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NA ONDA DO CORDEL
Silva Filho
O cordel virtual é desperdício
Sendo pedra preciosa escondida
Pouca gente tem o mapa da jazida
E a arte vai virando estrupício;
Todo vate cumpre bem o seu ofício
Mas não pode trabalhar a tradição
Sem papel, sem varal e sem peão
Sem folhetos espalhados nas calçadas
O Cordel já tem cores desbotadas
O Cordel perdeu o cheiro do sertão.
A Cultura Popular é um tesouro
Muito além dessa tal de Internet
No papel o Cordel pintou o sete
Foi arauto de contexto duradouro;
No sertão, verdadeiro ancoradouro
Abrigando todo o dom da inspiração
Menestrel com viola e com canção
Repentista com diversas emboladas
O Cordel já tem cores desbotadas
O Cordel perdeu o cheiro do sertão.
O caboclo deu valor a essa jóia
Aplaudindo toda rima d’improviso
O sertão foi do verso o paraíso
Muito embora, para muitos, paranóia;
Combatendo a injustiça e tramóia
O Cordel fez um eco qual trovão
E o vaqueiro, exibindo o seu gibão
Sob a rima bem tocou suas boiadas
O Cordel já tem cores desbotadas
O Cordel perdeu o cheiro do sertão.
A cultura traz o próprio camponês
Como sendo do Cordel a sua alma
O campônio resistiu, manteve a calma
Esperando que chegasse a sua vez;
Pelo sol foi queimando a sua tez
Mas guardou a sua grata tradição
Alimento como arroz e o feijão
São os versos mitigando as jornadas
O Cordel já tem cores desbotadas
O Cordel perdeu o cheiro do sertão.
Hoje em dia o artista está distante
Cordelista não conhece o seu leitor
Verso agora é coisa de navegador
Sem um barco, sem um porto a jusante.
Meia dúzia de marujos visitantes
À deriva só cantando algum refrão
Terra à vista, com cordel não rima não
Entre brumas e mil ondas agitadas
O Cordel já tem cores desbotadas
O Cordel perdeu o cheiro do sertão.