pessoas presentes no auditório. No Festival de Veneza estiveram presentes, entre outros, Haroldo de Campos, Frederike Mayröcker, Biagio Cepollaro, Andréa Zanzotto e os venezianos Gino Pastega, Ugo Stefanutti e Jacopo Terenzio.

 

No final do evento, à guisa de despedida, ponderei para o público que, com o retorno dos portadores dos catálogos  às suas origens, suas casas, países e obrigações, os catálogos que utilizei, pouco a pouco, se distanciariam uns dos outros; ocupariam espaços em lugares determinados, mas para nós desconhecidos; criariam linhas imaginárias entre um e outro, desenhando formas geométricas que, por razões as mais diversas, se metamorfoseariam à medida em que o tempo passasse e as circunstâncias mudassem; inexoravelmente tudo tenderia a desaparecer quando as páginas dos catálogos desaparecessem; e seu término de existência nunca seria por nós conhecido.

 

Com relação a este último parágrafo, tomo a liberdade de recomendar a leitura do artigo “A análise de Valério Fiel da Costa, para os poemas coletivos de L. C. Vinholes”, desde 18 de janeiro de 2024, disponível no site www.usinadeletras.com.br>. Valério é docente do Departamento de Música e do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal da Paraíba, e do seu artigo, a seguir, reproduzir alguns trechos.

 

Com relação ao fato dos catálogos desaparecerem, Valério lembra a entrevista que lhe concedi, em julho de 2005, quando esteve em minha casa em Brasília:

 

“Tal evento poderia ser visto como um caso simples de composição efêmera e coletiva tipo happening, em que os objetos são consumidos, no processo deixando de existir. Entretanto o compositor, ao invés disso, propôs que se refletisse sobre o que aconteceria com aqueles catálogos dali em diante, sugerindo que a obra entrara num novo regime de desenvolvimento espaço-temporal impossível de ser mapeado”.

 

E o músico paraibano continua:

 

“Esses catálogos estão indo embora e o espaço ocupado pelo trabalho feito se dilata. Esses catálogos vão durar até quando? Alguns vão ser destruídos, outros vão ser queimados... vai ser minimizado o tamanho do trabalho feito. Nisso aí existe autoria, nisso aí existe coisa feita, nisso aí existe espaço para a coisa feita, mas ninguém tem ideia do que é, onde está e por quanto tempo”.

 

 “Os catálogos entraram num regime de dispersão sem retorno, fazendo com que aquilo que havia sido construído enquanto obra em um determinado momento, não parasse de desenvolver-se, de adquirir novas formas, de perder elementos em função do desgaste do tempo e demais agentes externos”.

 

42ª Feira do Livro de Pelotas

 

De 31.10 a 16.11 de 2014, realizou-se a 42ª Feira do Livro de Pelotas da qual fui honrosamente escolhido como patrono, quando tive a oportunidade de ver construído um poema-coletivo com a participação de um significativo número de pessoas que visitavam à referida feira e, convidadas, se deslocara para o Salão Nobre da Biblioteca Pública de Pelotas.

 

No Salão Nobre do segundo andar, contando com a coordenação do ativo Giorgio Ronna, hoje diretor presidente do Theatro Sete de Abril de Pelotas, foi a segunda vez que experimentei construir um poema-coletivo sem exibir um poema-painel com alguma palavra-chave. Pedindo ao público que imaginasse a sugestão de um painel virtual com muitos olhos e um I = ai maiúsculo, tive a surpresa de ouvir uma observação-sugestão – que aceitei -, de uma jovem que disse preferir que fosse usada a palavra olho no plural, uma vez que do poema-painel imaginado figuravam muitos olhos. O resultado foi excelente inclusive tendo um dos versos onde nossos, pronome possessivo da terceira pessoa do plural, foi dividido em nos e sos, fazendo lembrar nós e sós ou, ainda SOS.

 

                                         os olhos nos sos

                                              olhos de todos nós

                                     todos olhos nos vêm

                                 mapa d´olhos

                                     meus olhos

                                               olhos enigmáticos

                                               olhos de Sartre

                                               olhos profundos

                                   outros olhos

                                               olhos dos quinze anos

 

 

 

Superação de dualismos. O jardim de palavras

 

À história das experiências feitas com os poemas-painel e os poemas-coletivos, quando dualismos tradicionais são superados, deixando de existir os binômios escrito-poeta verso leitor-público, deve ser acrescida as experiências do jardim de palavras, do poema-sol e do poema-espiral[viii].

 

O Jardim de palavras foi concebido em 1962 para fazer parte do projeto Palácio Internacional dos Congressos que o arquiteto Wilson Reis Neto projetou a pedido do governador da Província de Kanagawa, para ser construído na Praia de Shirahama, às margens do Lago Ashi, no Japão. Pesquisando valores semânticos de palavras do português e do japonês, não me foi difícil encontrar aquelas que tinham afinidades sonoras, mas divergência no que diz respeito às suas semânticas. Nele foram utilizadas as palavras ninguém(n) = ausência de alguém versus pessoa-ser humano; ai = expressão de dor versus amor; e nada = ausência de qualquer coisa versus tudo, origem de tudo. As palavras ninguém(n) e ai previam construção de alvenaria e serviriam de grandes banco no intervalos dos quais areia criaria local para crianças brincarem; ao passo que a palavra nada seria na forma de tijoleta, para revestimento de toda a área ocupada. Este jardim previa a presença de público ocupando o espaço para que se completasse e se concretizasse a ideia que o concebeu. Enriquecido por fotos, o histórico e demais dados deste projeto constam do catálogo distribuído pelo governo da referida província.

A revista Japan Pass-Present-Future, Vol. IX, nº 5, p. 51, em Tokyo, publicou número especial de maio de 1963, com texto, fotos da maquete do projeto e croqui perspectivo do Jardim de palavras pelo arquiteto paulista Manuel Kosciuszko; e em outubro de 1982, foi publicado no catálogo comemorativo aos 25 anos da fundação do Grupo TAO.

 

O poema-escultura sol previa 12 vezes a construção de alvenaria, com três metros de altura, das duas primeiras letras, s (esse) e o (ó), que ficariam dispostas perpendicularmente à uma única letra l (ele) construída no centro de um círculo virtual. Estas letras, repetindo doze vezes a palavra sol, seriam, ao

 

 

mesmo tempo referência às 12 horas do dia e da noite, aos 12 meses do ano, aos 12 signos do zodíaco e aos 12 apóstolos do cristianismo. As bases das letras s e o serviriam de bancos para o público.

 

 

Poema-espiral, parceria de Kiyo Niikuni e Vinholes

 

 

    

Poema-espiral na Galeria Cristal de Tokyo e no MALG de Pelotas (1967 e  2018)

 

O poema-espiral, também conhecido por poema-escultura, foi criado em maio de 1966[ix], de parceria com a artista plástica Kiyo Niikuni[x], esposa do poeta Seiichi Niikuni (1925-1977), e foi exibida na Galeria Cristal, de Tokyo, de 23 a 28.05.1967.  Kiyo responsabilizou-se pela construção de uma espiral de cerca de dois metros de altura e eu pela seleção de palavras das manchetes do noticiário da imprensa. As palavras escolhidas devem ter tamanho de tipo que facilite a leitura e são aleatoriamente coladas em ambas as faces dos triângulos e quadrados, sem que seja feita escolha do que nelas esteja escrito.

 

O material do poema-espiral é formado por uma parte fixa, a espiral, e por uma parte móvel, os cartões: sessenta triângulos e setenta retângulos ([xi]) que ficam à disposição do público em um móvel auxiliar. A espiral com seu ápice fixado no teto de uma sala, tem sua base apoiada no solo onde a espiral é montada e os catões, partes móveis, se espalham, aleatoriamente, ao redor da área junto à base.

 

A parte material é fruto de trabalho de parceria, mas o poema-espiral só se realiza em plenitude quando passa a contar com a participação do público que, curioso, resolve explorar o que está escrito nas duas faces das partes móveis. Cada pessoa do público pode escolher entre pegar um cartão que esteja na base da espiral ou sobre o móvel auxiliar. Em ambos os casos, depois de examinar o que está escrito no cartão, o visitante o joga na base da espiral.

 

As palavras escolhidas, substantivos que, na sua simplicidade semântica, gozam de liberdade e não carregam o peso da valorização adjetiva, nem do compromisso de ação verbal. Substantivos que talvez nos permitam conceber o quadro imaginário do que vemos, selecionando e olhando o que nos dizem as palavras.

 

As palavras que tenham causado mais impacto social, escolhidas para figurarem em uma das faces dos cartões, são tiradas das notícias dos jornais da época e refletem as duas faces de uma realidade que a sociedade tenha enfrentado no seu dia a dia. Nas experiências na Galeria Cristal (1967) e no MALG (2018), diferença de meio século, verificou-se que muitas palavras figuraram nas duas ocasiões. Exemplificando: ditadura, golpe, guerra, polícia, menor, natal, vida, paz, inundação, sorte, loteria, aniversário, saidão, droga, prisão, cativeiro, formatura, aniversário, programa, feira, emprego, identidade, alegria, bloco etc.

 

Desnecessário é dizer que a experiência individual de cada um, que completa a parte imaterial do poema, começa no primeiro momento da aproximação, da diminuição das distâncias com a escultura, da escolha dos triângulos e retângulos a serem explorados e do satisfazer da curiosidade. A multiplicação deste processo amplia a forma única que o poema-escultura ganha para cada apreciador a cada momento e que, no início, fora apenas uma espiral e alguns triângulos e retângulos à sua frente. Esta forma única e sempre diversa existe e permanece o tanto que perdurar na memória de cada um a forma única que criou.

 

 

 

[i] TAO, grupo criado por Kenzo Tanaka, em 1956, reunindo artistas e artesões, trabalhando em conjunto, tentando encontrar ideias comuns, interesses comuns e, como diz a expressão matemática, um denominador comum para si próprios, a fim de alcançarem objetivos comuns.

[ii] Acróstico-mesóstico é um poema ou texto cruzado por uma linha ou bloco vertical

[iii] O poema-coletivo, depois de escrito, poderá, atendendo ao interesse do seu leitor, ter modificada a ordem dos seus versos, deixando de ser poema-coletivo.

[iv] O ILA foi Instituto de Artes e Desenho em 2007 e a partir de 2012 é Cetro de Artes.

[v] Mario de Souza Maia, ex-coordenador da Discoteca da UFPel e autor da dissertação Serialismo, Tempo-Espaço e Aleatoriedade – A obra do compositor Luiz Carlos Lessa Vinholes (1999).

[vi] Instalação, manifestação artística contemporânea de elementos organizados em um ambiente, de caráter efêmero que pode ser desmontada e recriada em outro local.

[vii]  Nani Belastrini poeta membro do influente movimento literário de vanguarda italiana Gruppo 63, juntamente com Umberto Eco.

[viii] “Espiral é uma curva plana que dá voltas em torno de um ponto e que, em cada uma dessas voltas, se afasta cada vez mais desse ponto, o polo”. “Os astecas achavam que certas flores que tinham em seu centro espirais, eram a alegria do mundo”. “Os orientais falam da kundalini, do fluxo de uma energia em espiral, dos redemoinhos energéticos que perambulam nossos corpos”

[ix] O primeiro poema-escultura foi exibido na mostra dos poetas do grupo Associação para Estudos da Arte (ASA), na Galeria Cristal, de Tokyo, de 23 a 28/05/1967. Foto: S. Nobori.

[x] De Kiyo Niikuni, esposa do poeta Seiichi Niikuni (1925-1977), o MALG possui em seu acervo um quadro de acrílico sobre tela, de março de 1965, presenteado pelo casal a Vinholes, em novembro de 1965. A artista faleceu em 2015.

[xi] Dezenas dos últimos números do ano de criação 1967.

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