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Artigos-->KOELLREUTTER VERSUS VINHOLES -- 21/01/2024 - 15:46 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

KOELLREUTTER VERSUS VINHOLES

 

L. C. Vinholes

20231219

 

Desde que cheguei a São Paulo em fevereiro de 1953 e comecei a trabalhar na Escola Livre de Música da Pró Arte, como aluno e secretário de Koellreutter e como secretário auxiliar na Secretaria da escola, em duas ocasiões meu mestre e eu tivemos divergência de opinião com relação a temas ligados à música, mas sem nunca arranhar nossa reconhecida fraternal relação.

 

Primeiro desentendimento

 

A primeira vez que o embate aconteceu, foi quando, em aula de composição, apresentei a minuta da peça dodecafônica Paisagem Mural (1955), para quarteto de cordas e voz, com poesia de Lilian Schwartzkopff. Esta história não será tratada aqui pois está abordada no décimo quinto parágrafo do artigo Relatos de uma amizade – Relembrando Koellreutter e, desde 5 de fevereiro de 2017, está disponível no site www.usinadeletras.com.br.

 

Segundo desentendimento

 

O segundo desentendimento entre Koellreutter e Vinholes durou muito tempo e, junto com outros assuntos, foi tema de muitos encontros e de parte da correspondência trocada entre as partes. Vejamos:

 

Em papel timbrado com seu nome e endereço, em carta de 5 de outubro de 1984, do Rio de Janeiro, Koellreutter escreve:

 

Meu caro Vinholes:

Finalmente uma carta. Você me prometeu uma para depois do nosso encontro. Não sei – e você não escreve mais a respeito – se, finalmente, esteve no Japão ou não. E não escreve nada sobre suas atividades no Brasil.

 

Magnífico o programa de suas atividades no Canadá. Então “Trapa”? O que quer dizer isso? Trapa é uma cova para capturar feras... Gostaria de saber mais a respeito da palavra e do seu significado simbólico. Pois, introduzi nos cursos de solfejo, exercícios, cujo objetivo é o de conscientizar a vivência do silêncio como meio de expressão musical. É parte do meu curso de estética na PUC.

 

A propósito do silêncio (também eu: “até chegar ao silêncio total...”). Regi a estreia absoluta do meu “Tanka VII” (o último...): ensaio que não tem início nem fim. A música inicia-se “por acaso”, durante o processo de afinação da orquestra, e termina “sendo interrompida” por um sem-número de rádios e gravadores portáteis, que invadem a plateia e o palco (jovens): São Paulo e Santos. Há uma soprano que canta, no final, o poema maravilhoso de “Os homens Ocos” de Eliot.

 

Sua carta chegou no dia em que fiz anos. Obrigado. O Camargo Guarnieri me mandou um elogio (sim) telegrama pelo “70º aniversário”...

 

Para essa data, tomo a liberdade de pedir ao meu amigo Vinholes o seguinte:

  1.  - que se esforce a escrever de tal forma que eu possa decifrar t o d a s  as palavras da carta, e
  2.  - que me mande todos os trabalhos meus que está guardando no seu arquivo.

 

Peço-lhe recomendar-me à sua família e envio-lhe um grandíssimo abraço.

Do amigo de sempre”.

 

Na margem esquerda da carta, com sua tradicional caneta de ponta grossa, Koellreutter acrescentou: “Em Montreal ou Toronto estuda um aluno meu (início de composição), ao qual dei seu endereço: Wilheim”.

 

A Bienal de São Paulo e a Fanfarra de Inauguração

 

Conforme carta de 29 de maio de 1986, Jorge Wilheim, presidente da Fundação Bienal de São Paulo, estava “interessado em incluir a Fanfarra de Inauguração (1951) na primeira faixa do disco de música contemporânea, vinculada às exposições da Bienal Internacional”.

 

Formalizando seu pedido, o presidente da Bienal endereçou-me a carta que tem o seguinte teor:

 

Prezado Senhor Vinholes,

 

A Fundação Bienal pretende editar uma série de discos de música contemporânea, vinculada às exposições da Bienal Internacional.

 

Ocorreu-nos de inserir, na primeira faixa do disco, a “Fanfarra” de inauguração que Koellreutter (de quem também fui aluno) compôs e 1951, especialmente para a inauguração da primeira Bienal.

 

Falamos com ele, mas não guardou a partitura, pois a entregou a Ciccillo Matarazzo estão Presidente da Bienal. Informou-nos, no entanto, que talvez o senhor tivesse uma cópia!

 

Por isso, com muita esperança e expectativa pergunto: teria uma cópia da “Fanfarra” (peça muito curta) e poderia mandá-la a título de empréstimo?

 

Desde já sou grato pela sua atenção e ensejo para enviar-lhe meus votos de estima e consideração.

 

Mui cordialmente,

Jorge Wilheim – Presidente”

 

 

Em 8 de junho de 1986, minha resposta de Ottawa para Koellreutter, reiterava nossa divergência e voltava a propor que o assunto fosse tratado presencialmente, dizendo o que segue:

 

Caro professor Koellreutter:

 

            Desde que em 2 de janeiro deste ano, recebi a sua carta de 20 de dezembro do ano passado, sinto-me em dívida epistolar. Sua carta acompanha-me todos os dias de casa para o trabalho e vice-versa. De vez em quando leio o que nela está escrito e tenho ganas de responder. Depois penso que será melhor tratar do assunto quando estivermos juntos. O Assunto é muito importante e tem vários aspectos a respeito dos quais, aparentemente, estamos com ideias e posições distintas. A devolução das músicas (partituras) e da “Fanfarra” não será uma solução, será um abandono. E isso estou certo de que, nem o senhor e nem eu mesmo, queremos que aconteça.

 

            Hoje o assunto ‘Fanfarra” tem outro capítulo para mim tão válido e tão bonito como os anteriores.

 

            Em anexo, remeto cópia da carta de 29 de maio último que recebi de Jorge Wilheim, Presidente da Fundação Bienal de São Paulo, e da resposta que estou mandando para ele. Igualmente, envio uma cópia da partitura (em manuscrito) da sua “Fanfarra” para que o pedido dele seja atendido, mas com seu pleno conhecimento e por seu intermédio.

 

            No momento, não tenho planos de ir ao Brasil, mas caso isto venha a acontecer, não deixarei de informa-lo.

 

            Desejo-lhe saúde e felicidade pessoais assim como satisfação nas suas atividades profissionais. Um abraço amigo e extensivo à dona Margarida

 

            Do amigo de sempre.

 

A carta de Jorge Wilheim

 

Em atenção ao senhor Wilheim e expondo as condições de empréstimo de cópia da partitura da composição de Koellreutter, no dia 10 de junho, no mesmo estilo de tratamento por ele utilizado, estilo já em desuso no um trabalho no Itamaraty, redigi a seguinte resposta:

 

Prezado Senhor,

 

Acuso recebimento da carta de 29 de março último, pela qual Vossa Senhoria informa a respeito do plano para lançamento de uma série de discos de música contemporânea vinculada às exposições da Bienal Internacional e da intenção de incluir entre estas obras a “Fanfarra” de inauguração que o professor H. J. Koellreutter “compôs em 1951 especialmente para a inauguração da primeira Bienal”.

 

Pela mesma carta Vossa Senhoria manifesta o desejo de ter, por empréstimo, a cópia que tenho da referida “Fanfarra”, a respeito da qual tomou conhecimento através do compositor.

 

É com prazer que, em consideração à informação prestada pelo professor Koellreutter e em atendimento ao pedido formulado por Vossa Senhoria, que encaminho, por intermédio do autor, uma xerox da cópia por mim feita e que tenho em meu poder.

 

Entretanto, peço vênia para observar que a referida “Fanfarra” tem no frontispício do seu original a data de 14 de março de 1949 (conforme reproduz a minha cópia) e consta ter sido “escrita e executada sob a direção do autor para comemorar a inauguração do Museu de Arte Moderna de São Paulo”. Com base nas informações constantes de documentos da época e da imprensa e, inclusive, mediante consulta direta ao professor Koellreutter, Vossa Senhoria poderá facilmente esclarecer este detalhe.

 

Atenciosamente, ...

 

 

Cartas de Vinholes e Koellreutter

 

Em carta de 20 de junho de 1986,  confessei que cada vez escrevo menos pois o silêncio é para mim algo prático, real e vivo no meu cotidiano e não algo sobre o que se filosofa, discute e fala.

 

Com está introdução espero que não me queira mal por não escrever com frequência. A escrita também é uma outra forma de poluição que para mim disturba tanto ou mais do que as partituras que guardam a lembrança das músicas e escritas com tanta frequência e facilidade.

 

Mas mesmo não escrevendo não esqueço nunca aqueles com os quais, por um motivo ou por outro, relacionei-me no passado. E, nome conta muito, especialmente tenho os amigos como o senhor, que são poucos.

 

Grato pelo seu cartão do dia 30 de abril com a bela cerâmica do Boi do Mestra Vitalino e pelo encarta com a notícia das suas novas atividades à frente do recém-criado Centro de Pesquisas sobre a música contemporânea.

 

Acredito sempre que muito poderá ainda ser feito pelo melhoramento da capacitação dos nossos jovens interessados em, seriamente, tratar do assunto Música. Se lembramos o que era o ambiente musical brasileiro na passagem das décadas de 1940 e 1950, chegaremos a fácil conclusão de que vários passos no bom sentido foram dados. A caminhada certamente foi penosa, muitos fizeram sacrifícios de natureza diversa, mais brasileiros, apesar de poucos, são, deveras, gratificantes.

 

Recebi também a sua carta de 5 de outubro de 1984.

 

Fiquei satisfeito ao saber do telegrama que Camargo Guarnieri lhe enviou com “um elogio” pelo seu 70º aniversário. Mas fico sempre pensando que a reconciliação nunca pode substituir e sanar o mal feito pela oposição obstinada de outras décadas. Os homens sérios pensam e agem hoje e não tem nem tempo e nem motivo para gastar energia e considerações com arrependimentos. O passado é história, fica acumulado no dia a dia e rola sobre o futuro.

 

O seu inquérito sobre “Trapa” foi outro tema interessante da sua carta. Toda e qualquer explicação e/ou definição que eu tentar com relação ao que tem sido para mim “trapa” será parcial, insuficiente e desfigurada com relação à realidade. Trapa não é silêncio, não é processo ou fórmula com ele relacionada. É, talvez, aquilo que fica e/ou resulta do silêncio, com o qual nos relacionamos. (Uns de uma maneira, outros de outra). Para mim, não existe “vivência do silêncio” como não existe “vivência do som”. Prefiro ver como “vivência com o silêncio”. E com esta “vivência com” e não “do silêncio” é que resultam as “coisas” que eu batizo, coletivamente de “trapa”. E isto toma conta, cada vez mais, do mundo de hoje e, certamente, do mundo de amanhã” do qual as naves espaciais e os astronautas são já nossos sensores reais. “Trapa” vem de “trapista” ou, ainda, da ordem monástica da Trapa, La Trappe, na França ou Normandia.

 

Em 1664 uma das denominações da Ordem dos Cistercienses, levou a cabo uma reforma dos cânones da mesma e estabeleceu-se em um mosteiro em La Trappe. Tem disciplina austera e silêncio perpétuo (com três exceções: diálogo com os superiores, confissão e canto coral). Em 1892, graças à intervenção de Leão XIII, os trapistas foram reunidos aos Cistercienses sob o novo nome Ordem Reformada dos Cistercienses. Os Trapistas, como tal, não existem mais, fazem parte também do silêncio.

 

Quase no final da sua carta de 5 de outubro de 1984 estão formulados dois pedidos: o primeiro é o que estou tentando entender, caprichando na minha caligrafia. Eu poderia escrever à máquina, mas sinto que nos meus garranchos vai também, além do semântico, um pouco mais do que procuro ser e do que desejo seja sempre descoberto pelos meus amigos. Já que não pinto, escrevo.

 

Lista das partituras

 

O segundo pedido diz “que me mandes todos os trabalhos meus que está guardando no seu arquivo”. Palavras que não acreditei.  Que tenho o meu arquivo ao lado de cartas, fotos e dados biográfico são partituras que recebi de presente seu ainda quando em São Paulo; o original da versão da “Concretion” que publiquei em Tokyo (a qual uma vez quis devolver e o senhor escreveu-me dizendo que podia ficar com ela); anotações que fiz e que resultaram nas apostila dos seus “cursos e conferências na Escola Livre de Música; uma procuração para tratar dos seus interesses em São Paulo por ocasião das suas ausências (está também eu quis devolver e o senhor ofereceu-me como “mais uma lembrança para o seu arquivo”); originais datilografados de alguns artigos para o Diário de São Paulo que me enviou da Europa manuscritos em papel com o pedido de “re-datilografá-los” antes de entregar à Redação daquele jornal; e uma cópia feita por mim da partitura da Fanfara de Inauguração (14.03.49) para o Museu de Arte Moderna de São Paulo (cópia feita ainda em Pelotas antes mesmo deu ir para São Paulo). Das partituras que eu tenho lembro que, há alguns anos, fiz uma lista e mandei para o Senhor.

 

O que está relacionado acima guardo comigo como “mementos” da nossa amizade, dos nossos contatos e do nosso trabalho. Nunca pensei em separar-me nem do todo nem de parte daquilo que prezo e estimo. Será que estamos às vésperas do início de um outro silêncio?

 

É possível que, em futuro não muito mais próximo do que possamos imaginar, eu regresse ao Brasil. A nova orientação do Itamaraty está contemplando o retorno dos funcionários que residem no exterior há mais de quatro anos. Sendo assim, parece que com minhas décadas de ausência do Brasil, sou candidato certo. Darei notícias quando algo acontecer.

 

Não fui mais contatado pelo seu aluno Williams de Toronto ou Montreal. Canadense é assim mesmo.

 

Nosso amigo Kuni continua ativo. Acaba de publicar um interessante livro, em português, sobre as experiências que teve até agora no EE.UU., como professor de dança e como gente. Pensava ir ao Brasil durante este ano.

 

Aqui continuo nas minhas atividades de sempre e sempre às ordens dos bons amigos.

 

Desejo-lhe saúde e felicidade pessoal e envio-lhe um forte abraço com a amizade e estima de sempre.

 

Divergências retomadas

 

Por ocasião do VIII Curso Latino-Americano de Música Contemporânea realizado de 4 a 18 de abril de 1981, em Santiago de Los Caballeros, na República Dominicana, novamente Koellreutter e eu tivemos tempo e oportunidades para, aproveitando momentos de folga, voltar a discutir não só sobre o tema da devolução das partituras de suas obras, mas também sobre o tema silêncio. O cerne da divergência já não era mais tanto sobre a devolução das partituras de obras antigas, mas da validade do conceito de que as obras depois de apresentadas e tendo ganho público e, assim, auto independência, não eram mais submissas a alguém ou a algo que desse ao autor o direito pleno de recolhe-las e destruí-las como pensava Koellreuter.

 

Nos Cursos Latino-Americanos de Música Contemporânea organizados e dirigido pelo historiado José Maria Neves e pelo casal de compositores Coriún Aharonián e Graciela Paraskevaidis, os professores visitantes promoviam palestras /conferências sobre temas por eles mesmos escolhidos. Escolhi para apresentar e discutir com os participantes do curso o tema Silêncio Uma Nova Mercadoria, abordando diversos tipos de silêncio previstos nos dias de hoje: além do silêncio nos diferentes estilos de música no mundo ocidental e oriental, nas sociedades primitivas, o silêncio nas diversas situações do ambiente urbano, a diversidade da legislação que trata de disciplinar os silêncios, etc.

Embora merecesse o interesse de todos, alunos e professores, tais como o compositor mexicano Mario Lavista e a compositora canadense Micheline Coulombe Saint-Marcoux, Koellreutter discordou de o silencio ter sido considerado “mercadoria”. Sempre lastimei que essa minha palestra/conferência não ter sido gravada

Comentarios

Maria do CarmoMaciel Di Primio  - 22/01/2024

Cartas belíssimas!! Lamento que as novas gerações não desenvolvam a arte de escrever.

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