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Textos_Religiosos-->PREPARANDO O REENCARNE -- 25/02/2005 - 12:29 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
WLADIMIR OLIVIER









PREPARANDO
O REENCARNE





GRUPO DO BEM VIVER







Edição da CASA DO MÉDIUM

Rua Cinco de Julho, 1184
Indaiatuba — SP




ÍNDICE


Nota explicativa .......................................
O Grupo do Bem Viver ...................................
1. O choro do bebê ........................................
Explicação ........................................
2. Na primeira infância ...................................
3. A primeira bola e a primeira boneca ....................
4. A presença de Deus .....................................
5. O desânimo .............................................
6. As primeiras lágrimas de amor
I .................................................
II ................................................
7. A primeira lição .......................................
8. A ânsia da perfeição ...................................
9. O vidro de remédio .....................................
10. A vontade de Deus ......................................
11. A provocação ...........................................
12. O conhecimento .........................................
13. O arrependimento nunca é tardio ........................
14. Os maus pensamentos ....................................
15. A ajuda espiritual .....................................
16. A envergadura de Sansão ................................
17. O cadarço ..............................................
18. Pais desavisados .......................................
19. O sono do bebê .........................................
20. Os caprichos humanos ...................................
21. O ânimo pelo trabalho evangélico .......................
22. O dom artístico ........................................
23. O bem do amor ..........................................
24. Dramas do sexo .........................................
25. Traquinagens ...........................................
26. O apedrejamento aos policiais ..........................
27. Quebra-quebra na torcida ...............................
28. O espírito de vingança .................................
Posfácio ...............................................



NOTA EXPLICATIVA


Quando nos aproximamos do amigo para conduzir a turma ao aprendizado da mediunização, era objetivo nosso facilitar o contexto das mensagens, analisando os problemas resultantes de experiências deficitárias do último encarne, quer sob o ponto de vista psicológico, quer sob o prisma educacional.
Apesar de não pretendermos dar à editoração, estruturamos os textos com a configuração de algo publicável, em virtude de haver a perspectiva de se oferecer aos encarnados algum auxílio às reflexões a respeito das repercussões de pregressas condições desfavoráveis, na infância, na adolescência ou, até mesmo, em anteriores passagens pela Terra.
Na esperança de ver agitados os pensamentos, rogamos compreensão para o fato de que não tivemos em mente elaborar teses de alta penetração no campo científico dos estudos psíquicos, já que tínhamos em mira apenas o auxílio aos companheiros em vias de regresso à carne.
Por ser o trabalho de alunos da Escolinha de Evangelização, não se espere algo de precioso e definitivo. Vejam-se nestas produções as tentativas iniciais de trazer aos encarnados o reflexo dos estudos que se procedem no etéreo, para que os recém-chegados tragam, como conhecimento inato, algo além de problemas e tendências distorcidas de reações ao ambiente. Se causam admiração os que precocemente demonstram poderes excepcionais de raciocínio e de habilidade, é porque assimilaram com propriedade os ensinos de suas equipes de preparação para o enfrentamento da vida.
Desejamos que o que se constituiu para nós em treinamento possa servir para apoio à meditação sobre a doutrina espírita, pois só assim é que se entenderão estes escritos.
Fiquemos nas mãos de Deus!

O período compreendido pelas transmissões do grupo se estendeu de 16.9 a 30.10.91, respeitando as transcrições a ordem em que se deram.







O GRUPO DO BEM VIVER





Reunido pelo interesse comum de volver à Terra em missão de auxílio a entidades conveniadas por força de contratos de dívidas comuns, o pessoal desta equipe resolveu que os estudos adquiririam caráter extremamente prático, qual seja, a apreciação das falhas de formação dos indivíduos que a compõem. Desse modo, a primeira exigência é o desnudamento integral da personalidade a ser analisada, para que se possa fornecer o auxílio conveniente.
Tendo experimentado, durante as aulas, realizar as primeiras introspecções, verificou-se que as pessoas não se dispõem de bom grado a facilitar a penetração de suas consciências. Cada qual arranja subterfúgios os mais arrevesados para fugir, de um modo ou de outro, do desvelamento absoluto do aparato de culpas, principalmente por vergonha ou por sofrimento ainda intenso causado pelo arrependimento.
Há aqueles que se expõem de cara, dizendo o que fizeram e como fizeram. Estes, muitas vezes, pensam que dão aos demais a noção exata do que os impede de progredir; quase sempre, contudo, arranham a superfície dos efeitos sem penetrarem as causas. Outros se retraem, mas não se furtam à demonstração do que lhes vai na intimidade, desde que se camuflem em personagens de fictícias histórias que, mais ou menos, vão declarando e informando os atos e os fatos.
Bem viver passa a ser objetivo secundário durante esse abrir de problemas morais, intelectuais, sentimentais, na configuração de disposição através de que se compreende que o indivíduo está muito mais interessado no conhecimento de si mesmo. O ambiente de estudo e de trabalho adquire a feição de laboratório psicanalítico, onde as mazelas parecem assumir contornos de preponderância, a fomentar a dor de quem se arrepende e sente, à flor da pele, o remorso pela prática da malignidade.
É de interesse assinalar que as realizações de caráter positivo só são referidas quando demonstram, elas mesmas, deficiências de caráter que ficaram presas no submundo do medo, que não aflora para a crítica da opinião. A humanidade não gosta de elogiar a si mesma quando realmente tem méritos. Mas a humildade é apanágio dos santos, de modo que, dentre os componentes do grupo, não há um só que se tenha manifestado como bom, honesto e benfeitor para com os semelhantes.
Bem viver será o passo a vir a ser dado em futuro encarne, por isso, os relatos não são exemplificativos daquilo mesmo que temos em vista.
Chamamos a esta apresentação de problemas de primeiro ditado de caráter doutrinal e o fazemos cônscios de que assim seja, apesar de não conter mais do que algumas apreciações relativas aos caracteres que irão desfilar. Acontece que, como dissemos, muito do que passarmos para o papel virá camuflado por toneladas de entulhos de incompreensões, desacertos, desequilíbrios, desajustes, a exigir do leitor aplicação de seus conhecimentos, para percepção da realidade íntima da composição.
Bem que gostaríamos de simplesmente dizer: a arte de bem viver consiste em realizar tais ou quais pontos dos compromissos que se estabelecem antes do encarne. Isto é bom para quem conhece as próprias aspirações e necessidades. Ora, nós iremos dedicar-nos a nós como ponto de aplicação dos princípios evangélicos, de sorte que pretendemos tornar-nos aptos ao auxílio, após adquirirmos a certeza de que não iremos estabelecer conflitos na mente ou no coração dos leitores, ao invés de prodigalizar-lhes efetiva ajuda na correção de suas diretrizes de vida. É preciso jamais esquecer-se de que é fundamental para a equipe tornar a vida mais proveitosa e isso só se consegue se a pessoa trabalhar com satisfação, consciente de que está deveras doando-se integralmente para a consecução do melhor de sua potencialidade.







1

O CHORO DO BEBÊ





Muitas pessoas se esquecem de reportar-se ao dealbar de sua vida, aqueles primeiros contactos com o ar exterior, a influenciar no revigoramento sangüíneo e muscular torácico. Nesse ponto da caminhada, embora muito se tenha passado desde a concepção, pode-se dizer que o ser está sob o embalo dos carinhos maternais. É o primeiro chupar de seio, a primeira defecação, a primeira urina. São os primórdios da existência na carne e muitos realizam atos que vão desabrochar em procedimentos não inteiramente normais, sem consciência alguma de que a origem dos males se situa tão distante do atual desempenho.
É incrível quantos são os bebês maltratados por falta completa de cuidados, pelo vezo que o adulto tem de que haja esquecimento. Está claro que os meios de percepção ainda não se mostram em arquitetura de compreensão racional, mas os embates da vida ficam registrados da pior forma, ou seja, como motivo para reação espontânea, sem controle do intelecto.
Há indivíduos que detestam o frio. Se formos analisar a época em que vieram à luz, possivelmente iremos constatar que era inverno. Se o recém-nascido é esquecido no que respeita ao resfriamento de sua temperatura, irá carregar essa sensação desagradável pelo resto da vida, sem saber a que atribuir a instabilidade emocional que se verifica à proximidade do inverno.
Desta mesma maneira, muitas outras ocorrências são passíveis de comprovação. Se é difícil de se tomar do indivíduo adulto e fazê-lo regredir psiquicamente a época tão distante, então que se observem diretamente os nenês em seus primeiros dias, segundo o tratamento que lhes é dispensado.
Claro está que, na quase totalidade dos casos, não há repercussões de caráter moral de grande envergadura, mas, se houver susto no nascimento, grande sofrimento, dor advinda de diferentes fatores, isto pode gerar medo crônico a favorecer procedimento covarde, sem que a pessoa se sinta, em estado normal, diferente de qualquer companheiro. Em momentos de crise, o pavor domina as reações e a pessoa é tida como não merecedora de confiança.
Esse agir e reagir por força de pressões insuspeitadas na primeiríssima fase da vida, assim, pode representar a causa desconhecida de inúmeras reações de caráter espontâneo, como se os indivíduos recebessem desde logo treinamento para condicionar o proceder.

Vamos inquirir dos amigos presentes, quem gostaria de relatar algum caso particular em que se deu o fato examinado.
Eis jovem egressa do mundo dos vivos ainda bem imatura. Diz-nos que viveu até os doze anos de idade, mas que lhe foram suficientes para perceber que tem característica cuja causa pode ser atribuída à primeira fase de sua última encarnação.
Deixemo-la referir-se ao seu caso.


Bem, estando com quinze dias, sofri queda do leito. Durante a vida, não tomei conhecimento do tombo, o que só me foi revelado por indução regressiva de caráter espiritual. Foi aí que descobri que meus desejos de crescimento se atenuaram fortemente. A minha inteligência desenvolveu-se normalmente e meu físico também, mas o impulso do interesse se havia esmaecido, de modo que não tolerei jamais nada que me fosse proposto como problema a ser resolvido. Sempre me pareceu que não iria obter firmeza em minhas deliberações. Fui mal na escola e, ao chegar à puberdade, ainda vestia e desvestia as pobres bonecas, com a meiguice dos seis aninhos.
Impossibilitada para romper o círculo que me manietava as reações, embora não tivesse havido qualquer seqüela material da queda, vi-me tolhida em meu relacionamento com as pessoas, momento em que solicitei e fui atendida quanto ao desejo de voltar ao campo da espiritualidade, para refacção dos compromissos relativamente à necessidade de progresso meu e do meu grupo. Devo dizer que ficou obscura em minha mente a necessidade cármica do sofrimento por que passei e ainda agora passo. Penso que o tombo não foi provocado por razões particulares minhas e, no entanto, foge-me à capacidade de interpretação a queda e o corolário de suas conseqüências.
Antes de deixar o posto da psicografia, quero agradecer ao escrevente e deixar registrado que, apesar de o resultado da escrita parecer até lógico e promissor, foi com muita dificuldade que consegui fazer vazar até a mente do amigo os impulsos mentais. Digo-o para deixar claro que a forma que o texto adquiriu está muito mais para o recebedor do que para o emissor, até mesmo na configuração vocabular. Muito obrigada!


A menina que se apresentou para o relato, realmente, não tem a aparência espiritual de jovenzinha para os seus confrades. Readquiriu perfeita condição de espírito livre, embora possa portar a figura da juvenilidade, se se lhe for exigida qualquer manifestação à visão dos encarnados ou de algum parente ou amigo recém-desencarnado.
Referimo-nos ao fato para não se pensar que a problemática posta em evidência pela irmãzinha esteja em desacordo com sua personalidade. É preciso pensar em termos do etéreo.
Muito bem, o exemplo pareceu-nos oportuno para ilustrar o que acima colocamos. Resta responder à perquirição quanto à necessidade cármica do sofrimento advindo do fato ocorrido na qualidade de bebê, bem ainda no que respeita à solicitação do desprendimento corpóreo antecipado.
No que tange à necessidade do sofrimento, o que se pode inferir sem particularizar é que tudo deverá ter explicação lógica diante da lei de causa e efeito. Se o resultado da queda repercutiu-lhe tão negativamente no aparato psíquico, é porque algo havia que levou a isso. Para reforço da suposição, basta lembrar o fato de que muitas crianças caem e nem por isso desenvolvem reações emocionais de tão grave espectro.
Recomendamos, portanto, que se dedique à avaliação do proveito que se possa extrair do sofrimento que ficou impregnado na mente e na maneira de proceder. Pareceu-nos claro que se trata de algo como que a contrapartida de algum ato falho anterior. A descoberta dessa causa primitiva não se configura como essencial para a superação das reações desajustadas. Basta saber que algo existe para ser curado. O trabalho é de rigor para o efeito da cura. Se estivermos todos de acordo, sugerimos que a irmãzinha eleja como campo de atuação a proteção a algumas crianças em perigo de maus tratos, para que venha a compreender os mecanismos na aplicação da lei.
Se lhe for possível ajuizar das razões por que outros seres estão sendo levados ao sofrimento, certamente haverá momento em que poderá compreender na intimidade o próprio drama, de sorte a se fazer grata ao Senhor pelo carma, na última peregrinação pela carne. Dependerá sua compreensão da aplicação e dedicação ao bem. Faça-o com amor, para mais rápida possibilidade de evolução.
No que se refere ao problema do desligamento antecipado da carne, não acredite que isto tenha ocorrido, a menos que seja por acidente. Não vemos nada que se configure desse modo no relato. Antes, pensamos que tenha havido entrelaçamento de objetivos, de modo que os guias a tenham feito tranqüilizar-se à vista do cumprimento da extensão temporal do encarne. É como se se pedisse algo que estivesse prestes a ser dado, o que a fez acreditar em que tivesse sido atendida. Propomos que a investigação deste outro importante passo de sua existência seja transferida para depois de se ter inteirado das razões do sofrimento cármico.




Explicação



Queremos deixar impresso no espírito do leitor que o conjunto comunicado reflete os estudos realizados anteriormente. Buscamos transferir para os encarnados as conclusões mais gerais e o evento em seus aspectos mais próximos da estrutura em que se deu. Não há como demonstrar os recursos de que dispomos para evidenciar aos estudantes os acontecimentos arquivados e postos à luz mecanicamente ou eletronicamente, conforme a aproximação comparativa que se possa estabelecer. Mas o resumo procurou caracterizar as diversas fases dos trabalhos, enfatizando-se as conclusões como o resultado de longa e frutuosa discussão, cuja reprodução oneraria demais este momento psicográfico, sem proveito para ninguém.
Cumprindo a nossa promessa, vamos deixando bem nítidos os passos e os objetivos das comunicações. Esperamos em Deus que este real primeiro desempenho possa nortear as futuras transmissões. Fiquemos todos na paz do Senhor e saibamos agradecer-lhe sua misericórdia e boa vontade!







2

NA PRIMEIRA INFÂNCIA





Sabemos que as pessoas, em geral, têm recordação de fatos que as envolveram a partir dos três ou quatro anos de idade. Há, entretanto, quem consiga lembrar-se nitidamente de ocorrências excepcionais, embora possa haver interferência relativa à interpretação dos acontecimentos. Assim, pode-se pensar em se ver arremessado ao ar pelo pai, tendo sido o tio o autor da proeza. Desse modo, a memória poderá trair-se pela interferência de outras passagens parecidas ou equivalentes.
Essas recordações podem ser aprazíveis ou extremamente dolorosas, sendo que estas últimas, por constituírem-se em perigo a ser evitado, persistem com mais freqüência.
Vamos relatar fato retirado do mundo das lembranças do escrevente. Bem jovem, foi levado com dor de dente ao dentista. Por inabilidade deste, ao forçar com o boticão, desajeitadamente à visa da rebeldia do petiz, deu com o instrumento no lábio superior, que inchou, causando segunda mágoa e profundo susto. Reconhece o amigo que lhe ficou na memória o transe por que passou.
Perguntemos-lhe quem era o profissional e não saberá responder-nos. Além dele e da mamãe, havia mais alguém no gabinete? Pode ser que tenha havido mas é incapaz de nos dar a idéia exata. De que dente se tratava: de molar, de pré-molar, de canino?... Ao impacto da pergunta, refuga a resposta, pois, evidentemente, precisará juntar à pálida recordação conhecimentos que só viria a adquirir bem depois. Recorda-se de que não se tratava de dente da frente, mas não tem muita certeza.
Se lhe perguntarmos se alguma seqüela ficou desse fato, o amigo nos dirá que, por bom tempo, teve muito medo de sentar-se em cadeira de dentista, tendo os dentes ficado deteriorados, um até sem restauração possível, necessitando de extração.
E no que se refere ao cuidado com a dentição dos filhos, sentiu alguma precisão de lhes oferecer cuidados que obteve como resultado de seu aprendizado de dor? Aí a resposta virá rápida: aos filhos garantiu assistência odontológica bem melhor do que a que lhe foi oferecida, mesmo porque a esposa o ajudou na seleção dos profissionais quanto à competência. O assunto entusiasma o escrevente, mas somos obrigados a sustar-lhe a participação. Gratos!
Como se pode inferir da apresentação do pequeno saldo da vida infantil, algo sempre fica a repercutir na mente, nas emoções e nas reações do adulto. Sábios os que são capazes de imprimir à análise dos acontecimentos o vigor da lucidez adquirida com base nos estudos posteriores.
Há, entretanto, muitos indivíduos que se deixam embair pela sugestão de que os fatos que os perturbaram tiveram origem na irresponsabilidade de algum parente, de modo que, ao invés de se aproveitarem para lucrarem com as lições, passam a vida com a impressão de negligência e de ausência de afeto. Capitalizam para as reações mórbidas de seus intelectos as fugidias percepções e as acrescentam ao rol das contas a serem cobradas das pessoas contra quem mantêm litígio moral ou espiritual.
No caso do amigo, para exemplificar, poderia até achar que a mãe não fora suficientemente hábil ou amorosa no tratamento das afecções bucais, estendendo esse conceito em função de frustrações outras por ela prodigalizadas, para imprimir à voz acusadora o acre sabor do desrespeito e da insensatez. Isso não fez nem fará, pois as suas recordações se acrescem da narração do que lhe sucedeu, na fala da progenitora, a contar, com muita pena, a dor e o desespero que o acometeram no dentista.
Mas, para outros, o fato seria prato cheio a oferecer recursos com que embasar manifestações de desagrado e de desapego afetivo. Neste caso, as repercussões ultrapassam a simples visão de quem se limita a observar as reações psíquicas originadas nos acontecimentos da infância e geram raciocínios que irão concentrar-se no grau de relacionamento existente entre os seres em anteriores situações, quer no plano da espiritualidade, quer em encarnes antecedentes.
Que fazer para mitigar essa impressão de desajuste com as pessoas que lhes deram amparo e conforto por obrigações cármicas, quais sejam as relativas aos pais e parentes mais velhos?
No plano das estruturas sociais, a simples referência ao fato de que se desconhecem as circunstâncias que envolveram os acontecimentos deve bastar para que haja compreensão de que muito do que deveria constituir-se em elementos formadores do bom senso a respeito do problema se perdeu na memória, mesmo porque o nível do juízo estabelecido na ocasião se dava na infância, quando a mente se encontra desabrochando, sendo, portanto, incapaz de conceber a verdade. Se houver acréscimos posteriores, deve-se-lhes atribuir a sua real procedência, para que não se fundamentem conclusões a partir de conjecturas. Sendo assim, respeitar as pessoas mais velhas pelo que são hoje e não pelo que a imaginação infantil possa ter criado em substituição à evidência da verdade que lhe estava vedada é de lei.
No que concerne às estruturas espirituais, é preciso deixar que os fatores do relacionamento se firmem segundo visões cada vez mais próximas da necessidade do existir em conjunto com tal ou qual finalidade, esquecendo-se de que pudesse ter havido tão-só encontro casual. Se admitirmos a hipótese de que a junção dos indivíduos em seqüências de gerações é fruto de mútuo assentimento no plano espiritual, fluirá de nosso pensamento a noção de que não foi para acréscimo de ódio, mas de benemerência e de amor. Em nível de realização, muitas vezes, o mais novo terá para lamentar a desídia do mais velho, mas restar-lhe-á a prerrogativa da correção relativamente a seus descendentes. Lembre-se a exemplificação acima.
Façamos, portanto, por romper as correntes do mal, forcejando por substituí-las pelas da fraternidade, do sentimento de solidariedade e do desapego às cobranças de débitos que, muitas vezes, nem reais são. Saibamos levar a estima aos maiores às últimas conseqüências, na expectativa de torná-los nossos protetores espirituais até o cabo da vida e mesmo depois. Eliminemos as impressões que nos ficaram imperfeitas e nebulosas e as troquemos por amor e respeito. Façamos por eles como gostaríamos que nossos filhos fizessem por nós.







3

A PRIMEIRA BOLA E A PRIMEIRA BONECA





Os meninos, desde cedo, desejam receber prêmios pelo que tiverem feito de bom. As meninas não são diferentes, mas o que interessa a um é bem diverso do interesse do outro. Pode parecer a espíritos arraigadamente materialistas que o hábito se instala desde cedo, de maneira que o fato de os pais presentearem com bolas ou bonecas é que induzem as crianças a papéis sociais masculinos ou femininos. Sugerimos que o devotamento aos estudos se faça de modo bem isento de preconceitos na avaliação do resultado das pesquisas, o que pressupõe que o fato seja considerado de ponto de vista integralmente científico.
Desde logo, na análise do próprio corpo, desde que se dêem oportunidades às crianças de se apalparem, o que a cultura ocidental só propicia aos deserdados da sorte, que nem roupa têm, pode-se perceber que as crianças são capazes de estabelecer o relacionamento com os de seu sexo, rejeitando o contacto com o sexo oposto, a não ser para brincadeiras de caráter sexual. No mais, as meninas e meninos mantêm grupos apartados.
Cedo, portanto, se configura a influência do sexo sobre o procedimento, quer havendo liberdade de manipulação dos órgãos, quer vedada por razões ideológicas de caráter cultural-religioso. Ainda bem que a modernidade tem levado os jovens pais a atitudes mais inteligentes quanto à aceitação do fator sexual como plenamente natural e integrado ao mundo das reações, que se devem orientar no sentido de não se constituírem em empecilhos de caráter psíquico ou moral.
Deste modo, desde a mais tenra idade, podem ocorrer fatos restritivos do pleno domínio da identidade sexual, de modo que, por reflexo condicionado no âmbito do inconsciente, muitos indivíduos se deixam perturbar pelo processo da negação de sua afirmação como seres dotados da energia específica de sua contextura fisiológica, desenvolvendo características opostas. Isso se dá muito mais freqüentemente do que se imagina, ficando os impulsos do desvio inibidos por fatores supervenientes, de caráter sócio-antropológico. Mas, se se deixarem analisar livremente, poderemos constatar que a maioria das pessoas mal consegue esconder as suas reações refreadas. Para isso, o método mais adequado é o da hipnose, embora como meio de descoberta e não de cura ou de superação da problemática.

Desejaríamos dar a palavra a algum companheiro para depoimento esclarecedor.
Hoje é um jovem recém-admitido no grupo que se apresenta para o desnudamento de sua personalidade. Diz-nos que partiu cedo da Terra, aos dezenove anos, por ter adquirido a síndrome da deficiência imunológica, por intercurso anal. Ouçamo-lo.


Sinto-me envergonhado por ter-me enredado em situações de caráter imoral. Isto estou a perceber agora, quando venho recebendo as orientações dos amigos e protetores. No campo da carne, não via mal algum em propiciar aos amigos o êxtase sexual, qualquer fosse o sexo.
Devo restringir o vocabulário, pois provim de meio inteiramente alheio a qualquer censura moral, o que não me permite boa escolha da terminologia. Não fosse a assistência do escrevente e diversos termos teriam ferido as susceptibilidades dos amigos encarnados. Não quero repetir a desfaçatez com que investi contra o falso puritanismo da sociedade dos homens.
É interessante que julgava da falsidade enquanto vivo e continuo a perceber o mesmo grave defeito, mas com visão nova. O que antes considerava mero artifício da astúcia para manter a população coagida a aceitar as condições milenares estabelecidas para manter o ser humano sob o tacão dos poderosos, hoje considero como a necessidade de disfarce para impedir a revelação da realidade íntima de cada um. Em resumo, a hipocrisia que adquiria para mim feições meramente sociais, pois não aceitava qualquer laivo de pudicícia que logo me abespinhava e me insurgia contra a malícia embutida nos ataques contra a liberalização de caráter sexual, sinto agora como o resultado da manifestação da vontade que se vê presa nas malhas do inconsciente, sem conhecimento exato das diretrizes que determinam o procedimento. O que era geral tornou-se, em meu modo de ver, particular, sem esquecer de que tudo decorre por força das atitudes aprendidas e levadas a efeito em relação aos filhos pelos pais e demais parentes.
Acenam-me para deixar o estudo para depois: que eu cite o que aconteceu comigo na infância, à vista da exposição acima.
É que fui tratado como menina por minha mãe até a idade de cinco anos. Ela desejava ter tido uma filha e tudo fez em relação a mim como se fizesse por uma menina. Quando completei cinco anos, ganhei uma irmãzinha e todo afeto de minha mãe se desviou para ela. Aí eu não mais conseguia chamar sua atenção, a não ser quando me vestia de mulher, com pintura e tudo. Ela não percebia a necessidade afetiva que se demonstrava em minhas atitudes, de sorte que as reações masculinas de minha personalidade se viram frustradas.
As minhas primeiras experiências sexuais se deram com meninos e eu fazia o papel feminino, de modo que fui habituando-me a esse relacionamento desviado da naturalidade de minhas tendências orgânicas. Como não havia qualquer problema de caráter fisiológico, pois todo o meu mal era meramente psíquico, na idade dos contactos da turma, pude ir de um lado a outro livremente, sem perturbar-me com os ditos e jogos da malícia adolescente. Julgava-me superior aos meninos por conhecer a fundo o ponto de vista das mulheres, o qual me foi passado integralmente pela minha mãe.
Devo dizer que meu pai quase não conheci, a não ser por algumas surras de quando era bem pequeno (quase faço o escrevente registrar pequena, por hábito arraigado que espero compreender e eliminar). Tendo meu pai abandonado o lar depois do nascimento de minha irmã, foi como se abandonasse a mim na condição de esposa.
Outros homens passaram pela vida de minha mãe, de forma que bem cedo me vi na necessidade de deixar o lar, em busca de afirmação. Foi aí que me envolvi com outras criaturas tão débeis emocionalmente quanto eu, tendo ficado nessa vida até o meu fim trágico.
Peço a Deus que me ilumine para deixar bem claro neste depoimento que tudo o que sofri de nada me valeu, pois rebelei-me contra a natureza que me incitava a raciocinar com maior vigor, para busca da superação de minhas deficiências. Se algum colega meu, com iguais disposições íntimas, se der ao trabalho desta leitura, diga que não tenho razão em levantar a verdade: não se sente você um aleijão, um infeliz, e não gostaria de mudar de atitude, permanecendo do jeito que está por medo de que, se vier a mudar, possa parecer a você mesmo falta de caráter? Não estará em seu inconsciente a idéia de que lhe cabe papel de importância na revelação ao público de que a sociedade está podre, minada por cancro milenar de conluio dos poderosos contra a maioria indefesa? Não se sente você paladino que irá resgatar as dívidas da sociedade em relação aos pobres humilhados e submissos?
Bom amigo, não perca a vida, deixando-se embair por idéias falaciosas. Busque o quanto antes analisar as suas reações e veja se não há meios mais honestos e poderosos de emancipação da humanidade em relação à imundície moral que forma na base das correlações sociais.
Perdão, caros amigos, por ter desandado dos objetivos propostos. É que me sinto tão perto dos vícios, que a repugnância pelo que fui e pelo que protestei ser me faz responsabilizar-me por alguma idéia errônea que possa conter-se neste meu azedo pronunciamento. Peço perdão também aos leitores e rezo a Deus para que luz se faça no espírito de cada um.


Poderíamos ter-lhe cortado ao meio a fala, mas conservamo-la integral, para demonstrar o nível de inadequação moral e espiritual que enforma a personalidade de quem se vê presa nas teias das dificuldades de identidade com seu próprio sexo.
Da análise da manifestação do condiscípulo, podem-se deduzir importantes conceitos relativamente à necessidade de se dar aos meninos a bola e às meninas a boneca, no momento de se firmarem no inconsciente os papéis sociais que irão desempenhar. Não há quem suba à Terra com a destinação dúbia; é no entrechoque das circunstâncias que se fixam os disparates, principalmente se, no retrospecto das vidas pregressas, o carma de anteriores jornadas se apresente como de premente necessidade de superação.
Viver bem, no caso de reingresso na carne do amigo, será, indubitavelmente, suplantar as deficiências que se infiltraram em sua maneira de ser, respeitando, apesar do influxo das tendências contrárias, o apelo do sexo de que for revestido. Não se podem prever-lhe vitórias que não sejam amargas, lutas que não sejam estafantes, problemas que não sejam sérios e de difícil resolução. No entanto, restabelecidos os vínculos de amor com os pais, figuras deturpadas por acréscimos de ódio e de incompreensões, poder-se-á configurar retorno amparado pelas forças da espiritualidade interessadas em propiciar adequado amparo, para que a vontade do amigo restabeleça os padrões de comportamento ideais para volver a palmilhar a estrada do bem, sob o roteiro evangélico de Jesus.
Confiemos, pois, em que a luz de Deus norteará a caminhada de nós todos, infelizes criaturas em débito com a natureza, com os amigos e com a verdade. Que seu manto de misericórdia se estenda para todos nós!







4

A PRESENÇA DE DEUS





Para que não se vejam em nossos estudos tão-só resultados extremamente deletérios para a vida e para o relacionamento entre as pessoas, havemos de referir-nos também a atitudes de repercussões altamente favoráveis, como seja a presença de Deus nas orações que os pais ensinam aos petizes a declamar.
É verdade que as crianças adquirem o hábito da repetição, inconscientes do proveito que as emanações vibratórias dos sentimentos oferecem aos seres necessitados de ajuda. Mas isso ocorre com noventa e nove por cento dos adultos, mesmo até entre os mais contritos. Não será, portanto, o conhecimento de que as palavras possam estar vazias de sentido que nos impedirá de levar os pequenos à recitação, uma vez que, pelos indícios que trouxemos nos textos anteriores, parece que ficou bem esclarecido o poder da sedimentação consciencial ou só mental.
Crianças educadas no respeito ao Senhor propendem a tornar-se criaturas dóceis e ajuizadas. Lendo a nossa frase, sem atento exame de sua origem transcendental, poderá querer parecer a muitos que estamos propugnando que os indivíduos sejam subjugados desde pequenos, oferecendo-se como mártires do sacrifício, para que outros seres menos cordatos e mais agressivos possam sobrepor-se, na ânsia da dominação. Não estamos propondo que se eduquem carneiros para o abatedouro da ignorância que grassa pelo mundo dos canibais do ódio e da prepotência.
Se nos lembrarmos de que a cada criatura humana é permitido usufruir longa permanência em idade de natural rebeldia, verificaremos que o aprendizado da infância sofrerá abalos críticos, que propiciarão aos indivíduos fazer passar pelo crivo de sua argumentação filosófica todo e qualquer hábito adquirido, principalmente por meio da insuflação indireta realizada pelos pais, com propósitos que só se definirão quando os filhos se virem capacitados ao mesmo tipo de comportamento intelectual. Sendo assim, não se veja nas palavras iniciais deste texto nenhuma tentativa de dominação por influenciação telepática através da mediunidade.
Se Deus estiver presente na memória das pessoas, porque viveu em sua imaginação infantil, será bem mais fácil reacender a necessidade de retornar a ele, quando os indivíduos se virem diante de problemas e da obrigação de tomar decisões morais plausíveis, segundo as normas do evangelho crístico.
Cada um de nós poderia referir alguma experiência nesse campo, para ilustrar o benefício da sábia atitude dos pais que permitem aos filhos o acesso à idéia e ao sentimento da existência de um criador supremo do universo, a quem se submetem até os seres mais poderosos do mundo, quais sejam, na visão dos infantes, o pai e a mãe. Ao contrário, se, negativamente, algum dos progenitores tiver deixado intuitiva a noção de rebeldia contra o nosso benfeitor máximo, por descrença, por ateísmo, por materialismo ou por simples obtusidade mental, então, será facilitada, na idade da adolescência, a conclusão de que nada há para agradecer à entidade que permitiu que nos apresentássemos à luz. Os arroubos juvenis de contradição dos valores estabelecidos se intensificam e o grau de insegurança relativamente aos poderes que regem o universo possibilitará ao jovem desenvolver idéias mais contundentes contra os seus maiores, aqueles que os precederam e a quem atribuem toda e qualquer imperfeição que possa decorrer dos relacionamentos humanos.

Vamos permitir a amigo do grupo que se manifeste a respeito, para averiguarmos, por meio de caso específico, através de que mecanismos se concretizam estes comportamentos.


Em criança, fui adotado por família evangélica, onde fui ensinado a respeito da justiça de Deus e de meus compromissos para com ele. Se quisesse obter o direito a ir ao paraíso e ficar ao lado do Senhor, que me restringisse a cumprir as obrigações relacionadas pelos ministros, a partir do decálogo.
Jovenzinho, fiquei sabendo de minha condição de adotado, de sorte que meu relacionamento com a família foi aos poucos degenerando-se, do ponto de vista da ascendência moral que poderiam exercer sobre mim. Pensava que um prato de comida e um agasalho contra o frio não poderiam comprar definitivamente o meu bem-querer e a minha incondicional submissão às vontades daqueles que eu via não como amigos ou protetores, mas como aproveitadores do meu destino.
Dada a rigidez de pensamento do grupo, achava que tudo que me era determinado fazer tinha o cunho do usufruto de minha condição adversa na vida.
À medida que fui crescendo, fui avaliando melhor o que me era oferecido e verifiquei que o mundo ao longe daquela comunidade oferecia perigos e mistérios muito mais atraentes, para quem tivesse o dom de libertar-se das presilhas da tutoria. Não sei se filhos legítimos têm os mesmos sentimentos, mas a verdade é que, tendo chegado aos quatorze anos e não tendo conhecido na vida nada além que o caminho do templo e do serviço, precisando, ainda, a todo momento, agradecer a Deus a ficção da sua ajuda e o mistério da minha vida, evadi-me do lar que me prendia, para o grande mundo.
Passei de ceca em meca durante os quinze anos seguintes. Conheci tudo que foi desgraça. Ignorante e passivo, vi-me joguete de quanto malandro soubesse imbuir-me a caminhar a seu lado, com a ilusão de que o fazia por livre iniciativa. Foi assim que roubei, matei, estuprei e terminei encerrado entre as grades de presídio de segurança máxima, sempre pronto para o revide das afrontas.
Mas a presença de Deus se fez sentir.
Um dia, estando no catre, com profundas dores de estômago, maltratado pela pior espécie de alimentos grassos e pela canjebrina mais grosseira, sem tratamento conveniente, atormentado pelos psicotrópicos que conseguia a poder da exploração de desgraçada criatura que me servia do lado de fora da prisão, maldisse a hora em que me arrebatei da casa de meus tutores. Tanto bastou para revelar-me diante de mim mesmo.
Ali, juntinho de mim, estava o espírito protetor da família. Naquele primeiro arrefecimento de meu impulso de rebeldia contra a vida, fez-me compreender, por via intuitiva, que o autor dos males do mundo é o próprio homem, quando não aceita as premissas de seu encarne. Sem acusações, revelou-me que os crimes que perpetrara se relacionavam intimamente com os baixos instintos de que estava possuído. Não fora isso, dentro ou fora do lar adotivo, teria tido vida pacata, condizente com nível de aspiração comum. Eu é que me precipitara de encontro à dor e ao sofrimento. Começava, naquele dia, a conversar longamente com minha consciência (só mais tarde, já deste lado, é que me compenetrei da interferência espiritual).
Após dez anos de sofrida permanência no instituto correcional é que logrei ser solto. Saí abatido, com câncer no estômago, amargo e desiludido da sorte, descrente do mundo e mais ainda revoltado contra minhas próprias estúpidas decisões.
Juntei-me à mulher que me esperava para reconstituição de minha vida. Obriguei-a a seguir-me para a volta ao templo que abandonara. Fui recebido como filho pródigo, mas fui forçado a comprovar, perante a assembléia, o testemunho de meu regresso ao seio do Senhor. Em lágrimas, agradeci a benemerência do perdão e, intimamente, fui capaz de reconhecer a providência da moléstia que me corroía o organismo.
Não demorou para deixar minha carcaça em funda cova, tendo sido recebido em festa pelos companheiros do etéreo. Não sei até hoje com perfeição qual o mérito maior da regalia de não ter sido jogado nas profundezas das trevas. A verdade é que muito me alegrei por me ver ao lado de tão amorosas criaturas. Na Terra, muito pedi perdão a Deus pelo meu desabusado gesto de me manter durante largo tempo em íntimo conflito com meus pais e com os meus tutores. Mas foi ao me ver na condição de espírito que pude aquilatar a sabedoria daqueles que me impuseram a obrigação de elevar meu coraçãozinho aos pés do Criador. Vejo agora, com lucidez, que a minha salvação foi ter-me voltado a tempo para o Senhor e renovo o meu testemunho de amor àqueles que, talvez atabalhoadamente mas efetivamente, me permitiram conservar no fundo do coração a presença de Deus.


Neste ponto dos trabalhos, toda a equipe elevou prece de agradecimento ao Senhor e de profundo reconhecimento de que mais uma vez se escrevia por linhas tortas a verdadeira história de uma redenção.







5

O DESÂNIMO





Muitas vezes, sentimo-nos com o ânimo arrefecido, descrentes de que o que possamos vir a fazer possa ter qualquer significação de importância para a vida. Os quefazeres se situam na área do corriqueiro e a tendência à modorra nos faz situar-nos bem embaixo na escala das realizações individuais. Se bem ponderarmos a respeito desses dias nebulosos, cinzas, insossos, poderemos descobrir, na raiz do problema, a falta de satisfação pelas coisas que nos cabe efetuar. É que não confiamos em nossos atributos e nos cansamos de estar diante do fracasso. Quantas vezes desejamos ser bem interpretados em nosso discurso, e as pessoas insistem em nos desatender?! Quantas vezes projetamos nossa mais lídima potencialidade criadora, no afã de deixar marca característica, para imprimir nos demais o sinal de que podemos fazer algo admirável, e o único aplauso que ouvimos é da própria consciência, assim mesmo por despeito?!
Pois esse desalento pode ter sua origem remota no muito que fomos bajulados quando, na primeira idade, conseguíamos afagos e carinhos das pessoas por demonstrar inteligência, facilidade, esperteza. Passaram, desse modo, a ser importantes a lisonja, o elogio fácil, a eleição junto aos demais. Mas nem sempre as pessoas estão ávidas por aceitar algo dos outros como os nossos próprios pais. Por isso, arruína-se a expectativa, ao baldar dos esforços que empregamos para conseguir construir alguma situação que visava tornar-nos simpáticos diante das pessoas.
Sem sucesso, desanimamos e resolvemos intimamente desistir de levar aos semelhantes o quanto somos carentes de seu aplauso e de seu entusiasmo. No entanto, poderíamos até dar-nos por satisfeitos por termos logrado ter estado no centro das atenções. Mas enaltecer os mimos de que fomos alvo de pequenos, nem pensar. Ao contrário, as mães são até acerbamente criticadas por tornarem os pimpolhos excessivamente mimados. É que se intui o resultado posterior, pelo menos no que respeita à idade da adolescência, quando à força da vontade se junta o poder de dizer não.
Se todos os pais vissem carência afetiva nos gracejos dos filhos, por certo dedicar-se-iam mais a eles, para que não precisassem esforçar-se por chamar a atenção, impedindo-os de codificar as reações de agrado segundo o próprio procedimento.

Vamos atribuir a palavra a um dos amigos do grupo, para seu depoimento. Perguntamos, inicialmente, se o que vai contar-nos terá de ver com repercussões inerentes ao processo espiritual ou se simplesmente ficará restrito às nuanças de caráter psicológico.


Amigos:
Tenho por hábito referir-me aos meus procedimentos como conseqüência direta do carma que carrego, mercê de muitas falhas de comportamento. Sendo assim, este aspecto de minha derradeira internação na carne virá carregado de sugestões interpretativas da pessoa que sou como personalidade espiritual.
Em pequeno, meus pais ansiavam por me ver crescido. Desde a mais tenra idade, imaginavam-me adulto, a torná-los orgulhosos pelas minhas realizações. Não me queriam reles comerciante ou mísero tarefeiro, empregado em qualquer firma, por melhor fosse a renda. Achavam que, se fosse médico, por exemplo, deveria inscrever o nome nos anais da Medicina, com a descoberta dos processos de cura de doenças ainda sem remédio; se fosse arquiteto, deveria revolucionar a estrutura dos edifícios, com o emprego de materiais ainda não descobertos e de estilo a influenciar os colegas, deixando registrado meu nome na história. Era um viver de sonhos. Por isso, qualquer coisa que fizesse era razão para os mais desproporcionados elogios e manifestações de benquerença.
Cedo descobri, maliciosamente, que tudo conseguia com algum trejeito facial, alguma cambalhota espalhafatosa, algum dito jocoso. Esse terrível vir a ser se entronizava na mentalidade de meus pais, de modo que a realidade de minha condição filial não lhes importava realmente.
Mas o que eu era haveria de revelar-se na escola. Mimado ao extremo, desde os primeiros tempos, colocava a professora em polvorosa. Nada aprendia mas exigia pleno reconhecimento. Em pouquíssimo tempo, a mestra se tornou a inimiga a vencer. Como os primeiros resultados não foram bons e como não demonstrava prazer em ir à aula, meus pais responsabilizaram a professora e a escola e me transferiram para outro colégio. Essa vida levei durante dois anos inteiros, até que certo diretor recomendou aos meus pais que me levassem a um psicólogo.
Tudo a que me referi até agora tenho na memória por ouvir minha mãe dizer. Na verdade, eu só me lembro de algumas situações sumamente desagradáveis em que me recusava terminantemente a fazer os exercícios.
O psicólogo, ainda por informação familiar posterior, achou que meu intelecto não sofrera abalo nem retardo e que os problemas se situavam em âmbito familiar. Tanto bastou para que meus pais se revoltassem também contra o tratamento.
Em suma, para não cansar o auditório, devo dizer que minha alfabetização foi tardia, aos onze anos de idade, quando, finalmente, meus pais deixaram de me amar pelo que eu poderia vir a ser, passando a considerar a ilusão de sua vida como o efeito real da falsidade de seus valores afetivos.
Esta transformação foi alcançada por injunções de diversas procedências, mas principalmente porque me levaram para tomar passes fluídicos em determinado centro espírita. É que houve uma benzedeira que bocejava irresistivelmente quando me benzia, achando que havia em mim algum encosto espiritual que me impedia de vingar na aprendizagem.
No centro, não se confirmaram as suspeitas, mas ficou bem claro aos meus parentes que havia necessidade de efetuarem sério trabalho de recomposição espiritual, pois não conheciam nada relativamente à doutrina espírita. Por coincidência, por aquela época, começava eu a descobrir as relações entre as letras e os sons e o valor das palavras, de modo que tudo o que se disse no centro parecia refletir-se miraculosamente em meu despertar.
Superava, finalmente, as imensas dificuldades iniciais e propunha-me a suplantar as que viessem a corroborar a idéia que se instalara na família de minha debilidade intelectual.
O tempo foi passando de forma que, aos dezesseis anos, me via apto a freqüentar o curso ginasial. Mas era demasiado velho para conviver com os peraltas de onze ou doze anos, de sorte que foi preciso encontrar meios de superar essa dificuldade de adaptação. A contragosto de meus pais, fui matriculado em escola noturna, aonde os marmanjos iam com idéias bem diferentes daquelas que se referissem a aprender. Por isso, voltei a brilhar junto aos familiares, pois consegui reaver-lhes a confiança em minha capacidade.
Aos dezenove anos, concluía a segunda etapa de minha formação escolar, atrasado quanto à idade, mas plenamente apto a prosseguir. Devo dizer que, aos vinte e oito anos, recebi diploma de bacharel em Direito, através de faculdade paga de cidade do interior de Minas. Aos trancos e barrancos, fiz dependurar na parede da sala o fac-símile do certificado de conclusão do curso.
Realmente, se formos pensar em termos terrenos, não saberíamos ver onde se localizava exatamente o complexo espiritual que possibilitou essa desventurada performance escolar. Acontece, contudo, que nunca antes tivera qualquer avanço no terreno intelectual. Examinando as minhas atuações anteriores no plano da densidade corpórea, só sou capaz de perceber, dolorosamente, encarnes broncos de pessoas rústicas, voltadas para a terra e seu cultivo, nunca chegando a bem compreender idéia qualquer que significasse esforço de abstração. Fui sempre muito positivo em notar a evolução das plantas e o trato dos animais, mas nunca cheguei a interrogar-me sobre o porquê das reações, dos efeitos.
Quando foi combinado o meu ingresso na carne, vinha com o propósito acordado com meus pais de que me conduziriam para o conhecimento. Seria a real abertura de meu cérebro para a intelectualidade. Mas cada qual tem os seus limites e provações. O esquecimento gerou os problemas de minha recepção no mundo. Restava-lhes, no fundo da memória, a branda intuição de que deveriam fazer de mim alguém no plano das idéias, mas a sua formação só enxergava grandes acontecimentos. Na verdade, eram tão obtusos quanto eu. Quando se viram frustrados pela incompetência que eu lhes demonstrava, sofreram enorme abalo emocional, calando-lhes fundo a conseqüência do fato de me haverem propiciado condições de rebeldia, quando visavam a tão-só me deixar solto a receber as recompensas abonatórias de meu desempenho.
Se não tivessem caído nas amorosas malhas do espiritismo, talvez tivessem tido reações profundamente desastrosas para meu desenvolvimento, dando-me, por exemplo, como obrigação, ter de labutar pelo meu sustento, fazendo-me empregado de alguma firma, sem habilitação e sem estímulo. Confiando na sabedoria de Deus, propiciaram-me a oportunidade de suave crescimento, de modo que, por caminhos bem diferentes do que haviam imaginado, acabaram deixando-me em condições de revigoramento espiritual. Atrapalharam-se um dia, mas conseguiram o que representava para mim o objetivo da minha vida.
Raciocinando friamente, chego à conclusão de que, se outra tivesse sido a atitude de meus progenitores, qualquer outra, eu iria passar pelas mesmas dificuldades, pois não estava em mim concretizar de imediato o meu ideário de vida.
Peço perdão aos amigos por ter-me apresentado para a exemplificação dos resultados psíquicos relativamente à influenciação que podem exercer os mimos sobre o desempenho espiritual das criaturas encarnadas. Se bem sou capaz de avaliar, penso ter fugido do roteiro da aula. De qualquer forma, estou bem apto a perceber que muito desenvolvi no âmbito da intelectualidade, embora sinta que muito falta para progredir. Mas estou contente por ter conseguido realizar esta demonstração de lucidez, pelo menos no que se refere ao campo do meu progresso.
Graças a Deus! Fiquem com o Senhor!


O amigo, verdadeiramente, em apoio a nossa tese, deu demonstração de que poderia ter havido desânimo em seu procedimento, a persistirem as condições iniciais de seu encarne. Como julgou estar bastante claro o nosso ponto de vista, desejou dar a receita da superação do mal-estar que se instala na mente dos indivíduos que não conseguem sucesso diante da sociedade que desejam impressionar. Defendeu, como bom advogado, a tese contrária, evidenciando que os males não devem ser buscados somente no retrospecto afetivo, mas que existem premissas espirituais de mais forte impregnação nas personalidades.
Se desanimados por não vermos boas repercussões nas tentativas de agradar os que nos são caros ou aqueles de quem dependemos nos relacionamentos profissionais ou sociais, não responsabilizemos os maiores por terem desleixado em seu compromisso de amor. Façamos força por conceituar a visão segundo padrão de superior procedência e aceitemos a desilusão como prova, como exercício, como fato a se constituir em desafio para a compreensão da realidade. Saibamos atribuir ao destino a nota máxima, pois, certamente, estará a representar, de modo inequívoco, a nossa necessidade de desenvolvimento. Esse é o papel das propensões: o de despertar para os objetivos de vida.
Como o companheiro, atrasemo-nos na concretização dos desejos íntimos, mas estejamos conscientes de que é imperioso levar o projeto à frente, até as derradeiras conseqüências. O homem é quem faz, verdadeiramente, o seu destino.







6

AS PRIMEIRAS LÁGRIMAS DE AMOR





I




A criança, quando se apega à mãe e ao pai, não quer que ninguém chegue perto deles para o carinho. Se um tio abraça o pai, logo a menina fica por perto a observar. Se for uma tia, põe-se de orelha em pé. O mesmo ocorre relativamente aos meninos e suas mães. É assim que se desenvolve o princípio do ciúme, que advém do sentido de posse relativamente ao domínio que se exerce sobre as pessoas.
Um irmão mais novo é tragédia de relacionamento difícil de ter suplantados os traumas iniciais. Mas a vida ensina e as pessoas não carreiam para o tempo de adultos as complexidades inerentes à falta de possibilidade de concepção racional dos efeitos da emotividade.
Há, entretanto, que se saber levar a bom termo essa intuição de que se poderá perder o vínculo dos sentimentos, caso contrário se desenvolverão inúmeros tiques de reações insuspeitadas quanto às suas origens, a desalentar o futuro e problemático ser. Em outros termos, cabe aos pais vigiar para que não sejam feridas as criancinhas em sua ânsia de poder. Não há que desafiá-las mas fazê-las entender que o amor se dispersa entre as pessoas mais chegadas, principalmente entre aquelas que demonstraram para conosco compreensão e carinho.
O afeto que se pode dar aos pequenos, portanto, deve prevenir-se quanto às reações diante das surpresas. Por isso é que é bom, sempre que surge gente nova no círculo dos relacionamentos, conseguir-se o acesso ao coração prevenido dos petizes, através de brindes, de presentes, de algo que possa concretizar, para o mundo da realidade material dos pequenos, o interesse que se tem em preservar-lhes a integridade existencial.
Todo este preâmbulo nos leva a situar as primeiras lágrimas de amor bem cedo, muito embora a presença do sentimento não tenha ainda a nobreza da depuração a que se irá procedendo, à medida que a compreensão da vida se faz. Muitas pessoas se perdem para o mundo e isso traz sofrimento e dor; e muitas lágrimas; mas cada reação é única, diante do grau de desenvolvimento emocional de cada qual. Raciocinando por absurdo, poderemos até dizer que os bebês que nascem de partos em que perecem as mães não têm noção alguma da perda que estão sofrendo. Por outro lado, velhos octogenários, diante do falecimento de progenitores centenários, provavelmente não se abalarão a ponto de o fato lhes parecer causa de transtornos sentimentais. No meio desses extremos, é que as lágrimas têm razão de ser e as primeiras reais e verdadeiras lágrimas de amor escorrem por força da consciência da perda.
Muitos interpretam como egoísta esse sentimento de vazio que se instala no coração dos que vêem a partida dos amigos e parentes. Nada mais falso. Não se trata da perda da entidade que exercia fascínio sobre nós ou sobre quem dominávamos que lamentamos, mas é já o prenúncio da ausência a constituir-se em saudade, esse doloroso transe em que, à ânsia da necessidade da pessoa em falta, se junta a compenetração, o sentido da consciência de que teremos de superar a tristeza, por força da realidade coercitiva.

Deixemos para alguém referir-se a algum evento particular que possa ilustrar o resumo. Solicitamos ao que se atrever a dar seu depoimento que estabeleça, desde logo, o vínculo das lágrimas com o plano da espiritualidade, o que nos parece imensamente fácil de realizar.


Antecipo-me aos companheiros, embora tenha a certeza de que todos terão claros exemplos para fornecer.
Na última encarnação, perdi meus pais em desastre automobilístico. Eu estava junto e fui salvo miraculosamente do meio das ferragens retorcidas. Naquela época, contava seis anos e começava a ter consciência do mundo. Durante meia hora, fiquei ouvindo os gemidos de minha mãe a lamuriar-se diante da desgraça que nos abateu. Lembro-me de sua mão afagando-me a cabeça e descaindo em seguida.
Sem querer ferir as cordas dos sentimentos dos companheiros e dos leitores desta página, devo dizer que meus olhos permaneceram secos até que alguém veio retirar-me, sem ferimentos, de perto de meus pais. Não tinha exata noção de que haviam morrido; o que me comovia era o fato de não conhecer ninguém daqueles que acorreram a acudir-me.
Mas o impacto da tragédia perduraria enclausurado no inconsciente até o momento do casamento. Quando tivemos o primeiro filho, certo mal-estar começou a afetar-me as reações diante da insegurança de ter nas mãos ser tão frágil e desprotegido pela natureza. Em lugar de me ver forte ao ampará-lo, via nele a figura da fraqueza. Parecia pequeno boneco de biscuit. Foi tão forte esse sentimento que passei a rejeitar a paternidade, tendo sido por muito pouco que não abandonava o lar, deixando a cara esposa às voltas com o sério problema de criar o filho sozinha.
Mas a hesitação acabou passando, graças às atenções de que fui alvo da parte de meus falecidos pais. Durante várias noites, tive a honra de tê-los ao meu lado durante o sono, a me conduzirem os pensamentos para as insuspeitadas voltas do destino, até que conseguiram firmar-me na consciência a certeza de que as tribulações por que passei na infância estavam rigorosamente catalogadas em minha ficha de acesso à vida. Agora sei bem que não precisariam ter sido justamente aqueles os acontecimentos, no que se referiam a mim e às minhas necessidades, mas, no que respeitava aos meus pais, não havia como fugir ao evento que os baldeou para este lado. Da união desses carmas, só poderia sobrar para mim aquela desdita.
Depois de diversas entrevistas, cuja memória não se imprimia em meu cérebro ao despertar, certo dia vi-me com meu filho no colo, as lágrimas a verterem-me incontidas. Era o reaver de minha posse sobre outro ser, em profunda sensação de ganho. Revertia-se a sensação da perda, da falta, do vazio, preenchendo-se, finalmente, aquele vácuo sentimental pela noção de que a vida nos oferece condições para suplantar a dor e para perfeito domínio sobre as reações.
Foram aqueles sentimentos que estabeleceram a ponte a unir as duas margens dos sentimentos plenos, que se esvaíram um dia. No momento do choro convulso de que me vi acometido, se fez a compreensão do muito que havia perdido durante todo o transcurso da vida, desde a morte dos meus pais. Foi só aí que pude bem entender as inúmeras reações temperamentais que eivaram todos os meus atos. Com meu filho, reabilitava-me para a existência em igualdade de condições com as demais pessoas. Era o término, afinal, do sofrimento.
A intelecção lógica do que ocorrera naquele instante só muito mais tarde vim a realizar, em plenitude de consciência, quando desligado da matéria, durante as aulas de evangelização que venho recebendo; no entanto, o esplendor da felicidade, ao readquirir o domínio sobre os sentimentos, é sensação que jamais esquecerei.
Espero que o longo discurso possa levar os seres humanos a perquirirem a respeito de suas lágrimas e da posse e domínio de suas personalidades. Àqueles que não tenham tido a necessidade das lágrimas para reaverem o que tenham perdido um dia, recomendo que elevem o pensamento a Deus, para a compreensão dos fatos de minha vida, compreensão que lhes dará motivos para exprimirem o apogeu de sua felicidade através de muitas lágrimas de amor a Deus. Aos que não se restabeleceram das perdas e se debatem nas trevas da desilusão e da sensação do fracasso e do medo de se perderem para a vida, a minha prece irmã, o meu mais profundo desejo de vê-los compenetrarem-se das verdades que intentei revelar, para finalmente conseguirem ver na própria dor, no sofrimento, a necessária correção de seu desvio de rota.
Deus se apiade de todos nós, por sermos tão pequenos diante da grandiosidade que nos está reservada!


O amigo trouxe à baila para discussão alguns pormenores de interesse. Entretanto, havemos de convir que fugiu da temática proposta por precipitação. O conceito que desejávamos ver discutido era o do amor verdadeiro, do amor substancial da criatura pelo Criador. Em verdade, o muito que lhe representou o filho que lhe deu a consciência de sua existência por influxo da criação e por graça do Pai, é sentimento de muita elevação e digno de respeito e consideração. Oremos para que todos os humanos possam um dia sentir a mesma vibração de amor e de felicidade.
Mas o exemplo não foi feliz, de sorte que aguardaremos para a próxima oportunidade a manifestação de outro dos amigos, para ilustrar o tema da aula. Fica, portanto, esta dissertação inconclusa, até a próxima transmissão mediúnica.





II




Conforme promessa, cá estamos tratando do mesmo tema. Esperamos ter oferecido clara visão do que pretendemos dos alunos
Antes de prosseguir, devemos, em respeito ao escrevente, considerar-lhe as apreciações relativas à primeira parte. Diz-nos que considerou cumpridas as condições propostas no tópico inicial pelo companheiro que compareceu para o relato. Na verdade, temos de admitir que algo de malicioso houve em nossa colocação final, como que a estimular o raciocínio e as ponderações dos alunos e dos leitores, entretanto, as primeiras lágrimas de amor a que fizemos alusão na abertura dos trabalhos não se referiam a lágrimas de adulto mas àquelas que as crianças deixam descair pelas faces, na primeira idade, mesmo que sem conhecimento correto do que possam representar. O amigo, ao expor o seu caso, extrapolou a premissa, que era bem menos ambiciosa, se bem que pretendêssemos provar que as lágrimas da inocência são as que aproximam a criatura do Criador.
Isto posto, sem querer levantar celeuma em torno do ponto, vamos dar a palavra a alguém desejoso de narrar fatos que possam comprovar a colocação que fizemos, alertando para que os dizeres se refiram a aspectos cármicos de caráter puramente espiritual.
Um irmão deseja relatar. Eis, pois, a pena disponível.


Caros Amigos, boa tarde!
Sinto-me como peixe fora d água. Sabia que um dia ou outro deveria haver-me com a condição de escrever e, por isso, resolvi, que seria hoje, tendo em vista a facilidade do problema que devo esclarecer com minha exposição.
Eu era pessoa de cor. Desde pequeno atormentava-me o fato de ter de suportar essa condição durante a vida toda. Compreendo agora que, em encarne anterior, como feitor de fazenda, vilipendiei os irmãos por causa da raça e da cor. Voltei à Terra com os sentimentos antigos, mas devidamente vestido da cor que detestava.
Aos quatro anos, quando meus pais me levaram a uma festa (agora sei que oferecida pelos patrões), vi uma bola colorida, com a qual me agarrei o tempo todo. Eu a queria para mim. No calor das comemorações, meus pais não perceberam o fascínio que o brinquedo exercia sobre minha ingenuidade. Na hora de partir, deveria deixar o objeto para trás e com isso não concordei. Abri o maior berreiro, chamando a atenção de todos e envergonhando sobremodo a minha família. A bola constituía um dos presentes recebidos pelo filho dos patrões em seu aniversário. Quando o pequeno percebeu que eu desejava apoderar-me de seu objeto, correu para a mãe e pediu-lhe para que eu levasse o que queria com tanto ardor. Até hoje não sei o que o pequeno pediu em troca do brinquedo que me dava, mas a verdade é que o brinde transformou as lágrimas sentidas da ânsia insatisfeita, no mais puro vislumbre da bondade humana possível.
Estranhamente, mantive na memória o fato, como recordação de algo que não conhecera: o desprendimento, a doação, a benemerência em relação aos seres que nos parecem inferiores e, por isso, desqualificados para serem considerados nossos irmãos. Aquele simples brinquedo, insignificante em seu valor material, foi a pedra de toque que me levou a considerar a misericórdia de Deus, isto bem mais tarde, quando me capacitei a transferir o aprendizado que obtivera.
Eis a minha simples narrativa, caso vulgar, que qualquer pessoa pode considerar inexpressivo, mas que para mim significou o despertar para o socorrismo e para a vida evangélica nos braços de Jesus.


O amigo relatou tremendo de emoção, com lágrimas a verterem-lhe dos olhos, não porque as recordações lhe penetrassem tanto a sensibilidade, mas porque compreendia a sua possibilidade de vir a público para a lição, para o exemplo, para a explanação do verdadeiro sentido da vida.
Quando o amor floresce no íntimo da consciência e esse sentimento se expande em ondas no sentido de abarcar os demais seres do Senhor, a compreensão se resume a perceber o poderio da vibração e a pessoa se vê transformada em mero elemento de união, em amálgama a sedimentar relacionamentos, em degraus sobre que se apóiam os irmãos para ascender em glória rumo à casa do Pai. Essa sensação de utilidade, de serviço, de apagar da individualidade, para o oferecimento da vida, é que faz com que as pessoas se saibam verdadeiramente humildes e predispostas ao crescimento diante de Deus. Essa é a pureza da inocência transubstanciada em auxílio. Esse é o espírito do socorrismo, da fraternidade.
Se o amigo leitor puder comparar as escrituras destas nossas duas partes, os dois depoimentos, os dois relatos feitos com o coração na mão, verá que ambos estão plenos dessa condição, mas será certamente o último que preenche melhor as condições que estipulamos.
Não estava nos planos estabelecer comparações, mas é preciso ressaltar que todo o conjunto não se apresentou aleatoriamente para o registro psicográfico. O escrito só reflete a aula em que o tema foi discutido, havendo unanimidade quanto a que as duas narrativas se mantivessem da forma original sob que se apresentaram. Os autores teimaram em comparecer para, eles mesmos, passarem a sua parte dos ditados, cientes e conscientes de todos os comentários que se fariam. Repetimos este aspecto das explicações, pois poderá parecer que houve armadilha preparada, no que respeita a termos recusado a acatar como perfeita a participação do amigo órfão. Resta-nos saudar o escrevente e pedir-lhe escusar-nos se algo possa ter ficado sem análise convincente. Perdoe-nos as nossas imperfeições.







7

A PRIMEIRA LIÇÃO





Consideramos o termo lição aqui como o resultado do ensino ministrado ao ignorante pelo conhecedor. Assim, se a criança se aproxima do fogo e se queima, aprende a lição por via da experiência. Não trata disso o nosso tema. Ao contrário, ao saber que, se tocar o fogo, irá machucar-se, por informação dos mais velhos, e a criança recalcitrar, a ponto de ir em busca de ver a experiência confirmar-se, aí não teremos a verdadeira lição que estamos propondo, embora, certamente, se dê o aprendizado.
Para nosso ponto de vista, no exemplo acima, precisaria que a criança aceitasse por indução do mestre e por dedução de sua lógica que o fogo causaria o dano que realmente provoca, bastando observar o resultado do cozimento de qualquer alimento, ou a destruição de uma folha de papel ou de um pedaço de pano etc.
Como aprendeu o caro amigo que o fogo pode magoar a pele e provocar dor? Terá tido o ensejo de se aproximar sozinho? Confirmou a posteriori, após ter aprendido a lição nos termos que propomos, tocando algum objeto quente de modo inadvertido? Ninguém prestou atenção em oferecer-lhe os cuidados necessários para que não viesse a obter da vida o choque inesperado, tendo sofrido o impacto insuspeitado do calor? Sofreu, em idade muito pequena, a desdita de sérias queimaduras a lhe deixarem estigmatizados no organismo os efeitos deletérios das chamas?
Pois, a não ser no caso de ter corretamente atendido ao ensinamento, todas as outras formas igualmente são capazes de deixar marcas indeléveis, se não sobre a epiderme, pelo menos no fundo da mente, a desencadear reações sempre pautadas pelo mesmo processo de assimilação da realidade.
Há pessoas que, turbulentas pela natureza, aprendem a controlar-se pelo impacto da dor, à vista da compreensão da própria deficiência. O mal veio para o seu bem. Outras há, no entanto, que utilizam a experiência para prejudicarem a terceiros, incautas quanto aos prejuízos que os males possam causar. O sofrimento dos demais vai parecer-lhes o lenitivo para a dor que sentirem. Não são criaturas vingativas, mas podem gerar cometimentos dessa natureza, pois o mal que promovem pode fazer desenvolver impulsos contrários de mesma intensidade.
A nossa advertência, portanto, se dá para que se vigiem, desde cedo, as reações infantis diante dos fatos do mundo. O papel dos pais estará estreitamente vinculado à necessidade de conduzir os filhos às sendas do bem. Para isso, haverá necessidade de fazer compreenderem a verdade inerente a cada fato, como causa e como conseqüência. Sendo assim, é preciso transformar todos os conhecimentos em pequenas unidades de ensino, em lições, que darão aos petizes o prazer da descoberta da realidade, de modo que seus espíritos propendam para o valor do conhecimento, para uso em proveito de seu desenvolvimento, de sua evolução.

Se alguém tiver fato para narrar, em que os aspectos espirituais se evidenciem, pode fazer uso da palavra.
Eis que se apresenta jovem senhor, identificando-se como mestre de primeiras letras e pai de quatro pimpolhos ao tempo da juventude. Deixemo-lo expressar-se à vontade.


Bons Amigos, Companheiros e Instrutores:
Tenho para comigo que os maiores males que se podem fazer às crianças é deixá-las entregues à própria sorte. Sabemos agora, e a pedagogia mais recente entre os mortais está a confirmar a cada década, que há necessidade de se fornecer às crianças as condições ideais de aprendizagem, até mesmo anteriormente ao nascimento.
Está, na literatura espírita, bem documentado o fato de que os mentores conseguem influir decisivamente no comportamento das pessoas por meio das informações que passam aos fetos, sob o amparo de seu poder de magnetização. Mas os encarnados podem aproveitar-se da inteligência em formação para provocar nos embriões e fetos reações de caráter positivo, no sentido de promover-lhes o prazer da instrução.
Não é difícil de perceber que o recém-nascido busca reconhecer os donos das vozes a que se habituaram dentro do ventre materno. Se os sons lhes chegaram musicais e agradáveis, a sua tendência é de paz e harmonia; se, ao contrário, ouviu gritos e discussões, acompanhados do mal-estar químico provocado pela onda liberada pela mãe, quer no sentido físico, quer em âmbito psicológico, é certo que estará predisposto à contenção das reações de afeto, por desconhecer até que ponto o mundo exterior possa ser confiável.
Demos exemplos bem grosseiros para estimular a imaginação dos amigos, no sentido de elaborarem o seu rol de experiências ou de observações, neste campo fascinante da formação das reações.
Devo confessar, entretanto, que, como pai e professor, só fui atinar com a importância da tese acima exposta quando o terceiro filho vinha a caminho. No que respeitou aos dois primeiros, desleixei e, por várias vezes, enfureci minha cara esposa por causa de exigências descabidas. Sendo assim, meus dois filhos mais velhos apresentaram, aos seis anos de idade, alguns sérios problemas de aprendizagem, principalmente porque refugavam as palavras de advertência que lhes dirigíamos. Estavam intuitivamente com o pé atrás em relação a nós. A terceira criança foi muito mais cordata e a última apresentou alguns laivos de genialidade, tendo facilitado o seu desenvolvimento a nossa postura em relação aos atributos naturais que deveríamos desenvolver desde cedo.
Como conseqüência de nosso descortino, deliberamos, minha esposa e eu, providenciar para que os mais velhos obtivessem, mesmo que tardiamente, o influxo do mais acendrado carinho e profundo amor. Passamos a tratar deles como se afetados tivessem sido por algum mal físico, envidando os maiores esforços para eliminar as impressões deixadas em seus primeiros tempos. Devo dizer que, quanto à formação intelectual, conseguimos despertá-los para o estudo, de modo que se formaram nos campos de atividades que escolheram. Ao atingirem a idade da razão, discutimos abertamente a teoria da aprendizagem precoce e lhes possibilitamos entender, de modo bem franco e direto, o que pensávamos ter provocado em seu desenvolvimento, de maneira a lhes dar consciência do mal que lhes causamos. Que aprendessem a lição e a aplicassem a seus filhos. Parece que obtivemos sucesso no intuito de fazê-los compreender o ponto de vista, de forma que os netos todos tiveram assistência completa, nos termos em que nos era possível, sem os recursos da moderna tecnologia.
Estranhamente, porém, o quarto menino, o geniozinho da família, desandou na fase da adolescência, a tal ponto que impossível nos foi fazê-lo entender que deveria proceder em harmonia com nossas teses em relação aos próprios filhos. Desiludido de levar-lhe as explicações que nos pareciam lógicas e razoáveis, abandonamos a assistência a ele, mesmo porque próximos estávamos da deserção da densidade corpórea.
Aqui chegados, o nosso interesse em estudar onde falháramos, apesar da extrema boa vontade, surpreendeu-nos com a revelação de que não houvéramos errado em nada. Ao contrário, não fossem as nossas providências no campo da energização pelo amor do feto e a contínua assistência à criança, e teríamos de criar entidade inteiramente desajustada, pois o retrospecto de seu aparato moral era de ser de inferioridade assinalada.
Foi, então, que se possibilitou ao nosso entendimento perceber que o plano de ingresso desse filho na carne se fizera por anuência nossa, à vista de solicitação de amigos da espiritualidade, interessados em propiciar ao pupilo, lar de adoção em que pudesse evoluir sob o amparo saudável de pais em harmonia com o tônus energético universal. Fôramos reconhecidos como pais perfeitos para aquela criatura imperfeita. Graças a Deus, nunca desfalecemos e jamais suspeitamos de que os nossos recursos estavam servindo de teste para o desenvolvimento de teoria tão valiosa, para que o ser humano possa garantir o sucesso da encarnação.
Modestamente, acrescento mais um ponto ao meu ativo, na esperança de que alguém possa deixar-se influenciar pelas idéias que expus, de molde a buscar aplicá-las em seu dia-a-dia, sem, naturalmente, deixar de confirmá-las através dos estudos realizados pela ciência dos encarnados.
Se, como pai, exerci com proficiência o esforço de tornar meus filhos em condições de aproveitarem convenientemente os encarnes, como professor, espero ter deixado aqui a minha verdadeira lição.
Muito obrigado!


Eis a ilustração cabal do que almejávamos propor como estudo. O bom amigo soube conduzir o depoimento na mesma linha da tese apresentada, de sorte que nos facilitou a conclusão a que chegaríamos iniludivelmente: que os amigos do curso não batessem inutilmente a cabeça, experimentando sem cessar cada pequenino referencial em proveito da dissertação, mas que buscassem compreender, aplicando racionalmente seu potencial intelectual.
Com certeza, não terá sido esta a primeira lição que se passa aos leitores, mas, se algum proveito puderem tirar do que acima se expôs, saibam que se integrarão, de certo modo, no contexto de nossa turma. Queira Deus que assim seja!







8

A ÂNSIA DA PERFEIÇÃO





Desde criança, o homem deseja que tudo o que o cerca seja perfeito. Mesmo quando é incapaz de conhecer o melhor, o pouco que tem deve apresentar-se sem jaça. Por isso é que os pequenos se apegam às suas posses. Muitas vezes, a chupeta está feia e desgastada mas é a que contém os atributos da perfeição. Essa estreita vinculação do que é nosso com o modelo do ideal é o sustentáculo mais completo para a manutenção do estado de equilíbrio das pessoas.
Imaginemos, para argumentar, que fosse permitido ao homem conceber os limites da perfeição, independentemente daquilo que seja capaz de concretizar em espécie. Desde logo, haveria profundo choque entre os seres em existência e esse ideal. Criar-se-ia, por conseguinte, ânsia de difícil sufocação, pois todos desejariam obter para si o máximo de cada atributo.
Iniludivelmente, a nossa propositura é mera ficção, pois não existe, na contextura psicológica dos indivíduos, nada que os arremesse tão vorazmente para realizações de caráter superior. A maior parte, inclusive, resiste tenazmente ao aperfeiçoamento, como se passa com o petiz que se recusa a se desfazer da chupeta velha, mesmo diante de outra novinha em folha.
Mas haverá um dia de despertar para a possibilidade da melhoria de suas condições. Haverá de ter ambições e desejos, mesmo porque crescem os poderes da observação e do raciocínio, de modo a se comprovarem as regalias de que dispõem outros seres melhor aquinhoados pela sorte. Se o desejo da perfeição não se acender, podem ocorrer sérios desenvolvimentos da inveja, do ciúme em quem se sente inferiorizado, ou do orgulho e do egoísmo em quem se vê possuidor dos bens transformados em instrumentos do litígio.
O que caracteriza o homem superior é o desenvolvimento das qualidades à perfeição. Não havendo em nosso relacionamento alguém que seja dotado de tais dons, não se poderá acusá-lo de apresentar desejos espúrios. Aliás, a perfeição é a característica atribuída pelo Cristo aos que aspiram a adentrar o reino do Senhor. E foi o próprio Jesus quem nos estimulou à perfeição, por meio de suas prédicas e de suas narrativas, sob forma de parábolas. Até o exemplo do Mestre, embora desastroso no que pudesse se almejar no resultado físico, constitui-se em forte propulsão para que todos nos ensaiemos no exercício das virtudes e da pureza, no sentido do domínio total do bem e do amor.
Quando o espiritismo se codificou, elegeu como divisa a célebre frase: Fora da caridade não há salvação. Para a prática da caridade, no entanto, exige-se que o indivíduo se doe integralmente, que cada qual seja capaz de desprender-se de suas posses, que cada viúva doe o óbolo de sua subsistência, na prescrição cristã enfatizada por Kardec. Ou seja, para a salvação através do espiritismo, há que se ser perfeito no que respeita à caridade, o que resulta em que todos os demais atributos assim sejam considerados.
Se, de pequenos, refugamos a chupeta nova, preferindo aquela com a qual nos sentimos bem, não será a doutrina espírita, ao ser oferecida às pessoas, como que sua contrapartida filosófica e moral?! Não haverá como que uma espécie de refluxo do entusiasmo ao nos depararmos com a necessidade da substituição dos valores com os quais nos dávamos tão bem, para assumir os propostos pelo espiritismo, apesar de se apresentarem novinhos em folha?!

É essa ânsia de perfeição na concretização do ideal que propugnamos à exemplificação dos amigos. Haverá quem tenha passado por alguma experiência na carne, capaz de nos ilustrar a respeito do tema, sem que se deixem de lado os aspectos espirituais da questão? Sabemos que muitos dos amigos foram espíritas convictos em suas recentes encarnações, mas haverá quem esteja disposto a relatar algum aspecto negativo de sua participação nesse movimento?
Aproxima-se da mesa jovem senhora com o intuito de assumir a palavra. Deixemo-la à vontade.


Prezados Companheiros e Leitores:
Sei que posso vir a falhar em meu tentâmen psicográfico, mas devo registrar que as ânsias de perfeição não estão tão acesas que não possa admitir falhas em minha exposição e na narrativa do meu caso.
Tal como os instrutores deixaram claro na abertura dos trabalhos, desde cedo na vida desejava obter para mim tudo o que as outras pessoas conseguiam. Até mesmo meu ingresso no espiritismo se deu porque tinha várias amigas que se diziam médiuns e que recebiam espíritos e eu não obtinha nada através de meus oferecimentos reservados em casa.
Ao iniciar minha educação mediúnica, ficou claro que haveria possibilidade de aperfeiçoamento dessa faculdade, que todo ser humano traz em seu aparato de recursos espirituais. Mas o que desejava era o máximo. Quando as manifestações a que dava curso atingiram o nível das de minhas companheiras, já não me satisfazia com simples apanhados de sofredores e pobres pregadores morais de centro espírita de arrabalde. Precisava crescer, de modo que busquei integrar-me em casa no centro da cidade. Aí logo minhas qualidades floresceram e fui capaz de realizar apanhados psicográficos de valor, a ponto de merecerem publicação no periódico da federação espírita da localidade.
Mas minha ânsia se acentuava. Diante das obras apanhadas por Chico Xavier, que lia mal e desconcentradamente, quis habilitar-me a ser freqüentada por espíritos de escol, para a transcrição de mensagens de alto padrão. Foi com esse objetivo que me vi surpreendida por grave involução mediúnica. Aos poucos, as mensagens começaram a perder a intensidade e passei a recusar-me a aceitar aquelas cujo teor demonstrasse necessidade de ajuda ao pobre espírito sofredor comunicante.
Saí em busca da perfeição, enchi-me de orgulho, de falsa humildade, de brutal egoísmo. Quase perdi a noção do princípio essencial de que fora da caridade não iria obter a salvação, pois até em relação a mim mesma deixei de praticá-la. Isso mesmo: acusava-me de orgulho, de má fé no trato com a espiritualidade, de ciúme, de inveja, de malícia, desrespeitando o amor-próprio que existia para preservar minha individualidade. Na ânsia de obter a chupeta de ouro, joguei fora, irremediavelmente, aquela miserável e suja que poderia dar-me algum prazer. Fiquei sem nenhuma.
De queda em queda, voltei à primitiva condição, abandonando, inclusive, as lides mais comezinhas dos estudos ou da prestação de assistência aos necessitados. Virei um trapinho moral. Desconsiderei as virtudes e, orgulhosamente, instalei-me na descrença da divina justiça e equanimidade.
Mas tal fase iria ter um fim. Por comiseração dos protetores, em tarde de maravilhosa inspiração, pus-me a escrever aleatoriamente, até sem preparação através das devidas preces para possibilitar a concentração magnética dos amigos. A mensagem que me foi ditada constituía, como ponto central, a necessidade do progresso para a obtenção das premissas da perfeição. Em desabrida linguagem, os amigos vasculharam em meu coração todas as imperfeições e demonstraram de modo integral a grande fraude que eu era. Não me perdoaram, vergastando-me impiedosamente, dando à escrita a contextura do animismo, mas deixando bem claro e anotado que o faziam para despertar-me a vergonha pelo fracasso.
Nunca mais me permiti receber qualquer mensagem, mas guardei com muito carinho a advertência dos amigos. Até o final de meus dias, pude ler inúmeras obras do nosso querido Chico Xavier, chegando à falsa conclusão de que tudo ali se continha, sendo inviável que qualquer outro médium pudesse obter notícias do etéreo mais valiosas e perfeitas. De qualquer modo, tal atitude ensejou que me visse livre da ânsia inútil de impossível perfeição, resignando-me a burilar aquele pouco que representava algumas ligeiras qualidades. Voltei ao centro e participei das mesas de estudo e dos demais trabalhos de ajuda e assistência. Trabalhei denodadamente pelo crescimento da causa espírita, mas só no que respeitasse ao cumprimento dos objetivos daquela pequena instituição.
Retornei ao plano espiritual com o desejo de persistir integrada a grupo socorrista, tendo sido aceita por estes bondosos amigos. Entretanto, as aulas revelaram-me de imediato o quanto devo crescer em conhecimentos e merecimentos para poder começar a suspeitar do que possa ser a perfeição. Graças a Deus, está sendo propiciada a mim esta primeira oportunidade de agir mediunicamente, agora deste outro lado, através de tema que poderá obter alguma repercussão para a advertência daqueles que, como se deu comigo, almejam tornar-se perfeitos à vista dos homens e não segundo os critérios de Deus.
Acenam-me para referir-me aos ganhos espirituais que obtive em relação ao estágio anterior à reencarnação e como se refletiram durante a vida.
Pois acreditava-me tão superior que pedi aos protetores a facilidade no campo do mediunato. Obtive tudo o que propusera, mas fui incapaz de avaliar com precisão a grandiosidade dos ganhos, se conseguisse superar as principais deficiências: o orgulho, a presunção, a prepotência. Fraquejei e só consegui algum proveito quando, por iniciativa minha mas com a concordância dos orientadores, deixei de lado os recursos de que me via apaniguada quanto à mediunidade. Foi este o real sacrifício de minha vida, em prol da consecução do bem aos irmãos encarnados. Mas já me foi dito que, em futuro encarne, deverei, de novo, assumir o posto junto às mesas da assistência espiritual, para poder cumprir os compromissos que se viram rejeitados.
Graças a Deus! Fiquem todos nas mãos do Senhor!


A amiguinha estendeu-se em considerações a respeito de sua pessoa muito a contragosto, não porque não desejasse revelar as mazelas de sua constituição moral, mas porque sentia que poderia ocorrer incremento de malícia, na suposição de que algo de bom e de maravilhoso se possa conter em sua personalidade. Teve medo de não ser suficientemente humilde e, por isso, se propôs a enclausurar-se, para penitenciar-se à maneira das monjas nos retiros conventuais. Certamente, tal procedimento deve refletir antiga postura adquirida em algum encarne medieval. Não haverá necessidade disso. Basta que continue com a firme convicção de que está longe da perfeição, aceitando a sua maneira de ser, perdoando o que verificar em desacordo com os critérios cristãos e trabalhando muito em favor do crescimento do grupo.
Dado o alto nível de vibração que sentimos partir de todos em auxílio da recomposição energética da amiga, convidamos os irmãos à prece, para que descaiam do Alto as bênçãos que nos fortalecerão e que nos indicarão se seguimos nos caminhos do Senhor.







9

O VIDRO DE REMÉDIO





Não há símbolo de repulsa e repugnância mais vigoroso do que o representado pelo vidro de remédio. Quando associado a aventais brancos e a líquidos vermelhos, aí a ojeriza se torna patética.
Aos poucos, com jeito, durante a infância, os pais vão demonstrando aos pequenos que seus temores são vãos e que o resultado da medicação é útil para a restauração do bem-estar. Geralmente, não ficam marcas maiores que certa hesitação natural diante das possíveis conseqüências, no que respeita ao paladar ou ao olfato. Algumas vezes, as pontiagudas agulhas hipodérmicas completam o quadro dos horrores de certas câmaras de torturas. Mas a lembrança se atenua quando se faz a compreensão dos fatos e se consegue dispor, nos devidos lugares, pessoas e aparelhagens. Resta aos remédios comporem-se nas prateleiras para uso oportuno.
Temos encontrado, contudo, pessoas que apresentam quadro de distúrbios emocionais pronunciados diante dos vidros de remédios. São perturbações causadas por recordações inconscientes de situações pregressas. São suicidas ou infelizes assassinados por meio de venenos e psicotrópicos. Como a sua necessidade cármica é de superação dos problemas que levaram à culminância da morte, fica-lhes bem nítida a impressão de que devam afastar-se totalmente desses frascos perigosos.
Em geral, porém, por incrível possa parecer, são justamente tais pessoas que se vêem às voltas com o maior número de ingredientes químicos ou orgânicos, para a cura das manifestações mórbidas. São farmacêuticos, são médicos, são laboratoristas, são industriais do setor dos remédios, são até representantes de vendas desses produtos. Há íntimo relacionamento entre causa e efeito, mesmo se considerarmos só os aspectos materiais.
Quando as crianças são atingidas por situações traumatizantes e se vêem, de repente, diante de problemas que se refletem de modo condicionado, por associação de idéias ou inferências de caráter moral, há necessidade de maior carinho e cuidado, para que não se venha a cair em situação oposta, que é muito comum de encontrar-se, especialmente dentre as pessoas que se refugiam em suas carapaças mentais e se dizem resistentes às investidas dos fungos, das bactérias e dos vírus. É corrente entre a população ouvir-se de alguém que nunca visitou médico e que jamais terá de fazê-lo. Naturalmente, se colocarmos essas pessoas sob o crivo da análise psicológica, é fato que iremos assistir à demonstração de que, na infância, colheram algum mal-estar relacionado com remédios e com médicos.

Como o caro amigo se sente diante destas ponderações? Acha que atingimos algum ponto fraco de sua personalidade ou simplesmente se recusa a aceitar o arrazoado?
Eis a experiência de um dos companheiros.


Amigos:
Venho à presença de vocês para deixar-lhes bem registrada a minha agonia, na derradeira passagem pela Terra. Era jovem advogado, sempre pronto a defender as causas mais cruéis. Minha clientela só me procurava por saber-me hábil com as palavras, pois tinham consciência de que as leis foram transgredidas e, dificilmente, conseguiriam safar-se do rigor da pena. Almejavam comigo sustar a aplicação dos tópicos mais severos, pois corria entre os malfeitores que era de meu feitio buscar os lenitivos legais mais promissores das atenuantes e protelações.
— Que haverá entre tais desempenhos e os vidros de remédios? — poderão estar a perguntar os amáveis ouvintes.
É que eu era viciado em analgésicos. Corria, ainda, atrás dos psicotrópicos mais suaves e compensava o seu emprego com soníferos.
Em época de estudos, dediquei-me à fantasia de poder superar todas as deficiências de minha organização mental. Sabia-me razoavelmente inteligente, conhecia o vocabulário técnico da rabulagem, tinha presença física para o tribunal, conhecia a malícia de dar a palavra às pessoas, sempre que percebia que tinham necessidade de se imporem, para o que oferecia também o aparato da atenção e os recursos do assentimento. Em suma, buscava em tudo e por tudo cativar os semelhantes. Esse desiderato levou-me a concordar com amigos viciados a ingerir as drogas supracitadas, de sorte que acabei nas mãos dos vícios.
Mas a minha profissão não perdeu com isso. Só o que acontecia era a necessária recomposição para a apresentação diante do juiz. Como minha dependência não era total, controlava os dias com o emprego dos recursos de que dispunha, para atenuar os efeitos danosos das doses que utilizava.
Vivi sob esse sistema durante muitos anos, tendo feito carreira até certo ponto brilhante pela postura que assumira.
Agora vem o relacionamento entre minha profissão e minha tendência aos remédios. Do mesmo modo que fui incapaz de reconhecer a razão que envolvia os crimes, interessando-me somente em atenuar os efeitos prescritos pelas penas regulamentares, quando aplicada a legislação com rigor, do mesmo modo jamais busquei inteirar-me das condições morais que me levaram ao procedimento da permissividade relativa à influenciação dos amigos e, posteriormente, através da fixação do mau hábito.
Sei que fui para a Terra com ideais de grandiosidade. Se me tivesse dedicado à advocacia, com afinco e seriedade, e se, igualmente, me recusasse a aceitar a participação dos amigos na vida particular, negando-me a consumir as drogas, poderia ter sido exemplo de dignidade e de proceder.
Ao chegar de volta de vida tão insignificante, perante o planejamento que se estabelecera, vi-me arreliado pelos indivíduos que um dia ajudei a fugir de suas responsabilidades, fazendo-os admitir a hipótese de que se poderia o ser humano eximir de pagar pelos débitos em relação aos semelhantes e à lei. Em lugar de adverti-los para a reforma, o mais que fiz foi incentivá-los à reiteração e à alienação das diretrizes sociais que tão bem conhecia.
Busquei pesquisar o papel das drogas e, de repente, me deparei com situação verdadeiramente estranha: desde pequeno, aprendera com meus pais que o consumo de remédios é útil para a tranqüilidade existencial, pois via-os, a todo momento, com pastilhas, comprimidos e xaropes. Eu mesmo achava ótimo quando qualquer mal-estar se apossava de meu organismo, pois havia motivo para automedicar-me com doses excessivas de relaxantes. O vidro de remédio passou a significar para mim a personificação da salvação. Era como se fora a Bíblia a me fornecer os meios de encaminhar-me ao paraíso.
Essa sintomatologia passei a observar nas pessoas e, por largo tempo, investiguei, do ponto de vista espiritual, quão deletéria tinha sido a intervenção de meus pais na minha formação.
Contrariando, embora, em certos aspectos, a tese em discussão no grupo, penso, ainda assim, ter contribuído para a advertência de que a fixação dos remédios como úteis na mente infantil deva ser realizada com muito cuidado. Se há imbróglios psicológicos resultantes do medo, também se encontram casos em que as dificuldades resultam da postura rigorosamente contrária, advinda do bem-estar, do prazer que se tem ao se retirar do pé o calçado apertado, na figura magistral do sábio grego.
Grato, amigos, e velem pelos seus filhos diante dos produtos farmacológicos, cada vez mais atraentes e disfarçados. Como bom advogado que espero vir a ser em próxima aventura corpórea, recomendo que as orientações relativas à medicina só sejam feitas por profissionais da área.
Fiquem com Deus!


O bom amigo auxiliou-nos sobremodo em nossas considerações finais. Preparávamo-nos para colocar como obstáculo exatamente a visão do excesso, quando havíamos partido da falta, mas a sua argúcia desarmou-nos o mecanismo. Desse modo, restringir-nos-emos a enfatizar as conclusões de que, para bem viver, há que se tomar como norma a mediatriz, deixando os pontos extremados como impróprios para que se venha a pautar a conduta. Em termos antigos, in medio virtus, no equilíbrio do procedimento é que se encontra a perfeição.
Fiquem, amigos, com estas simples considerações, mas não deixem de perscrutar as suas reações atuais e antigas diante dos frascos de remédios. Quem sabe haja alguma surpresa desagradável, diante do fato de não se terem detido ainda a esse tipo de considerações. Se algo não tiver ficado corretamente explicado na explanação, procurem concentrar-se diretamente sobre o ponto, pois buscaremos trazer-lhes novas noções, por via intuitiva, no auxílio às reflexões.







10

A VONTADE DE DEUS





Aos poucos, na existência — entendida aqui como o continuum que se estende desde a criação até o momento esplêndido de se integrar o indivíduo no seio do Senhor — vai-se aceitando, cada vez melhor, a realização dos eventos como sendo a premissa estabelecida por Deus, em suas leis impressas na natureza.
Como o tema é complexo e filosófico, figuremos a criança ainda bem pequena a impor-se aos pais, pelo choro convulso ou pelo sorriso matreiro. É a vontade do indivíduo. Mas os pequeninos não têm consciência dos perigos e das doenças, sendo incapazes, portanto, de definir com propriedade o que é melhor para si. Quando desejam alimentar-se ou saciar a sede, é fácil compreender que agem por instinto; o mesmo acontece quando estão com frio, quando sentem dor ou qualquer distúrbio que as faça sofrer.
Entretanto, essa fase é curta e o hábito de verem os pais correrem ao seu aviso se instala intimamente, de modo que aprendem a se impor. É aí que é preciso que os pais estabeleçam os roteiros de vida aos filhos, para que não sucumbam diante da infantilidade de seus desejos.
As crianças vão, aos trancos e barrancos, aceitando a palavra aos pais, principalmente se ditas com muita calma e ponderação. Mas não aprendem que o melhor é seguir conselhos. Fazem-no, quase sempre, para receber prêmios ou não sofrer castigos.
Passo a passo, os desejos vão definindo-se como passíveis de satisfação, o que vai tornando as palavras paternas cada vez mais distantes. Enfim, ao término da adolescência, nenhuma voz ativa mais exercem os progenitores, principalmente se os filhos são capazes de prover sozinhos as necessidades.
Não é difícil de perceber que estamos estabelecendo paralelo para confronto com a assertiva inicial de que a humanidade só irá aceitar a vontade de Deus, quando tiver percebido que, desde cedo, deveria ter ouvido os conselhos que se inscrevem indelevelmente nas leis que regem o universo.
Quando os pais dizem aos filhos para obedecerem, não estão propriamente impondo-lhes a sua vontade; o mais certo é perceber que é nesse momento que estão a compenetrar-se de que um dia deixaram de cumprir as ordens dos pais, o que só se esclarece com precisão quando necessitam encaminhar os filhos. Eis que o círculo se fecha, abrindo-se, todavia, em incessante espiral, pois dia virá em que a criança de hoje se tornará o adulto de amanhã.
Mas os acontecimentos no mundo são de ordem infinita, podendo haver filhos que aceitem desde logo as determinações paternas, até aqueles que jamais se conscientizam de que haja algum valor nas recomendações; são pais que não sabem ensinar aos filhos, os quais, por sua vez, pouco poderão oferecer aos seus. Há círculos, portanto, que se abrem em espirais de erros e outros em de acertos, havendo a possibilidade de interferências em ambos os tipos, existindo quem reaja bem, diante de orientações errôneas e vice-versa.
Isto relativamente à vida na carne. Quanto ao encaminhar-se para Deus, os atos que se introjetam em forma de conscientização da verdade não se perdem jamais, o que se constitui na linha evolutiva. Assim, se as ordens dos pais podem vir um dia a ser desprezadas, a vontade do Senhor, uma vez aceita e considerada legítima, nunca mais será desobedecida.

Como estarão reagindo os alunos às apreciações? Já haviam pensado seriamente a respeito do tema, que se repete cada vez que rezamos o pai-nosso? Haverá quem esteja em condições de nos oferecer relato esclarecedor de algum problema correlato, em peregrinação pela carne?
Eis que se apresenta um dos amigos para depoimento. Ouçamo-lo.


Meus caros:
Não sei se deveria atrever-me a propor-me para a dissertação. O que tenho para contar não é tão importante que possa constituir em chave para que alguém possa abrir qualquer porta no mistério da vida. Em todo caso, se não me sair bem, queiram perdoar-me.
Ainda bem novo, fugi de casa (não tinha mais que treze anos). Vaguei pelo mundo sem destino e me integrei em bando de malfeitores juvenis da cidade grande. Era o que se chama hoje de menino de rua; no meu tempo, era só pequeno delinqüente, afeito aos furtos e preparadinho para crimes de maior envergadura.
Sabia que agia sob impulso de maldosa catadura moral, pois, em casa, o que mais fazia era arreliar a vida de meus pais. Eram eles que diziam que eu tinha sangue ruim nas veias. Penso que, ao deixá-los, tenham ficado até agradecidos a Deus.
Mas terá sido a vontade do Pai que terei seguido? Ou poderá ter sido mero impulso da tendência de impor-me como ser responsável pelo meu destino? Pelo que vim a fazer mais tarde, penso ter ficado claro que seguia os meus instintos, pois Deus não iria permitir que eu deixasse tantas pessoas infelizes, pelo que lhes causava.
Um certo dia, fugindo de algumas pessoas que pretendiam recuperar o que eu furtara, tropecei, caí e fraturei a perna, sem condições de me levantar. Os do meu bando fizeram desaparecer o produto do furto e sumiram de minha vista. Mas eu me vi diante do populacho inflamado de ódio.
Fazia dois anos que levava aquela vida, de modo que não perdera de todo as feições infantis. No entanto, as vítimas do furto não levaram em consideração a cara de piedade e de dor, nem as lágrimas, e espancaram-me, até que chegaram policiais a tempo de salvar-me a vida. Em suma, como resultado daquela séria contusão, fui parar em hospital, onde me obrigaram a permanecer imobilizado por largo tempo.
Por essa época, a assistência social institucionalizada localizou minha família, mas fui rejeitado como péssimo caráter que era. Não haveria outra solução: seria internado na unidade de tratamento dos infelizes apanhados em atos de transgressão.
Como não tinha vontade diante da impossibilidade de fuga, fui adaptando-me ao novo ambiente. Sabia que não seria por muito tempo, pois, aos dezoito anos, deveria ser solto. O bom é que lá ofereciam comida e a oportunidade de aprender ofício.
Dei-me bem com amável orientador do setor de mecânica, tendo aprendido os rudimentos da profissão. O que conseguia com a venda do material que furtava era bem superior ao que iria obter com modesto emprego, mas o fato de me ver livre dos organizadores do bando de marginais, que açambarcavam a maior parte do lucro, imprimiu em minha idéia o rumo da honestidade. Senti-me amparado pelos amigos que me encaminharam na vida e procurei não decepcioná-los. O pequeno criminoso estava esquecido.
Aos vinte anos, confortavelmente instalado em pensão paga com o suor do rosto, perfeitamente entrosado com os patrões, que me garantiam segurança e estabilidade, resolvi visitar meus pais. Foi aí que percebi a razão de ter fugido de casa sete anos antes: meu pai era um beberrão e minha mãe é quem sustentava a casa, cozinhando em restaurante de periferia. Fora criado largado, com meus irmãos. As constantes surras me fizeram revoltado contra a sorte, tendo fixado a idéia de que quem me dera a vida me dera também o sofrimento e a dor.
Refleti muito a respeito das reações infantis e juvenis e dei graças a Deus por não me ter permitido desandar para completa vida de crimes. Quando me lembro do tombo em que fraturei a perna, penso em que a dor que senti foi pequeno tributo pelo mundo novo que se abriu à minha frente.
Parece-me que, se tivesse feito prevalecer a minha vontade à época, hoje não estaria narrando a história desses acontecimentos, mas lançado no labirinto das trevas, onde é inútil exprimir o desejo de se safar, parecendo que a vontade do Pai é ver o sofrimento das criaturas, quando, na verdade, só a vontade das criaturas é que prevalece, à vista da necessária purgação.
Espero em Deus que o que ocorreu comigo possa acontecer com todos os leitores e amigos, ou seja, que haja na existência de cada um meios de se elevarem ao Senhor para fazer valer, acima de tudo, a vontade do Pai.


O amigo superou, deveras, sua condição de inferioridade carnal. Não nos disse, mas a sua vida foi plena de sacrifícios, especialmente por ter feito o possível para criar os filhos com muito amor e carinho, longe dos maus-tratos que constituíram a sua educação.
Se fosse possível levar, a nível de consciência, a toda a humanidade, histórias vividas como essa, em que o fruto do bem se coloca ao alcance das mãos, com certeza, muitas outras vidas se tornariam exemplificativas do plano de salvação estabelecido pelo Senhor. No entanto, sendo a vontade livre de exercer-se, é bem possível que muitos sequer notassem que está nas mãos deles crescer em harmonia com os ditames estabelecidos pelo Pai, em suas diretrizes cármicas. Como crianças muito tenras, os homens querem impor ao Criador os seus próprios desejos, inconscientes e inconseqüentes. Oremos por eles!







11

A PROVOCAÇÃO





Na verdade, quando a serpe é atingida pela vara do passante, o que ocorre é mera provocação. Se deixarmos a víbora em paz, é quase certo que perseguirá o seu objetivo, não dando qualquer importância à nossa presença. O ruim é quando, inadvertidos, topamos com o animal e o ferimos involuntariamente, desatentos para a reação imediata de seu instinto.
Eis, em síntese, o que se passa conosco quando em idade bem tenra. Se não nos provocam, somos capazes de completo alheamento das peripécias das circunstâncias, pois o que nos conduz, em nossos atos, é o objetivo imediato. Poucos são capazes, desde cedo, de investigar o ambiente para sentir-lhe os movimentos, o habitual e o inusitado.
Se nossa mãe nos põe no cercado, vulgo chiqueirinho, reconhecemos os pertences ali deixados e operamos sobre eles as técnicas de manuseio, principalmente percebendo-lhes a contextura pelo tacto mais aperfeiçoado da língua.
Maiores, o interesse se diversifica, de tal sorte que somos compelidos a pedir algo de que demos a falta. Mas essa condição se orienta no sentido de estarmos totalmente integrados ao ambiente, quer no campo da higidez e da tranqüilidade fisiológica, como no que se refira às condições de temperatura, de limpeza, de falta de agitação e demais itens dos eventos na ausência das surpresas.
Qualquer distúrbio na vida pode ser levado à conta de provocação a obrigar-nos a reações, algumas padronizadas, outras inesperadas ou impróprias. Desse modo, se controlarmos as ofertas de incentivos, poderemos ajudar os pequenos a reagir de acordo com o plano educacional estabelecido. Na maioria das vezes, entretanto, deixamos ao acaso o natural desenvolvimento das crianças, que vão adaptando-se, lentamente, às realidades circunjacentes.
Que tal este texto como provocação aos pais de filhos em idade ainda bem diminuta? Terá o condão de alertar para as possibilidades de dar aos jovenzinhos condições de mais rápido progresso intelectual e emocional? Ou as crianças continuarão presas nos chiqueirinhos, a aguardar o dia em que estarão aptas a liberar-se da prisão por conta própria?
A figura da serpente não nos veio à mente por acaso. É que sua reação instintiva é tida como agressiva, podendo oferecer riscos ao transeunte desatento. Assim com as crianças: se ofendidas em sua postura de tranqüilidade, podem dar origem a procedimentos de rebeldia. Se houver o componente do medo, haverá o desencadear do choro, do pedido de socorro. Não atendidas a tempo, criam carapaças de defesa, de modo a se acoitarem em atitudes de inação ou de temor descontrolado. Sobrevindo a compreensão, há atenuação clara desses refúgios em perspectivas puramente conscienciais ou psicológicas. Não havendo solução do enigma, reservam-se o direito de camuflarem as atitudes sob os mais diferentes disfarces, que vão constituir-se nos ajustamentos não desejados do adolescente e do adulto, até que, na idade da maturação intelectual, consigam perquirir o modo pelo qual agem, em busca da natureza de suas personalidades. Eis que aí poderá ser excessivamente tarde para a superação proveitosa do mal, tendo havido perda de inúmeras oportunidades de crescimentos durante toda a vida ativa, no que respeita aos relacionamentos humanos normais.

Caso haja algum companheiro desejoso de ilustrar o nosso ponto, que se apresente.
Um dos amigos se propõe a contar a sua aventura, desde que tenhamos a bondade de propiciar-lhe lenitivo para a dor, mediante as explicações dos fenômenos cujo processo de implantação não foi capaz de perceber.
Tem garantida a nossa palavra de que iremos empenhar-nos para isso, dentro, naturalmente, das possibilidades. Ei-lo.


Amigos:
Minha história não oferece grandes novidades. Saí do ventre materno mediante operação cesariana, de modo que algumas das experiências mais traumatizantes do início da vida me foram evitadas. A equipe médica que praticou o parto estava aparelhada a oferecer-me os melhores cuidados, de forma que não me senti, em momento algum, constrangido ao sofrimento. Só a pressão atmosférica exterior e a adaptação ao consumo de oxigênio através do aparelho respiratório é que, mecanicamente, se instalaram em meu inconsciente. Nada com que pudesse vir a preocupar-me.
Meus pais eram seres bem dotados intelectualmente e fisicamente, tendo fornecido os genes para meu aparato psicossomático, o que me dava inteira serenidade familiar. Tinha dois irmãos quando cheguei, tendo recebido outros três depois. Era o terceiro filho concebido em plena felicidade.
Família de classe média, não tive de enfrentar qualquer problema causado por razões financeiras. Fui bem alimentado e agasalhado. Não tive tombos ou qualquer outra surpresa desagradável. Meus irmãos brincavam comigo, enquanto me via cercado pelas grades do chiqueirinho, de sorte que até os incentivos das provocações tive em proporções adequadas.
Evidentemente, não se estabeleceu planejamento fundamentado em princípios educacionais rigorosos, como os pleiteados pelos nossos instrutores, mas não posso queixar-me de não ter tido suficientes estímulos provindos dos irmãos mais velhos. Devo acrescentar que, na qualidade de mais velho, também propiciei aos menores condições de boa educação mental, de maneira que pude partilhar de extensa e feliz família.
Como não carreei para o plano material grandes deficiências espirituais, tudo transcorreu em minha vida segundo princípios da normalidade mais absoluta. Na época certa, fui à escola, namorei, casei, tive filhos, criei-os, aposentei-me, diverti-me com os netos e despachei-me da vida, com a consciência bem tranqüila por ter realizado o que melhor me foi dado, principalmente porque exerci por profissão, modesta mas honestamente, os trabalhos de tecelão e de mestre em grande indústria. Minha vida sempre foi de casa para o trabalho e de volta ao lar. Não tinha amigos de botequim nem qualquer vício que pudesse obstar-me de possuir boa saúde e disposição. Durante certo tempo, fumei mas, por recomendação médica ouvida através de programa de televisão, incrementado por palestra proferida no salão de conferências da fábrica (onde a recomendação de não fumar aliava os prejuízos à saúde aos riscos dos incêndios), larguei logo o feio e irresponsável hábito.
Além dessa vida, que para a maioria teria o sabor da monotonia, mas que para mim era tudo o que pedia a Deus, obtive o prazer de não ter nenhum parente morto em circunstâncias trágicas ou prematuramente. Se fosse possível exigir do destino que todos os familiares e amigos regulassem as existências pelo relógio biológico melhor acertado, não teria eu nada a pedir.
Dizer que tudo se pautou pela mediocridade, também seria injustiça de minha parte, pois, apesar de não ter tido grandes estudos nem grande fortuna, nada me faltou, já que era capaz de entender as leituras que me interessavam, inclusive de obras espíritas e filosóficas, bem como sempre tivemos, eu e qualquer dos familiares, prato de comida quente e bom agasalho, sob teto seguro.
Eis que minha vida se fez de acordo com o que para a maioria poderia ter sido a perfeição. Sem arestas a aparar, sem recriminações a fazer, sem hesitações a considerar, tudo transcorreu como se o mundo se realizasse em integral paz e harmonia.
Entretanto, ao aqui chegar, notei que bem pouco havia evoluído. Se bem que a memória se avolumara com os conhecimentos técnicos ou filosóficos, os aspectos de minha existência no etéreo não se modificaram fundamentalmente, persistindo a necessidade de novos encarnes, para bem se caracterizarem aspectos evolutivos no âmbito da moralidade. Se não me perdera nos vícios e nos crimes, também não incrementara a personalidade com novas virtudes.
Fica-me a pergunta:
— Teria faltado à minha vida mais contundentes provocações, para que pudesse desenvolver reações mais adequadas?
Peço que me respondam sob o aspecto técnico do encarne, segundo as normas relativas às leis de causa e efeito, pois, sob o ponto de vista da moralidade, tenho a certeza de que conheço a resposta: deveria ter buscado sacrificar alguns tópicos do bem-estar, para sair em auxílio aos irmãos necessitados. Teria sido realmente isso?
Fiquem com Deus e recebam o meu abraço agradecido!


O irmão quer resposta técnica? Pois vamos esforçar-nos por produzi-la.
Como tudo em sua vida obteve a marca do sucesso, é evidente que houve plena satisfação em viver. Mas tal maneira de encarar a passagem pela vida é muito linear, pois desconsidera os altos e baixos, fixando-se o indivíduo em sua preservação. Como não se via ameaçado, desconsiderou a ameaça como importante, relegando as criaturas infelizes a plano absolutamente ausente da contextura da vida que levou. É como se houvesse a possibilidade de alguém viver sem a contribuição efetiva dos semelhantes. Como exemplo clássico, podemos citar o pacote de leite que se adquire no mercado, sem considerar o trabalho da criação e da ordenha do animal, da embalagem, do controle da qualidade, da fiscalização higiênica, dos riscos do comércio etc. Quem adquire o leite se esquece de que está pagando o trabalho de inúmeros companheiros, sem cuja operosidade não lhe seria possível a aquisição. Às vezes, é preciso visitar o campo, ir a fazenda de gado leiteiro, levantar de madrugada para a ordenha e outras mais excursões esclarecedoras.
Quando o indivíduo não se deixa provocar pelas condições adversas dos semelhantes, não cria recursos para oferecer seus préstimos reais à comunidade. Ser bom profissional e dedicar toda a vida à carreira será sempre, aos olhos do Senhor, virtude de altos méritos. Mas isso se toda a sociedade tiver iguais condições de aproveitamento vital. Quando há sofrimento e dor ao nosso lado, o mínimo que se pode solicitar aos que estão apaniguados pela sorte é que estendam o braço e que ofereçam o coração. Até simples prece dita com força vibratória ajuda. Mas, para se dizer a oração com esse espírito, sem contribuir através de outros meios mais eficazes materialmente, só se houver obstáculos, o que não era o caso do amigo.
Veja que nos bastava ter respondido à perquirição com simples recomendação de análise de consciência, uma vez que o aspecto da moralidade continha a resposta técnica solicitada, bastando aplicar os próprios conhecimentos espiritistas ou mesmo filosóficos arquivados na memória. Mas quisemos demonstrar pelo fato que nem sempre se resume a atividade socorrista em indicar caminhos. Muitas vezes, é preciso pegar pela mão e guiar passo a passo, sem provocações que poderiam repercutir na mente do amigo em fase de auxílio como pura falta de sentimento cristão.
É esse sentimento que exortamos aos caros leitores, aos que se desacostumaram de ler largas explicações, cansativas arengas a pregar moderação e interesse. Que a nossa fala possa alcançar, de modo provocativo, todo aquele que se julga absolutamente feliz no estágio atual da existência.
Que Deus nos abençoe a todos!







12

O CONHECIMENTO





Vigoroso tema o de hoje. Para discorrer a respeito do conhecimento e de sua aquisição pelo homem, diversas obras poderiam ser escritas, sem que se esgotasse o assunto. De início, devemos deixar claro que não seríamos nós os autores desses tratados, pobres seres em estágio ínfimo de desenvolvimento que somos. Mesmo para qualquer mortal, tal obra seria impossível, dado que necessário seria que houvesse organização de caráter mundial a proporcionar condições favoráveis a que inúmeros sábios se responsabilizassem, cada qual por pequeníssimo setor.
As enciclopédias estão aí a mostrar o quanto o homem sabe e mesmo elas não se configuram como o repositório do humano conhecer, que se acresce a cada instante, mediante novas descobertas, a forçar a atualização das volumosas coleções.
Mas todo homem tem seu direito a modesto quinhão desse saber. Sendo assim, os meios de aquisição podem ser abordados por nós, sem medo de fazer os leitores inferirem algo danoso para sua formação, considerando, principalmente, que o acesso a estes textos só se dará em idade avançada, rumo à reflexão e ao descortino. Se jovens muito novos se atreverem a perlustrar os escritos, benditos sejam pela corajosa investida! Se apaniguados pela razão, vindo a compreender as dissertações, benditos serão! Se capazes de críticas, a ponto de oferecerem perspectivas mais justas e verdadeiras, eis que lhes pediremos, por nossa vez, sua bênção e atenção.
Fiquemos, portanto, em nossa suma, cientes de que os amigos saberão compreender e perdoar a arremetida.
Desde cedo, o homem vai assimilando a realidade sob forma de conhecimentos. Ao aplicarem, na vida real e ativa, o resultado da aprendizagem, demonstrarão com rigor sua capacidade de adaptação e o ponto de desenvolvimento intelectual em que se situam, o que irá caracterizar o nível de sua sapiência. Quanto mais fiéis à verdade, mais sábios e dignos de oferecerem-se à capacitação superior, para recebimento de mais informações e dados relativos à existência.
Por isso, é importante, desde logo, o incentivo às crianças de atuarem sobre seu pequeno mundo, com discernimento e boa vontade. Em ritmo de educação, cabe aos pais influir decisivamente no aperfeiçoamento inteligente dos filhos. Reconhecemos que existem limitações para cada indivíduo, de sorte que o máximo de um não será jamais equivalente ao dos outros. O que importa saber é que, por mais exigentes possam ser os progenitores, dificilmente atingirão sequer a metade da potencialidade dos filhos.
Nada assusta mais as criaturas do que o perigo de tornarem os rebentos pequeninos monstros, como se cada filho pudesse vir estigmatizado com o dom superior da genialidade. Isto é falso, é conclusão apressada de quem insuspeita dos recursos e da possibilidade de aproveitamento. Crianças-prodígio, com quociente de inteligência acima da normalidade, precocemente a reagir com pendores de adultos, são raríssimas e fogem até à influenciação paterna. Não há pois que temer por esse lado.
Crianças normais tenderão a ser adultos normais, se lhes forem dadas condições ótimas de desenvolvimento. Quanto melhor se souber explorar seus pendores naturais para o raciocínio, para a observação, para o conhecimento, mais tenderão a ser normais, termo aqui empregado no sentido da padronização estrutural estabelecida pela maioria da coletividade, como resultado plausível do conjunto das informações disponíveis. Em outras palavras, se a sociedade promove o furto, o roubo, o assassínio, como tendência-alvo a atingir, será esse o conhecimento médio que será passado aos indivíduos. Portanto, quando dizemos que as pessoas tenderão a ser normais, estamos bem longe de afirmar que serão perfeitas, dado que a perfeição é atributo que envolve conceitos muitas vezes ausentes do ideário da comunidade.
Partir do conhecimento do meio em que se insere o indivíduo é básico para quem vier a responsabilizar-se pela criação e educação dos seres que se propõem ao encarne. Esse vasculhar das estruturas sociais, a verificação de como a pessoa encara a própria formação, em torno das idéias propugnadas pela civilização, é fundamental. É aí que o conhecimento de si mesmo prevalece sobre o mais, nunca como insulamento, mas como resultado das influenciações circunstantes e poderosas do meio.
Tudo que vimos dissertando pode parecer como mera repetição de conceitos óbvios, para quem possui mediania intelectual. Gênios repudiariam a escrita, por motivos que só eles mesmos seriam capazes de levantar. Pessoas ignorantes interromperiam a leitura, por enfadonha e inconsistente diante de seu descortino limitado. No entanto, se dissermos que a fala não está dirigindo-se aos homens da crosta mas aos amigos do etéreo, forçosamente haverão de tomar outra atitude relativamente ao discurso.
Eis aí a revelação de nosso objetivo. O conhecimento prévio das condições do encarne, se feito com rigor e disciplina, dará ao encarnante meios de conduzir-se com pleno domínio das organizações corpórea e espiritual. Quando a pessoa carreia para a carne esse conhecimento prévio, terá noções inatas do bem viver, podendo adquirir recursos para fugir das influências deletérias do ambiente. Eis aí revelado o equilíbrio de certas pessoas que parecem possuir altamente desenvolvido o bom senso, embora, muitas vezes, sejam repelidas pela comunidade, por não admitirem proceder em harmonia com o vulgo, que age, a maior parte das vezes, ao influxo das reações condicionadas pelas estruturas sociais vigentes. Para seres preparados, nem sempre o que é comum à maioria lhes proporciona segurança e conforto, em suas concepções de vida e de existência.
Deverão estar os amigos a se perguntar como é que saberão se têm esse conhecimento prévio incrustado na consciência. Não saberão. Intuirão, se analisarem o seu procedimento em função das provocações que recebem. Se são ativos participantes da sociedade e se aceitam pacientemente todas as regras e normas (e não estamos referindo-nos às leis escritas, mas aos usos e costumes), terão evidenciado o seu desconhecimento das razões que os levaram a encarnar-se. Se, ao contrário, lutam desinteressadamente pelo aperfeiçoamento das diretrizes da vida em sociedade, se não se importam em não auferir grandes lucros materiais, se até acatam perdas nesse campo, se preferem ver o próximo melhor instalado, com recursos apropriados para a compreensão de que o ato da caridade em pleno amor é que deve pautar o comportamento, aí, com certeza, terão tido o dom de se persuadirem de que a verdade é que deve imprimir, ao curso da vida, o roteiro das atividades. Esse é o conhecimento essencial que deverá ser assimilado, para que tudo possa vir a dar certo, sem grandes sacrifícios, mas com profunda aplicação e abnegada dedicação.
Alteramos a escritura de hoje, deixando de lado qualquer depoimento que pudesse abrandar a secura da exposição teórica. Ao contrário do que habitualmente fazemos, vamos deixar aos leitores a meditação a respeito da própria vida, da de seus íntimos, da de seus companheiros e parceiros existenciais, sugerindo-lhes que promovam exaustiva perquirição dos campos abertos pela nossa visão, no favorecimento da análise do quanto seja amplo seu conhecimento da doutrina espírita, em confronto com a sabedoria adquirida nos embates da vida ou mesmo nos bancos escolares. Posteriormente, ao invés da investigação do aparato ideológico, que se parta para a evidência das motivações que provocam os impulsos que se transformam em ações e reações, no cotidiano viver. Em suma, que se busquem as causas de todos os atos, as molas íntimas que desencadeiam o procedimento, do ponto de vista da normalidade da conduta de cada um. Este verdadeiro exame de consciência, feito sem diretriz predeterminada, irá ter de configurar o próprio caminho, durante as descobertas que se irão fazendo. Não temos catecismo a ensinar, segundo o qual se possa traçar todo o roteiro da vida. O que sugerimos é que não se percam de vista os mandamentos das leis de Deus e as ternas palavras de Jesus, em sua recomendação áurea do amor ao Pai e ao próximo.
Que desse vasculhar possam vir a frutificar ações mais coerentes com os princípios evangélicos, principalmente no que respeita à influenciação sobre os espíritos em formação, para que as normas sociais mais deletérias venham a ser substituídas por estruturas mais próximas dos ensinos cristãos.
Eis o conhecimento, sua aquisição e sua aplicação, em tríade perfeita, se cumpridos os desígnios do Senhor.
Fiquemos todos nas abençoadas mãos de Jesus!







13

O ARREPENDIMENTO NUNCA É TARDIO





Quando, de pequenos, nós nos arrependemos de alguma coisa, quase sempre é por termos deixado de fazer algo. O intuito não é o de sanar qualquer falha moral, mas o de preparar-se o indivíduo para não mais deixar passar oportunidades de ganho. Assim, o pequerrucho arrepende-se por ter dado o doce ao amiguinho, ou a menina deixa descair o lábio porque assentiu em não participar da excursão. Para esse tipo de reação, há necessidade de que a criança tenha desenvolvido o senso de propriedade.
Com a repetição desse pequenos tremores movidos por complacência mal compreendida, pode-se configurar o mau hábito de se perturbar a criatura diante das decisões em que algo de seu se põe em risco. Tais pessoas podem fazer crescer certa instabilidade emocional, precisando de séria ajuda na análise do procedimento.
Mas o fato de ter-se arrependido de pequeno pode também gerar a instalação moral do princípio, de modo que há indivíduos que se consagram ao erro para terem do que se lamentar mais tarde. São eternos chorões, a lamuriarem a falta de sorte. Isto ocorre porque obtiveram sucesso com os primeiros lamentos, alcançando o agrado dos pais ou dos avós. Não lhes importa até perder algo valioso, se conseguem atrair para si a atenção que lhes faltava, o carinho e o afeto. Misteriosos são os caminhos da mente humana.
Os deslizes do adulto têm outra natureza, embora, em nível de reação e de comportamento, muito se assemelhem aos das primeiras idades. Maliciosamente, os mais velhos são bem capazes de suportar reveses bem grandes, no intuito de se aproveitarem mais tarde do conseqüente aparato de defesa que se erguerá em torno deles. Não é incomum encontrarem-se criminosos arrependidos, sinceramente, não por terem realizado a maldade, mas por se terem deixado apanhar. Outros se entregam, mas com o escopo de se encontrarem na cadeia com desafetos de quem desejam vingar-se. São pessoas completamente instáveis e imprevisíveis.
Para com todos, todavia, o Pai é misericordioso e prepara seu perdão, desde que se arrependam com honestidade. O arrependimento nunca é tardio.
Em que consiste arrepender-se? No sofrimento atroz pela ação praticada em descompasso com as normas morais. Tal sofrimento torna o ser desesperado, com vontade de desaparecer diante de si mesmo, ou de apagar as lembranças ou os próprios feitos.
É comum ouvir-se alguém apanhado em flagrante pronunciar a célebre frase:
— Agora não há mais nada a fazer. A bobagem já está feita!
Tais pessoas querem dizer que nada as comove e que não adianta arrependerem-se, pois não existe maneira de ressarcir os danos causados.
Puro engano. Sempre o arrependimento favorece o crescimento das virtudes pela rejeição do ato falho. Pessoas que têm sua reação pautada pela frase típica acima transcrita estão prontas para novo deslize, aproveitando cuidadosamente a lição aprendida, no sentido de se não deixarem apanhar novamente. Tantas vezes são surpreendidas, que cristalizam esse tipo de procedimento, tornando-se insensíveis às falhas e aos prejuízos. Muito mais terão do que se arrepender, bem a tempo de merecerem novas oportunidades.

Vamos ver se alguém do grupo se manifesta através do relato de caso ou situação particular, em abono às assertivas.
Um membro dos mais idosos é quem pretende comunicar sua experiência. Deixemo-lo à vontade.


Bons Amigos:
Sempre achei que chegaria a hora de mudar. Desde pequeno, na última jornada, pratiquei os atos mais desassisados que se possam imaginar. Foram tantos e tão graves que a só lembrança deles me põe em desarmonia. Devo dizer que me tornei criminoso perverso, mas tinha para comigo que chegaria o dia do arrependimento.
Minha vida foi longa e cercada de malfeitos. Aos sessenta anos de idade, ainda praticava os meus furtos, sem idéia de arrepender-me. Parecia-me que o espírito continuava lúcido como nos primeiros tempos. O corpo alquebrara-se mas não a ponto de provocar grandes dores. Por sorte, tinha a saúde boa e os músculos saudáveis. Não era o atleta da juventude, mas caminhava ereto, capaz de dominar os movimentos. Sendo assim, uma vez fora da prisão, corria para as antigas façanhas, para repeti-las inconseqüentemente: um dia viria o arrependimento.
Aos oitenta e tantos anos, imobilizado pela artrite, finalmente impossibilitado de praticar os atos espúrios de toda a vida, revia na memória tudo quanto fizera. Certa alegria íntima demonstrava-me claramente que, se pudesse, faria tudo novamente. O arrependimento? Ficava para depois.
Chegou o momento do trespasse. Sucumbi aos noventa anos. Parecia que adormecia lúcido para despertar em festa. Entretanto, a minha mente turbilhonou. Crente de que poderia prevalecer-me das postergações no plano da espiritualidade, de cara me vi diante de certos credores desditosos a exigirem a paga dos males que sofreram.
Vocês pensam que se deu o arrependimento por força das perseguições? De jeito nenhum. Enfrentei os oponentes com todas as armas que podia. Se não me visse superior em força, buscava escapulir, refugiando-me nas trevas para não ser apanhado. Nessa vida de infortúnios mais físicos que morais, vaguei durante alguns séculos. Parecia-me que sempre algo havia para fustigar-me a sentir-me apto ao engrandecimento de minhas atitudes. Não considerava a possibilidade da conciliação, e o mais que fazia era entreter-me em provocar malefícios.
Mas os males se esqueceram da parte dos inimigos. Mais espertos do que eu, um dia desapareceram de minha vista, completamente. Via-me só no fundo das cavernas. Aos poucos, fui notando que era hora de nova aventura no orbe. A lembrança dos perseguidores fazia-me sofrer por não tê-los arrastado comigo para as profundezas. Saí, então, à cata deles, pois imaginava que não seria difícil de localizá-los. De fato, dentro em pouco, verifiquei que muitos estavam vestidos de carne e em idade madura. Durante a vigília, sua vida transcorria normalmente, conforme os problemas que enfrentavam. Eu buscava prejudicá-los no que podia, embora bem poucos se sentissem mal através de meus eflúvios de baixa vibração.
Assustadoramente, durante o sono, quando me aproximava das vítimas, via-as modificadas, quase sempre prontas a me recomendarem moderação. Houve um que me indicou a necessidade de acompanhá-lo durante a vigília. Curioso, pus-me a segui-lo até que me vi preso, amarrado e amordaçado por seres do plano espiritual, que me fizeram fricções especiais para atenuar as reações estúpidas de rebeldia. Encontrava-me em centro espírita na condição de espírito sofredor.
Ao me darem oportunidade de falar, fui logo dizendo que não me arrependia de nada que havia feito. O amigo doutrinador perguntou-me se havia quem pudesse estar melhor do que eu. Concordei que era possível. Pois aí me disse que tais pessoas só conseguiram melhorar de condições por se terem arrependido. Eu que me compenetrasse dessa verdade.
Quando intentei retrucar, recebi as bênçãos do grupo, tive os movimentos liberados e fui conduzido para longe daquele lugar, para não perturbar o desenvolvimento dos trabalhos.
Eu queria discutir, brigar, provar o meu ponto de vista, segundo o qual, quando o arrependimento chegasse, poderia ter as mesmas regalias dos outros. Mas não havia quem me escutasse. Estava rigorosamente sozinho. Pela primeira vez, em muitos anos, sentia-me completamente desamparado. Pelo menos os meus inimigos deveriam agasalhar-me para o revide. Mas nem isso. Na crosta, quando me aproximava dos seres que um dia digladiaram comigo, era escorraçado pelos protetores.
Um belo dia, para concluir, surpreendi-me a lamentar-me por não ter contra quem investir. No fundo da mente ouvi claramente que meu maior inimigo estava ali juntinho: era eu mesmo. Que fizesse desse inimigo o alvo dos ataques, por força do hábito. Aceitei a sugestão e comecei a vergastar-me todos os males que via impregnados na consciência. Como me habituara a acusar e a perseguir os outros, era fácil de caracterizar o que, um dia, se constituíra em viciação, em má fé, em malícia, em imoralidade etc.
Esse jogo, de início, até que era interessante. Aos poucos, porém, fui caracterizando-me muito mais como acusado do que acusador, muito mais como vítima do que verdugo, muito mais como alvo do que flecha. Iniciava-se o processo do arrependimento.
Quando todo o sofrimento do mundo parecia ter-me sufocado a existência, arrependi-me, principalmente, de minha arrogância, de minha soberba, de meu profundo egoísmo. O que considerava lucidez nada mais era que facilidade de raciocínio, era brilhantismo intelectual. A força dos sentimentos estava embrutecida e só obtinha prazer na maldade que praticava.
Faz tanto tempo que não consigo volver ao plano da Terra que não me animei a investigar qual a causa material de minha infância, a qual, desapercebida de meus pais, deu origem ao processo de meu desajuste. Aliás, foram tantos os pedidos de perdão que tive de fazer que, claramente, se estabeleceu na consciência a convicção de que os males foram só espirituais. Nenhuma censura, portanto, estou em condições de fazer, já que há tempos nenhuma ouço, nem dos seres que prejudiquei, nem do próprio consciente.
Neste ponto do desenvolvimento, posso dizer que o arrependimento não foi tardio. Demorado sim, pois precisava pagar completamente todos os débitos. Tardio não, pois encontro-me feliz com a perspectiva de, finalmente, integrar-me ao socorrismo ativo, com plenas perspectivas de encarne regenerador.


O exemplo do amigo foi verdadeira aula. Que mais poderíamos acrescentar diante de tão clara exposição? Só a definição de que o princípio do arrependimento é válido desde logo, como recurso excelente para se começar a investigar as causas íntimas que promovem os atos. Se o arrependimento nunca é tardio, é urgente para todo aquele que se sinta titubeante diante da falência das virtudes.
Vamos resistir à tentação de sugerir aos irmãos que não se arrependam por terem vindo em nossa companhia até este ponto da dissertação, pois pode ocorrer que a brincadeira venha a se constituir em arrependimento para nós.
Que nossa despedida, portanto, seja no sentido do agradecimento da deferência da atenção e no júbilo de vermos o trabalho realizado. Perdoem-nos se algo tenhamos deixado incompleto, mas, por favor, não exijam de nós mais do que somos capazes de oferecer. Se assim procederem, não terão do que se arrepender e poderão usufruir a paz do Senhor.







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OS MAUS PENSAMENTOS





Pediu-nos o escrevente que dediquemos dissertação ao fato de muitas pessoas permanentemente estarem sob pressão de pensamentos que as levam a considerar-se menos dignas, pois surpreendem-se constantemente a avaliar a vida alheia de forma pejorativa, ou a suspeitar de que alguém não esteja procedendo em harmonia com os ditames das leis e dos costumes, ou a considerarem-se superiores em determinados aspectos etc.
Cabe-nos referir-nos aos fatos em apreço com responsabilidade, para não dar a impressão de que sejamos levianos a ponto de improvisar. Por isso, levamos alguns dias para atender à solicitação do amigo, tempo que destinamos à pesquisa e à discussão pelo grupo de alunos.
O resultado dos estudos e debates levou-nos à conclusão de que podem ser de inúmeros feitios as causas que provocam esses distúrbios intelectuais ou perversões emotivas, uma vez que é de duplo teor a origem das dissidências.
Desvios originados na mente, por recordações indébitas e inoportunas de fatos vividos ou presenciados, devem-se a degenerescências de caráter formativo. A lembrança de ocorrência que horrorizou ou de ato de que se arrependeu é despertada inopinadamente por algo que se associou mentalmente. É incontrolável mas não deve causar estupor ou preocupação. Da mesma forma que vem, vai embora. Basta não atribuir a esse tipo de manifestação intelectual qualquer ligação com as ações de caráter moral. Pensamos que este seja o tipo mais freqüente e a que se refira o amigo.
Quanto àquela outra forma desagradável de pensamentos provindos das emoções, aí é preciso estar mais atento às injunções de caráter espiritual, pois pode estar ocorrendo a conjunção de razões de ordem moral a evidenciar má formação de caráter. Quando se suspeita de que alguém não está agindo com ponderação e lealdade em relação a ela mesma ou a terceiros, quase sempre é por desconfiar de que a forma de seu proceder se aproxima demasiadamente do jeito que se reagiria em iguais situações. Quem usa, cuida, como diz o refrão popular. E assim é em relação a fatos de origem emocional.
Se a pessoa se deixa frustrar em suas expectativas de aproveitamento de oportunidades de ganhos, é porque elevou as esperanças a topo demasiado alto, ao nível das aspirações. Quando há perfeito entrosamento entre as partes, não há sonho a perturbar a realidade. Se algum escritor, por exemplo, pensar que irá escrever obra que o tornará rico, estará colocando a conseqüência do trabalho em ordem de prioridade inversa, pois, até chegar ao ponto desejado, haverá de trilhar longo caminho.
Assim ocorre com tudo na vida, mas, em geral, as pessoas vêem fantasmas onde há apenas sombras. O papel, portanto, do fator emotivo é deixar os indivíduos em paz consigo mesmos e não em guerra com o mundo. Se todos se compenetrassem desta verdade, não teriam olhos com que vasculhar os bens e os males alheios.
A raiva, a inveja, o ciúme, o rancor, o ódio e a prepotência são sombras a provocarem idéias de falsas interpretações da realidade. Se as pessoas tivessem a capacidade de bem analisar as más qualidades sob que agem, situando-as como empecilhos para seu bom desenvolvimento, não teriam tão constantemente representados no consciente pensamentos ruins e perturbadores.

Vejamos o que nos tem a dizer a respeito um dos companheiros.


Amigos:
Desde muito cedo na vida, busquei avaliar com precisão as posses das pessoas. Isto fez de mim miserável ser rejeitado pela maioria. Aonde quer que fosse, logo me apontavam como invejoso, ciumento e despreparado para a vida comunitária. Se o amigo possuía automóvel do último tipo, não descansava enquanto não conseguia superá-lo. Era a minha paixão. Era a minha dor e meu sofrimento. Não via a hora de aproximar-me das pessoas para evidenciar-lhes que fora capaz de conseguir suplantá-las em algo em que desconfiava estar sendo menoscabado.
Não tinha pressa em adquirir estabilidade diante das dificuldades que enfrentava e, por isso, julguei muito mal minhas disposições relativamente ao desenvolvimento moral. Velho já, pude constatar que a vida se perdera no pensamento de que deveria superar todas as pessoas que via progredirem. Apesar de muito rico, ainda assim sempre quis cada vez mais. Era tormento íntimo que ninguém conhecia. Mas o resultado aparente foi que me tornei alguém imensamente desagradável, incapaz de conversar a respeito de algo que não fossem negócios, empreendimentos e aquisições.
Em minha vanglória, encerrava todas as aspirações. A cabeça fervilhava sob orientação das péssimas emoções. Sempre que via algo que não possuía, era como se se acendesse na mente a candeia do desejo, não descansando jamais até conseguir. Pensava e pensava a melhor maneira de me aproximar daquela meta, até que satisfazia o desejo. Era, então, que me apresentava à sociedade de forma tremendamente desagradável.
Essa permanência em estágio mental tão primitivo, fui incapaz de superar. Ao final da vida, descorçoado de viver tão linearmente, busquei compreender a existência, para poder registrar algo de novo no cérebro. Era tarde demais para qualquer modificação. Mesmo quando achava que estava totalmente errado, buscava justificar-me através das desculpas mais desarrazoadas. Agia por esta ou aquela forma, devido a este ou aquele motivo... Para tudo arrumava explicação e não pensem que diante de alguém a me acusar: era mesmo perante a consciência.
Ao aportar deste lado, tive a desventura de me ver totalmente desprovido de qualidades, sequer para participar do grupo familiar. Durante muito tempo, errei pelas trevas ou me senti empurrado de um lado para outro, sem paradeiro. A história dessa fase da existência é muito dolorosa, mas revelou-me a causa das atitudes no orbe: é que precisava justificar vários encarnes em que submeti as pessoas a pressões tremendas, diante da responsabilidade de responder por atos falhos praticados. Fui juiz de direito e exigia de todos o cumprimento integral dos compromissos sociais e de vida. Quando me deparei mero comerciante, a idéia de que tudo deveria obedecer ao princípio da equanimidade surpreendeu-me sem base na realidade moral. A exigência relativa aos semelhantes se transformou em simples reclamo de justiça pessoal. Era a acomodação da personalidade, difícil de ser reconhecida quanto às causas, mas perfeitamente analisável do ponto de vista espiritual.
Se tivesse aplicado a inteligência à percepção de que os males que praticava se originavam da péssima formação do caráter, com certeza não teria resvalado para tão absoluta inutilidade.
Agora sei o que se passou comigo, após ter refletido maduramente, com a ajuda de diversos orientadores, penalizados com minha angústia. Não fora criminoso a prejudicar outras pessoas, de modo que inimigos, propriamente, só os que trouxera de anteriores encarnes. Mas a irresponsabilidade cármica, se assim posso denominar a insegurança com que tratei os pontos mais sérios da vida, tornaram-me ser desprezível diante de minha consciência. Esfarrapado moralmente, fui admitido no grupo que ora me anima a prosseguir na pesquisa da realidade íntima, certo de que não tardará o momento em que me verei de novo a debater-me contra a fixação de idéias a serem perseguidas por injunções emotivas. Desta vez, contudo, espero que estejam na base dos pensamentos as noções do amor, da bondade, da benquerença e da caridade.
Não sendo de hábito estender-me tão demoradamente a respeito de qualquer tema, simples sofredor que me considero, peço aos amigos desculparem-me este depoimento, escrito sob a influenciação das emoções que me levaram a perceber o quão rude sempre fui. Não fora a bondade dos instrutores e a paciência do escrevente, e não teria chegado a bom termo.
Fiquem todos nas graças de Deus!


Realmente, os dizeres do amigo não se justificam perante o fato de ter sido juiz de direito em diversas encarnações. Para que se perturbasse a ponto de não se controlar intelectualmente, é porque, deveras, o sofrimento de que se viu acometido deve ter sido ponderável. Oremos para que todo o bem que eventualmente tenha realizado possa preponderar em seus pensamentos, de sorte a fazê-lo acreditar em que não está perdido para o socorrismo.
Independentemente do relato, antes de encerrar, queremos enfatizar o fato de que as idéias que vão surgindo sem serem convidadas e que nos parecem extremamente prejudiciais podem ser transformadas, pela reflexão, sabiamente, em motivações a que nos dedicarmos com proficiência, para a elucidação dos possíveis problemas que estão a revelar de forma enigmática. Se tivermos coragem de nos referir a elas, especificamente, abrindo-nos diante da consciência, na falta de amigo experiente ou de psicanalista, talvez obtenhamos preciosos informes para aprendermos a nos conhecer. Talvez esteja na análise desses fantasmas a solução para os problemas de nossa personalidade espiritual.
De qualquer forma, todavia, método infalível para eliminar todos esses problemas é envolver-nos em atividades de benemerência, na busca de complementar as áreas das preocupações com pensamentos que possam oferecer proveito para alguém. Em último caso, quando nada temos para fazer, em momentos de íntimo relaxamento, que procuremos efetuar leituras de caráter edificante, indo em busca de conhecimentos em nossa área principal de interesses. Deixemos as obras de cunho técnico de lado, se não estamos dispostos a enfrentar assuntos demasiado áridos. Leiamos até depoimentos pessoais ou mesmo a literatura de ficção espírita, mas não nos percamos em sonhos, em quimeras, em fantasias inúteis, que só colocam o eu na ordem do dia.
Em suma, ocupemo-nos, não dando trégua à ociosidade perniciosa que é quando o pensamento vaga absorto, aberto às más influenciações. E jamais atribuamos qualquer péssima idéia a qualquer entidade malévola. Mesmo que sejamos claramente vítimas de obsessores, nunca esquecer de que somos inteiramente responsáveis por tudo quanto nos passa pela mente. Sejamos dignos de receber as intuições que nos arrastarão pela senda do amor de Deus e do próximo, isto sim, pois ficará claro que não estaremos rejeitando simplesmente os maus impulsos, mas que procuramos fazer com que nossos inspiradores revertam a tendência ao mal em benefício de seu progresso.
Chegados a este ponto da exposição, resta-nos declarar que o trabalho em prol dos semelhantes, qualquer seja a esfera em que se situem, será o bom resultado da correta aplicação da capacidade intelectual e sentimental.







15

A AJUDA ESPIRITUAL





Quando o jovenzinho ainda não adquiriu consciência do universo, dependendo dos pais para tudo na vida, dificilmente terá necessidade de ser ajudado pelos amigos da espiritualidade encarregados de sua assistência.
Há casos, porém, em que tal auxílio é necessário, principalmente quando o encarne se inicia sob graves riscos de prejuízos materiais ou morais. Assim, há crianças que são estupradas, feridas, magoadas, sem terem sequer noção dos problemas que deverão enfrentar mais tarde. Para esse tipo de maltrato, as entidades estão aptas a atenuar os efeitos morais ou psicológicos que poderiam afetar as crianças. Não se trata de preparação para melhor compreensão dos eventos na idade da razão. Aí as pessoas saberão arcar sozinhas com os pesos cármicos que terão de transportar. Mas, no período da infância, tudo que se possa fazer para amenizar a sobrecarga das penas, os seres encarregados da proteção o farão.
Exemplo típico pode ser extraído de quando a criança é atacada de cegueira. Desde logo, apresentam-se-lhe visões dulcíssimas de regiões esplêndidas, de modo a compensar a ausência da paisagem, extremamente importante para o equilíbrio mental. Se algum dos leitores estiver neste caso, fazemos questão de que confirme aos amigos a verdade das assertivas, principalmente se esteja bem lembrado das características das visões interiores.
Ao surdo, ao maneta, ao estropiado, ao débil, a todos os que sofrem rudes impactos, igualmente, são propiciadas condições de superação, pelo menos da dor imediata. A própria natureza humana prevê compensações de caráter psíquico, de sorte a promover o desenvolvimento de qualidades outras para o contrabalançar da falta de certos dons perdidos.
Assim, é natural que haja, no plano espiritual, atividades intensas de ajustamentos e reajustamentos unicamente de caráter consciencial. Não se trata de ajuda no campo material, nem moral, nem filosófico, nem de qualquer espécie providenciável pelos companheiros encarnados. Trata-se de medidas compensatórias, no sentido de permitir ao infelicitado que mantenha equilibrados os pesos na balança, especialmente se as vítimas se acidentaram sem que houvesse programação da perda no rol dos atributos, das provas ou das exigências a serem cobradas para o encarne vigente.
Acreditar, portanto, em que haja total definição de cada particularidade física ou psicológica deve ficar condicionado às eventualidades, pois o que ocorre às pessoas nem sempre condiz com o roteiro estabelecido. No entanto, é preciso estar ciente de que há válvulas de escape, mesmo quando o organismo não está munido de recursos para superação dos males.
Em casos extremos, a sobrecarga advinda dos acidentes é tão penosa que até a extração do indivíduo do seio da comunidade é possível. São situações de infelicidade total, quando o desenlace se permite, com a anuência de todos os técnicos e protetores que dão cobertura à associação familiar em que está inserido o sujeito.
Evidentemente, resta considerar a morte extemporânea, não prevista na ficha dos eventos obrigatórios, o que irá impedir de a pessoa completar os encargos. Diante da imponderabilidade das circunstâncias adversas, pode o sujeito lucrar para o aprendizado de diversas lições, se se aproveitar do fato para serena análise das condições existenciais e vitais, favorecendo, a rigor, o conhecimento de si mesmo e de suas necessidades cármicas. Poderá transformar o que foi um mal em bem, o que depende do nível de desenvolvimento de cada um.
Em cada situação, sempre se encontrará o auxílio conveniente, na hora certa, bastando as pessoas estarem atentas, para não mergulharem em deploráveis condições de rebeldia, de insatisfação ou de desgosto. Havendo confiança em que Deus é pai misericordioso, a paz íntima que se estabelece na consciência reporta ao indivíduo a necessidade da obtenção da participação dos amigos designados para o mister do esclarecimento e do apoio.

Vejamos se alguém da equipe deseja fazer uso da palavra para relato oportuno e esclarecedor.
Há uma amiga preparada para a psicografia. Ouçamo-la.


Meus Irmãos em Jesus,
Saudações.

Venho trazer-lhes a minha mensagem de amor e respeito. Ouvindo as sábias palavras dos mestres, senti-me confiante para apresentar-me diante do público, para testemunho de amor. Sei que a responsabilidade das informações de que sou portadora é imensa, por isso, previamente, encareço a necessidade de se prestar bastante atenção ao meu exemplo de vida, pois tenho reparado que os amigos nem sempre trazem para a exemplificação casos com características totalmente adequadas para o tema em pauta. O meu exemplo poderá vir a ser enquadrado, inadvertidamente, nesse mesmo aspecto, embora tenhamos analisado sua realidade e concordado em que plenamente satisfaz as premissas.
Quando era bem pequena, sofri verdadeiro massacre das pernas. A medicina da época não estava adiantada, de sorte que foi incapaz de restabelecer convenientemente todos os movimentos. Readquiri o poder de locomoção, mas capengava a cada passo, pois ambas as pernas se viram seriamente afetadas.
Meus pais quiseram responsabilizar o motorista do ônibus, mas pouco puderam fazer, pois o infeliz desencarnou no acidente. Muitas vibrações ruins foram, então, enviadas ao etéreo, pois a criança querida, meiguinha e carinhosa, transformara-se em monstrengo horroroso, com cicatrizes no rosto e o trejeito desarmônico, a lembrar o caminhar pesado de certos símios, quando se atrevem a movimentar-se no solo só com as pernas. Acrescia a tudo isso a cor escura da pele, repelente condição racial para quem convivia em vizinhança discriminatória.
O acidente ocorreu quando contava quatro aninhos. Não tinha, portanto, noção de nada que pudesse representar perigo para a psique, no roteiro da vida.
Àquela época, não podendo contar com os recursos dos bons hospitais, fiquei entregue à própria sorte. Os meus pais, diante da desgraça, se condoeram de minha infelicidade, mas parecia-lhes que me tornara grande peso para carregarem, o que os fez pensar em me deixarem ao léu. Na hora da escola, fiquei escondida em casa.
Aos dezoito anos, tendo perdido toda a adolescência e não tendo amigos com quem partilhar minhas ilusões, era verdadeiro molambo a caminhar desajeitadamente de um cômodo a outro, na pequena casa onde morava com meus pais e irmãos. Dada minha habilidade com os apetrechos da cozinha, desde cedo assumi a responsabilidade das refeições, de modo que me tornei útil para a família. Mas, naquela idade, outras aspirações começavam a me encher a mente de ilusões.
Meus pais estavam bem jovens e fortes, quando minha mãe sofreu grave tombo, batendo a cabeça numa pedra, vindo a falecer. Aí meus compromissos para com os familiares aumentaram, o que me fazia, cada vez mais, acreditar em que a casa significava verdadeira prisão.
Meu pai, vendo minha crescente tristeza e melancolia, com esforço sobre-humano, conseguiu levar para casa aparelho usado de televisão, para me dar algum motivo de distração. Foi a pior coisa que poderia ter inventado. A representação da vida das telenovelas, ao invés de me proporcionar o derivativo esperado para a imaginação, constituiu-se em verdadeiro martírio, pois tudo o que se passava com os heróis e heroínas transferia para a minha condição de vida.
Para resumir. Em pouco tempo, dei sinais de insanidade, de modo que pus em perigo a vida de todos. Não sabendo o que fazia, coloquei formicida na comida e trouxe comigo para este lado três irmãos e meu pai. Era a pior conseqüência que poderia ter ocorrido por ter sofrido anos antes aquele terrível acidente, em que perdi a condição da normalidade.
A polícia apurou o fato e concluiu que me havia enganado com os ingredientes. A verdade é que fiz sabendo bem que iria provocar graves conseqüências. O que não imaginava é que todos iriam morrer. Na verdade, não tinha exata noção do que poderia ocorrer. O que eu queria era livrar-me daquela condição penosa.
Estranhamente, ao chegar deste lado, fui encaminhada de pronto para hospital de recuperação de suicidas. Tendo agora certa perspicácia espiritual, posso acreditar que o sofrimento estava no extremo mais elevado da possibilidade humana de suportar. É como se o suicídio e os vários homicídios não contassem moralmente; só tecnicamente. Não havia em meu retrospecto nada que me orientasse para carma tão doloroso diante das expectativas humanas. Parecia até que houvera enorme equívoco em me serem determinadas aquelas provações.
No entanto, nos últimos anos de vida, havia sucumbido à infelicidade da condição física. Ao iniciar-me no período da análise e do raciocínio, as tragédias e dores subseqüentes acumularam-se para o efeito da desarmonia mental, de forma que a conseqüência representada pela insanidade e tresloucada ação suicido-homicida foi tida na conta de mero efeito natural. Era como se fosse a deslocação de pedra no alto do morro, a qual só poderia apresentar como resultado a destruição de vários barracos à sua passagem. Eu fui moralmente inocentada.
Neste momento, os caros irmãos devem estar a perguntar-se onde estavam os protetores e de que natureza foi a ajuda que me prestaram. Eu mesma não sabia definir com precisão o ponto em que fui atendida espiritualmente, até que me esclareceram que a reclusão em casa significou período de ensimesmamento necessário, para compenetrar-me de que a vida exige dos seres humanos a condição do sacrifício. Só o conhecimento das atividades pregressas é que daria a exata noção de que a necessidade cármica era exatamente aquela. Quando despertei para a verdade da vida, pude verificar que a programação previa momentos de separação do ambiente social. Não estava, evidentemente, impresso lá que sofreria este ou aquele acidente e que deveria ver a morte trágica de minha mãe, nem que iria enlouquecer e matar-me ou a meus parentes. Cada qual tem a sua ficha anotada e cada um está a merecer dos protetores a atenção de que necessitam. Eu é que pude observar que a minha curta vida representou, finalmente, por conjunções estranhíssimas, ganho de tempo, pois se não me transformasse no monstrengo asqueroso que fui, com certeza teria exaurido a peregrinação com insuficiências de aproveitamento.
Graças a Deus, minha rebeldia se concentrou nos aspectos materiais, não tendo jamais julgado o Senhor severo demais ou injusto. Quando o peso estava tornando-se insuportável, perdi a razão, procedendo inconseqüentemente por injunção da ignorância e da pobreza do ambiente em que sobrevivia. Se isso não foi ajuda espiritual, então, muito deverei crescer em conhecimento para perceber onde é que errei na interpretação.
Espero receber dos irmãos as orientações pelo que não fui capaz de compreender.
Fiquem todos nas graças do Senhor!


A irmãzinha ocupou a pena do escrevente para demonstrar o quanto o ser humano pode estar sendo ajudado, mesmo em condições de aparente abandono. Aquilo que poderia estar dando a impressão de inútil e vazia condição vital era, na realidade, a configuração da vida necessária para seu espírito.
Pensamos que dificilmente os leitores chegarão a entender plenamente a postura moral que a companheira adquiriu, em virtude de tantas peripécias desagradáveis, mas esperamos que, aos poucos, a narrativa vá ganhando terreno em sua sensibilidade, de forma a constituir-se a experiência em lição de vida na qual se possam espelhar, para não terem de colher sofrimentos similares, em iguais condições cármicas. Esperamos que os irmãos saibam enxergar no exemplo dado o seu caminho, de sorte a não necessitarem da experimentação dolorosíssima de passagem física de mesma envergadura. Oremos todos para que a palavra da irmãzinha se constitua em verdadeira ajuda espiritual de que estamos sempre necessitados, evitando-nos existência na carne dificultosa e atormentada.
Eis que nosso objetivo se declara, pois não há para nós, seres do etéreo, nada mais importante do que trazer aos encarnados a advertência, o exemplo e o estímulo, para que se superem as deficiências e se criem condições de ascensão em felicidade ao reino do Senhor.







16

A ENVERGADURA DE SANSÃO





Estranhará o título o amigo acostumado às nossas investidas no campo da investigação psicológica correlacionada aos aspectos específicos dos componentes espirituais da personalidade. Evidentemente, não estamos propugnando medição material de todo aquele que tiver o físico avantajado e bem constituído, mas, preocupados com o desempenho moral, desejamos ver o leitor apto a bem diferenciar as pessoas segundo a força de vontade que sejam capazes de aplicar, no sentido de transformarem o seu viver em algo útil para a sociedade e, por via de conseqüência, para si mesmas. Em outras palavras, o vigor moral é que constituirá a base do julgamento de qualquer ser, encarnado ou não, o que poderá ser eficazmente medido através dos seus atos de benemerência, de auxílio, por amor ao próximo.
Sansão foi por Dalila colocado na condição de simples mortal, porque sua força se encerrava na cabeleira. Tosada a juba ao leão, transformou-se em carneiro. Nossa veemência exortatória se situa em ângulo muito outro, pois o desejo físico deve condicionar-se aos aspectos da edificação moral necessária para tornar o encarne proveitoso. Se Sansão, verdadeiramente, estivesse imbuído dos ideais que pregamos, não sucumbiria à tentação, não se deixaria arrastar pelos encantos de Dalila, não lhe possibilitaria condições de desprovê-lo de suas virtudes; bastava que soubesse avaliar com perfeição a fisionomia moral da parceira, conduzindo-a, se possível, para a linha de conduta que faria dela ser digno de respeito.
Mas Sansão não nos serve de exemplo tão-só pelo mal que não soube evitar por pura ignorância; servirá também para demonstrar a grandiosidade da perversidade de quem não soube perdoar e não admitiu a possibilidade de vir a resgatar para o amor de Deus os inimigos, os adversários filisteus do povo judaico, pois, readquirida a potencialidade física, fez esboroar o templo com a derrubada das colunas mestras, matando aos que lá se achavam e terminando por matar-se. Eis a que ponto chegou a insensatez daquele que não foi capaz de ver além dos interesses imediatos da raça, esquecido de que toda a humanidade é quem deve receber o auxílio de cada um de nós.
Cada ser humano pode vir a ser um bom Sansão, com maior força e poder; basta que aja serenamente, seguindo pari passu as recomendações cristãs contidas no evangelho de Jesus.
Desde a mais tenra idade, as figuras do homem forte e da mulher bela se ajustam nos meninos e nas meninas. O ideal físico se estabelece a partir da inoculação da vaidade, por intermédio dos pais e demais parentes. Às vezes, a criança não tem qualquer atrativo particular, mas é incentivada a considerar-se apaniguada pela formosura dos deuses. Há tantas qualidades morais para enobrecer o caráter, mesmo que sob o influxo do estímulo caridoso dos pais, mas as atenções se situam, na quase totalidade dos casos, no incentivo ao orgulho, ao egoísmo e à vaidade.
Se os pequenos forem mais vezes recompensados por agirem como pessoas bondosas, desprendidas, amorosas, certamente desenvolverão mais facilmente as qualidades de caráter que lhes facilitarão a compreensão das virtudes desde logo.
Se o rapazinho deixa os amiguinhos, os primos e demais companheiros brincarem com seus carrinhos, com suas bolas e demais geringonças que fazem a delícia da imaginação infantil, que tal dar a ele também a alegria de ser reconhecido como bom, dócil e cordato? Em caso contrário, merece censura, mas no sentido de enaltecer a virtude como meta a atingir.
Sabemos o quanto é difícil para os pais vigiarem o crescimento dos filhos desde a mais tenra idade. Quase sempre se ausentam de casa, deixando os petizes sob os cuidados dos avós ou da parentela próxima ou dos fâmulos. Mas a responsabilidade é inalienável, de sorte que qualquer desvio do padrão de comportamento evangélico correrá por conta dos progenitores, salvo quando há clara influenciação das tendências atávicas, o que se constituirá em caso evidentemente clínico.
Desde logo, estamos atribuindo aos pais a necessidade de cuidarem dos filhos, porque faz parte das tratativas espirituais. Sendo assim, é bom que o leitor se convença de que, se for o caso, deve providenciar de sua parte para que filhos e pais se unam em harmoniosa convivência, para o compromisso da educação.
Se bem estamos fazendo-nos entender, deve ter ficado claro que casos há em que não existe possibilidade de tornar os pequenos perfeitos. Mas sempre haverá a oportunidade de se desenvolver o máximo esforço e concentração para a obtenção do melhor resultado. Aos poucos, o prazer das respostas positivas irá constituindo-se no incentivo dos pais, de forma que as crianças é que se tornarão o troféu a premiar-lhes os esforços e sacrifícios. De resto, isto é bem verdade mesmo quando o resultado final é a simples configuração de se ter conseguido Sansões e Dalilas saudáveis e robustos. O que desejamos é condimentar um pouco mais, acrescentando como princípio necessário o fornecimento de todo o ideário cristão.
Há anos atrás, esta exortação encontraria pais céticos quanto à eficácia desses ensinos. Se nos lembrarmos de épocas mais remotas, o contrário é que se daria: seríamos ridicularizados por pregar algo que estava na formação moral e intelectual de todos, embora muito do que se ensinasse às crianças viesse acompanhado de crendices e ameaças bastante desastrosas para a formação religiosa e, portanto, moral. Hoje, quando há mais interesse em se conhecer os limites psicológicos, intelecto-emotivos, das crianças, sentimos que nossas palavras merecerão melhor consideração.
Resta-nos referir-nos aos elementos espirituais envolvidos nesses tópicos. Para quem prestou atenção nas entrelinhas, deve ter ficado evidenciado que qualquer ganho, no sentido do procedimento moralmente elevado, será creditado junto aos dons de virtude com que se apartará da vida a criatura. Sendo assim, pais e filhos bem sucedidos, nesse aspecto do relacionamento, obterão da vida o coroamento dos planos de reencarnação.
Insistimos, pois, em que não devem os pais desejar fazer dos filhos só atletas ou manequins, incentivando-os fundamentalmente para o materialismo predominante na sociedade atual. Menos ainda o estímulo deve concentrar-se em torná-los ricos ou meramente felizes, no sentido de que só consigam alegrias e venturas. O importante é dar-lhes a noção exata dos deveres e obrigações cármicas, o que poderá incluir a necessidade do sacrifício e do desprendimento, pois viver para o semelhante é objetivo que nem mesmo espiritistas dos mais convictos conseguem passar com clareza para os filhos, principalmente quando ainda pequenos e aptos a se deixarem influenciar com maior facilidade.
Eis que estamos cheios de dedos, temerosos de enfrentar a turbulência mental de quem se vê embaraçado diante de possíveis acusações conscienciais. Todavia, é preciso que todos os temas se desenvolvam no âmbito do currículo escolar, e a indicação de que algo possa não estar correndo segundo os critérios estabelecidos pelo encarnante é tópico de rigor.

Eis o testemunho de uma de nossas irmãs.


Bons Amigos:
Venho contar-lhes a respeito de minha derradeira passagem pela Terra. Não sei como principiar, se pelas dores, se pela felicidade de ter conseguido alcançar plenamente os desideratos do encarne.
A nível de dores, precisei sentir o constrangimento de séria moléstia epidérmica, que me acompanhou durante a vida toda. Mal saía de uma afecção, era acometida por outra, de modo que, de erisipela em erisipela, perlustrei todos os passos em sofrimento.
Mas a mente se encontrava aberta para a palavra do Senhor. Desde tenra infância, talvez por dó, dada a condição de inferioridade, talvez por amor transubstanciado em dever, meus pais me fizeram ouvir as histórias mais bonitas da Bíblia. Acostumada com esses contos de felicidade etérea, de esperança em porvir venturoso, pois só narravam para mim as façanhas que resultavam em venturosa harmonia, pude fazer da vida idéia bem próxima do ideal de encarne mais proveitoso.
Na idade da razão, quando era capaz de inferir, por conta própria, tudo o que pudesse representar de virtude a que deveria consagrar-me, dediquei-me aos espiritismo e lutei para que os meus também se inteirassem das verdades do carma e da superação pelo trabalho, por amor do próximo.
Durante mais de trinta anos, destinei todo o meu ser aos infelizes que se espojavam na dor do pênfigo foliáceo, das chamas do fogo-selvagem a devorarem a alma dos que se sentem desamparados pelo Pai, em virtude do extremado sacrifício que lhes é exigido, durante a expiação dos débitos. Quando, entretanto, se faz a luz e se percebe que tudo gira em torno da necessidade do resgate, fica bem mais fácil produzir para o infeliz a impressão de que há atenuantes a aliviarem as atrozes sensações de abandono. São poucos os que, verdadeiramente, conseguem visualizar consciencialmente a presença dos protetores espirituais; mas são muitos os que se fiam na palavra do Senhor, quando garantiu aos apóstolos que bem-aventurados seriam os que não vissem e acreditassem mesmo assim.
Sei que estou, de certa forma, desviando-me da temática corajosa levantada pelos mestres para o debate da equipe. Mas, se bem ponderarmos o que se passou comigo, poderemos concluir que, de qualquer forma, se poderá vislumbrar, no relato, a mesma força e disposição que se exige de quantos se encontram em situações adversas, quaisquer sejam os percalços e sofrimentos que deverão suplantar.
Ficaremos, amigos, com a impressão do sofrimento? Decerto que não. Vamos referir-nos à felicidade. Para cada sorriso de agradecimento, para cada afago de mão, para cada lágrima de alegria pela compreensão da misericórdia e bondade de Deus que alcançava extrair dos pacientes e companheiros, era como se desabrochasse, em meu canteiro de amor, florzinha de felicidade. Não sei quantas orações rezei pelos amigos em angustioso transe, mas a verdade é que, naqueles momentos de sublime êxtase diante do Pai, me sentia transportada para o paraíso, como se em presença de Jesus e de Maria, sua dulcíssima mãe, me visse alteada e justificada.
Hoje, transcrevo para estas folhas a recordação dolorosíssima do sofrimento de quantos necessitaram passar pelo crivo da dor, mas me sinto recompensada e reconfortada por saber que, cada vez mais, há pessoas que ascendem ao Senhor pelo muito de amor e de compreensão de que se deixaram envolver, naqueles momentos em que suas almas se purificavam e se davam em louvor a Deus.
Volvendo o olhar para a Terra, sou capaz de divisar o grande número de seres em vias de serem tragados pelo sofrimento, por estarem a pique de realizações malignas. São pessoas desequilibradas, sem o hábito do raciocinar espiritual, sem confiança em Deus e em seus atributos. São seres embrutecidos na matéria, pois só o que compreendem é a força dos que se submetem e a fraqueza dos que se vêem subjugados.
Esse sistema de considerar o mundo não é o que melhor se coaduna com as reais intenções da existência. Quando o ser humano não é capaz de ultrapassar os meros limites das sensações corpóreas, não faz jus à inteligência que lhe foi dada pelo Senhor no ato de criação. Mais tarde, hão de se arrepender, como tantos que vimos embaraçados, diante da constatação da veracidade dos fatores espirituais. Aí começam a análise dos crimes e perversidades, para que o desvio de conduta os levou. Sentem-se diminuídos diante de si mesmos e se vêem na obrigação de se punirem por meios agudíssimos, como a febre que descarna ou o pus que decompõe.
Queridos amigos, não há que titubear diante dos males físicos: quer signifiquem provação, expiação ou tormento, que não sejam jamais julgados para além do que realmente são, ou seja, a necessidade da purgação das ofensas.
Eis que algumas lágrimas insopitáveis me vêm aos olhos, pelo desatino dos irmãos. Quão pequenino ser me considero, por não poder levar a cada um o conforto da solidariedade, embora reconheça que meios me estão sendo proporcionados para efetuar a demonstração de que Deus é pai de misericórdia. É que, medindo por mim, sei que a humanidade seguirá enceguecida rumo ao seu destino de dor. Aí, por não ter sofreado os péssimos impulsos, se dará o arrependimento e o reconhecimento da culpa e da falta de prudência. Mas, como para Deus nunca é tarde, terá a oportunidade renovada de conseguir recambiar-se para a senda do bem. Oremos para que esse momento esteja bem próximo para todos os irmãos.


A querida amiga julgou-se bastante infeliz em sua explanação. Começou com ímpeto mas, aos poucos, foi avaliando que o texto que preparara não se coadunava precisamente com o teor da nossa exposição. Poderíamos ter sustado a psicografia, não permitindo ao leitor entrever as falhas dos caros alunos, entretanto, à vista da realidade das aulas, achamos que não teríamos o direito de ocultar a nossa condição de seres imperfeitíssimos, muito embora o teor das palavras possa fazer supor o contrário.
Aos caros amigos, devemos deixar bem registrado que tudo o que nos ensinam os mestres não significa, exatamente, a pregação que deveremos realizar, mas a lição que temos de aprender. Sendo assim, como a nossa atitude deve ficar bem clara e explicitada, solicitamos que nos perdoem e relevem as imprecisões temáticas.
Ao cabo de tudo, que nos reste a impressão de estarmos sendo úteis, da mesma forma que requisitamos a dedicação de todos às tarefas do socorrismo, sob a égide da solidariedade e do amor de Jesus.

Não foi a amiga verdadeiramente um Sansão a derrotar os inimigos da dor e do sofrimento? Pois sua força de caráter não representou os ganhos que preconizamos que fossem conseguidos através da formação moral proporcionada pelos pais? Então, não há dúvida de que seu exemplo vivido configura inteiramente a ilustração que desejávamos para nosso desenvolvimento, até, inclusive, sem a derrota moral do herói-gigante ao final da vida, uma vez que a benfeitora do fogo-selvagem conseguiu adquirir méritos para volver em paz ao plano da espiritualidade.
Se tem defeitos e os reconhece, ainda melhores serão os nossos elogios, só que não podemos aceitar-lhes as lágrimas como representativas de imperfeição, mas de modéstia e humildade.
O grupo se uniu para deliberar a respeito do exemplo de vida e nenhum integrante considerou-se com igual envergadura, elegendo a companheira como a que melhor se definiu como o ideal próximo a ser conquistado. Vamos, pois, encerrar este longo argumento, recomendando aos amigos que se espelhem na vida relatada, para poderem dizer-se apaniguados pela felicidade de ter servido ao próximo com desinteresse e amor.







17

O CADARÇO





As presilhas mais modernas contam com melhor estrutura para facilitar o trabalho de se deixarem bem fechados os sapatos, tênis ou simples sandálias. Houve um tempo, entretanto, que, obrigatoriamente, os pais tinham de amarrar os cadarços para fixarem nos pés dos filhos os calçados. De resto, ainda agora o uso do velcrom ou dos botões nos sapatos das crianças não está tão generalizado que não mais se encontrem pessoas com a necessidade de efetuar o trabalho pelos filhos, até que estes aprendam a se desvencilhar sozinhos dos apertos.
Pois aí está tema de interesse para que os pais concentrem sua ponderação: a habilidade motora e perceptiva que devem fazer os filhos desenvolver.
Nem toda criança vem ao mundo com perfeita noção do que se espera dela, ou seja, não se ajusta ao aprendizado por força de perturbações graves no sistema neurológico. A maioria, porém, responde aos estímulos com graça e precisão, sorrindo quando solicitadas, apanhando o dedo que lhe é oferecido, endereçando o olhar para donde vem o incentivo sonoro etc.
Se fôssemos desenvolver todos os recursos que a moderna prática pedagógica possibilita aos pais, faríamos obra propedêutica de larga extensão. Mas não nos interessa facultar aos encarnados qualquer facilitação quanto ao que se possa obter do mundo material. O que nos importa, deveras, é referir-nos aos aspectos morais de caráter espiritual que cingem os problemas.
Desde o título, referimo-nos ao problema da amarração dos cordões do sapato, tomando-o como símbolo da dissertação. Na verdade, a habilidade em amarrar para prender pode significar a necessidade de se propor, desde cedo, aos petizes que sejam capazes de prender, de forma correta, os sentimentos ao carma, isto é, que cada qual vá habituando-se com pequenas inferências de caráter intuitivo, mas sérias e responsáveis. Assim, quando o bebê se sente amparado no colo dos pais, deve ser-lhe colocado que há atitude coerente com a sua manifestação. Se chora, após mamar, imediatamente deve sentir que há interesse dos que dele cuidam de resolver o problema que o atormenta e do qual o choro é sinal.
Evidentemente, o exemplo é por demais simples. Quando a criança ainda não tem condições de refletir, na verdade, deve saber examinar as circunstâncias do ponto de vista emocional, a partir da serenidade que os pais possam transmitir.
É por demais comum as pessoas se sentirem lesadas pelo chorar convulsivo dos pequenos, logo após terem sido cuidados e alimentados, agitando os bebês com sofreguidão, no intuito de transmitir-lhes o sentido de revolta e rancor de que se deixam possuir. Desse modo, o problema, que poderia resumir-se em dor de estômago, em alfinete aberto, em pressão exagerada de alguma peça de roupa, em necessidade de regurgitar, passa a conter o componente da repulsa física e espiritual, pois, a par da agitação material, é bem possível que ondas mentais adversas possam estar sendo passadas para os pequerruchos, cuja capacidade de absorção dessas comunicações é extremamente desenvolvida. Desse modo é que se dá a perturbação espiritual do relacionamento entre os seres reunidos sob o mesmo teto.
Dito isto, pode parecer que estamos a nos referir tão-só às pessoas que possuem poder econômico elevado, para oferecer tanta atenção aos pimpolhos. Mas é exatamente nos lares mais pobres que as piores conseqüências se sentem neste campo novo que estamos abrindo à investigação e ponderação do leitor.
Quiséramos desenvolver com maior rigor este ponto, cuja importância reputamos superior, mas fenece-nos o poder de transmissão em termos lógicos, coerentes com o grau de desenvolvimento dos conhecimentos terrenos, a respeito do entrelaçamento vibratório-energético, a nível do relacionamento espiritual entre as pessoas. Como não desejamos deixar a impressão de que estamos incitando à fantasia ou à crendice, por terem as informações origem mediúnica, devemos alertar os pais que o fenômeno existe e tem repercussões sérias no grau do amor verdadeiro que se quer deixar registrado na psique infantil, com relação aos desvelos que os pais dedicam aos filhos.
É corriqueiro ouvir as pessoas dizerem que não sabem por que ocorre tal ou qual fato em suas relações pessoais. Referem-se a certos arrepios ou suspeições; que não se enganam com o fato de terem certos indivíduos como desfavoráveis para sua felicidade. Sentem a ojeriza, a antipatia, por meio de mal-estar indefinido, às vezes até a distância, embora sejam incapazes de levantar qualquer sério desajuste comprovado por atitudes. É que existem emissões e recepções de vibrações não controladas pelo organismo denso, em freqüência só perceptível pelo cérebro.
Haverá, um dia, a ciência dos encarnados de ser capaz de registrar em aparelhos sensíveis a extensão dessas ondas, quando os nossos dizeres haverão de ser melhor compreendidos.
Mas as nossas assertivas extrapolam essa manifestação de caráter energético ou magnético de cunho inteiramente material. O que estamos a levar ao conhecimento do amigo é que, além desses estremecimentos sutis do organismo, outros ocorrem de caráter inteiramente espiritual, como se dois seres no etéreo se comunicassem livremente. A tradução ou descodificação das informações transmitidas por essa forma é executada com todo o rigor, mas não é passada para o consciente, a não ser na forma de intuições, premonições ou fugidias sensações de pressentimentos.
É nesse campo que situamos a advertência para os cuidados que se devem ter em relação aos pequenos seres sob nossos cuidados. Como se sabe, nem sempre estamos criando seres perfeitamente entrosados com nossa maneira de ver a existência, sendo freqüentes os casos em que a união das pessoas sob os laços de família se dá à vista da necessidade de superação de problemas de relacionamento. Não vamos dizer que sejam comuns os encontros de inimigos, embora existam, mas, no mais das vezes, o que se observa é que, entre os componentes das unidades familiares, há pequenos desencontros de caráter moral, que devem ser resolvidos durante o encarne, sendo para isso que se viram juntos.
Com o conhecimento de que o ser cujo choro nos aborrece possa estar carecendo de nossa atenção e de nosso amor, no âmbito da espiritualidade, fica bem mais fácil compreender que necessitamos desenvolver a paciência, o interesse em elevar o nível de valorização dos semelhantes e o princípio da vida como meio de atingir os objetivos cármicos, sem o que volveremos ao plano da espiritualidade sem acréscimos de importância em nosso ativo de serviços prestados em prol da evolução.

Que graves conseqüências de caráter filosófico extraímos de simples amarração de cadarço realizado em amor!
Haverá algum companheiro interessado em apresentar-se para o relato exemplificativo?
Aproxima-se da mesa jovem muito nova, como se se tivesse afastado da carne em mui tenra idade. Ouçamo-la.


Caros Amigos:
Mantenho perispiritualmente a forma com que me desliguei da matéria na última encarnação tão-só para o efeito da configuração de que o desenvolvimento na matéria se frustrou. Na verdade, tenho suficiente desenvolvimento para expressar-me como adulto, espírito de algum esclarecimento que sou.
Minha manifestação será curta, como rápida foi a passagem pelo orbe. Venho apenas para exemplificar, da forma que me parece mais plausível, o desenvolvimento do tema da captação das vibrações imperceptíveis para os sensores materiais, mas facilmente distinguíveis pelos recursos magnéticos que se dispõem no interior do cérebro. Apenas para acrescentar, a nível de informação, devo deixar registrado que os sentidos não participam da recepção dessas ondas a que se refere o texto. Sendo assim, não se trata de pequenos gestos imperceptíveis pelo consciente mas anotados e descodificados pelo inconsciente. Estes existem e se situam em área de domínio pelos encarnados, embora nem sempre a tradução se faça de modo perfeito.
O meu caso específico foi trágico.
Nasci em berço de ouro, mas meu verdadeiro pai não pertencia à família sob cujo teto vim ao mundo. Na verdade, a pessoa que se passava por meu progenitor tinha a convicção firmada de que minha mãe o traíra, sem, contudo, poder comprovar, pois até mesmo o exame de sangue não era conclusivo nesse sentido.
Os eventos da matéria, vou deixar de lado, mas devo afirmar que todo o drama que me envolvia me machucava interiormente, diante da rejeição que sentia crescer em torno de mim, até mesmo de minha mãe, que via, em minha presença, a sua perdição.
Os nervos foram ficando tão tensos que, um dia, a verdade veio à tona. Nesse momento, fui arremessada janela afora, esmagando-me estatelada no solo, oito andares abaixo.
A minha curta vida não me fez adiantar milímetro no sentido de me reconciliar com aqueles seres com quem deveria conviver e aprender a amar e a respeitar. Aliás, ainda se agravou o mau relacionamento, pois o ódio se expandiu, recrudescendo naqueles entes, envolvendo-me em suas ondas.
Mas como se diz que as crianças são anjinhos quando deixam cedo a vida, assim me senti, pois não contribuíra em nada para a situação emocional criada. Antes, fora conduzida ao encarne para servir de instrumento para o crescimento afetivo entre os seres. Por culpa exclusiva de sua incompreensão, viram-se arremessados em mundo de depressão e angústia.
Deu-se a separação do casal, mas meu verdadeiro pai não aceitou agasalhar minha mãe, impedido que estava por matrimônio estável.
Enfim, o cruzar de vibrações deletérias se deu em muitas direções, forçando sério crescimento de débitos de uns para com os outros.
Tendo recebido o impacto ainda na carne de todos esses maus pendores, após a morte fui capaz de catalogá-los e de medir-lhes a intensidade, de sorte que me foi atribuído o encargo de minimizar os efeitos danosos das atitudes insensatas de cada um, o que me transformou em espírito protetor da comunidade familiar em que fui inserida.
Para sossego do leitor, devo dizer que não estou só nesse serviço, mas a minha experiência tem servido de apoio, para que os companheiros possam melhor entender o que se passa no íntimo de cada um.
Temo que muitas perguntas possam ter ficado na mente do amigo, mas espero que nenhuma no sentido de pôr em dúvida o princípio de que têm os nenês capacidade de conhecer na intimidade o grau de receptividade sentimental dos familiares.


A amiguinha, à medida que desenvolveu a sua parte, revelou-se aos demais na inteireza de sua dimensão espiritual, de forma a não se esconder do grupo em sua verdade existencial.
Como o tema dá margem a inúmeras interpretações de caráter suspeitoso, prometemos voltar a tratar de outros aspectos correlatos, a fim de torná-lo mais acessível à compreensão dos encarnados.
De qualquer forma, contudo, solicitamos ao amável leitor que ore conosco a prece dominical, pois tudo que se diz, se sente ou se vibra, em função do amor do Pai, será recebido por ele como a realização de algo próximo ao apogeu de que estamos capacitados.
Oremos.







18

PAIS DESAVISADOS





Existem crianças que tudo recebem dos pais totalmente de graça. Não restará dúvida de que se transformarão em verdadeiros reizinhos domésticos, déspotas da sensibilidade, e que reinarão até quando os excessos exigirem que se lhes dê um basta. Mas a psique humana, apesar de maleável, não costuma desfazer-se dos hábitos que lhe proporcionaram vantagens e prazeres. Sendo assim, embora os pais consigam fazer retroceder o fenômeno da imposição infantil, talvez possa vir a ser tarde para desfazerem-se os prejuízos mentais que transportarão consigo até o final dos dias.
Tudo isto é profundamente lamentável quando ocorre nos domínios da carne. Imagine-se quão doloroso se torna quando há componentes espirituais envolvidos, como no caso da necessidade de serem desfeitos a prepotência, o orgulho, a vaidade e o egoísmo. O processo educacional avulta em importância e o ser colocado às mãos dos pais irá ter do que se lamuriar, quando não investir com admoestações, grosseiro e malévolo.

Baste-nos este lembrete, antes de oferecer a pena para o testemunho dos alunos.


Bons Amigos:
Saí do último encarne com a precisa sensação de que nada fiz em favor de meu crescimento espiritual. Perfeitamente enquadrada no tópico da questão, cresci em lar que me propiciou tudo do bom e do melhor. Apesar disso, ainda aprendi a exigir, a espernear, a gritar, submetendo meus pais a verdadeiras torturas, por me verem desfalecer e emagrecer, dada a fúria que empregava nos artifícios persuasórios.
Mas meus pais não foram totalmente culpados de minha asquerosa reação de vontade. Se, por acaso, tivessem tido o cuidado, desde cedo, de me abraçarem e de se constituírem no bem maior de minha vida, talvez tivessem conseguido consertar-me a tendência atávica. Toda vez que me manifestava violentamente, por desejar de modo atrabiliário e abusivo qualquer objeto, bastava demonstrar que teria muito a perder com minha atitude, afastando-me de seu carinhoso contacto. Mas faziam exatamente o contrário. Ajudavam-me física e emotivamente, de modo que só deixavam em falta exatamente aquilo que vinha exigindo. Desse modo, não conseguiram eliminar o péssimo procedimento, fornecendo até incrementos de solicitude toda vez que se negavam terminantemente, acabando por aceder sem castigo, como se fora recompensa pelo meu bater de pés, acompanhado de choro convulsivo.
Tenho bem nítida à minha frente a perspectiva de meu encarne: precisava desfazer-me de orgulhosa postura, em virtude de me ter habituado a tudo receber sem esforço, em vidas pregressas. Embora não falecessem oportunidades de progresso, havia em meu retrospecto algo de profundamente egoísta em tudo que realizava, até mesmo quando me deixava embalar por ideais de boa vontade e comiseração.
Por diversas vezes, vim na categoria de pessoa bem provida de recursos, pois supunha que deles necessitava para a prática do bem e para o desenvolvimento do amor aos semelhantes. Não foi diferente no último encarne. Sendo assim, a realização de minha vida seria organizar atividades beneficentes, como fruto da disposição espiritual impressa em minha vontade cármica. Mas o desvio para a modalidade de comportamento a que me estava afeita se deu por inadvertência de meus pais. Não os censuro, mas muito deplorei a sua postura, durante todo o período em que permaneci na erraticidade.
Como conseqüência maior da falta de base educacional sobre que edificar rigorosamente o procedimento, ocorreu que não soube extrair dos acontecimentos trágicos que me cercaram as lições apropriadas para encaminhar-me para a senda do Senhor.
Adulta, perdi, em diversos desastres e por injunções mórbidas, todos os filhos ainda pequenos. Convivi com meu marido não mais que dez anos, tendo-o abandonado quando grávida do último filho.
Era tão forte a imposição de minha vontade que, aparentemente, ninguém conseguia suportar conviver comigo. No caso de meu matrimônio, desfez-se quando surpreendi meu esposo cortejando uma das empregadas, camareira por quem tinha distante consideração.
Parti cedo, com aquela impressão de inutilidade. Realmente, não fora o fato de ter agasalhado no ventre cinco criaturas necessitadas de encarne e teria sido deveras absurda a passagem pelo orbe.
Agora, quando me sinto apta a refletir sobre os desvarios de minhas exigências, sinto calafrios, por saber que terei de volver a novo encarne restaurador. Pressinto que venha a falhar de novo, a menos que consiga afeiçoar-me à idéia de que, antes de proporcionar assistência aos demais, devo estar convicta de que preciso receber deles o seu auxílio e amparo, pois é este o centro dos problemas, ou seja, tenho a pretensão de que, para minha identidade com a perfeição, me falece só o dom de prodigalizar aos outros os bens que lhes faltam. Na verdade, sinto-me carente de inúmeras outras virtudes e é isso que me está verdadeiramente atemorizando.
Graças a Deus, tenho tido estas oportunidades de palestrar com os colegas de grupo e de receber o influxo da benemerência e do amor dos mestres, que nos injetam proveitosas doses de fé e confiança, no momento mesmo em que estamos manifestando-nos perante o grupo. Se conseguir transmitir ao leitor amigo essa sensação de segurança e conforto, talvez venha a ter a felicidade de obter, com o depoimento, alguma benquerença e vibração em meu favor. Queira Deus saiba bem avaliar essa distinção!
Desejo agradecer a deferência da leitura e rogar ao Pai que abençoe a todos nós.


A amiguinha exigiu do grupo que seu relato se transcrevesse integralmente, mesmo sabendo que poderiam transparecer certas imprecisões, com as quais se digladiou o escrevente, para o que precisou prestar redobrada atenção.
O fato é que este tipo de atitude é utilíssimo para revelar aos encarnados quanto precisamos evoluir para merecer a alcunha de espíritos de luz.
A mensagem visou auxiliar a refletir a respeito do tema do embrutecimento da mente infantil pela preponderância da vontade, em forma de exigências descabidas, que levam as crianças a se flagelarem, para ver seus desejos satisfeitos. Muitas vezes, os pais se desesperam e os médicos não têm recursos pediátricos adequados para superação dos problemas. Há que se atentar aí para a possibilidade de haver componentes emocionais de caráter espiritual, de forma que o tratamento deverá ser demorado, fundamentando-se a medicamentação psicológica em equilíbrio amoroso de todo o conjunto familiar.
Assim que se evidenciar tal ou qual pedido, imediatamente tem-se de prometer atender, mesmo que seja inoportuno e até impossível. Dizer não, peremptoriamente, será o ponto em que se aterá a teimosia. Todavia, levar a criança a ir considerando os aspectos negativos do atendimento é de rigor, até mesmo quando o objeto desejado esteja ao alcance das mãos. Dar negando será a primeira fase do tratamento; jamais negar dando.
Posteriormente, à medida que a compreensão se for instalando na mente do jovenzinho, demonstrar que as exigências estão prejudicando os pais de algum modo, ou à própria criança, oferecendo objetos substitutivos, cujos atributos deverão ser evidenciados como algo sobre que a criança não pôs atenção, enfatizando não ser perfeito o pedido.
Finalmente, chegar à obtenção da anuência de realização de amplo debate em torno do próprio desejo, o que ocorrerá mais cedo ou mais tarde, segundo a gravidade do desvio de comportamento.
Em todas as fases, contudo, jamais negar o amor e a solicitude, ao contrário do que se possa ver sugerido no depoimento da companheira. É preciso que aquele tópico da mensagem fique bem esclarecido. Não se trata de furtar ao pequeno o amor em troca do objeto desejado. O que importa é fazer com que a criança compreenda que o amor dos pais é o que antes e acima de tudo deva solicitar, o que é de mui difícil intelecção para cérebro muito imaturo, principalmente se com tão graves defeitos de comportamento.
De qualquer modo, pensamos ter levado aos amigos algo em que aplicar as reflexões.
Que Deus traga a todos nós as luzes para a compreensão de todos os atos, pois só assim é que poderemos, com discernimento, avaliar que ponto da estrada evolutiva estamos palmilhando.







19

O SONO DO BEBÊ





Muitas vezes, duvidamos que as criancinhas possam sonhar. Mas é perfeitamente possível a constatação do fato pelos modernos procedimentos de registro dos momentos em que sonham.
Com que sonham? Com os momentos vividos na carne. São recordações indefinidas que perpassam pela memória visual, de sorte que se criam fantasmas bem parecidos com os vislumbres que tiveram do mundo exterior.
Cegos sonham? Claro que sonham, mas são incapazes de formular imagens no caso de terem nascido com o defeito. Mas as recordações das vozes, das sensações tácteis, olfativas etc. são genuinamente trabalhadas pelo inconsciente e reveladas ao consciente por intermédio do sonho. É verdade que para eles é bem mais difícil interpretar as estranhas configurações mentais, mas parece-nos claro que os sintomas se evidenciam também ao serem aplicadas as mesmas aparelhagens a que acima aludimos.
Aí vem a clássica inquirição: será possível que os sonhos revelem experiências extracorpóreas ou mesmo anteriores ao encarne? Certamente. A resposta é positiva, mas devemos prevenir que o resultado apurado como recordação do sonho será, quanto mais avançado em idade, menos próximo da realidade intuída. Assim, quando muito bebês, as lembranças podem significar a totalidade da experiência. À medida que vem o crescimento, no entanto, o simbolismo vai impondo-se à verdade entrevista em estado sonambúlico.
Como se pode esperar deste desenvolvimento, vamos recomendar que se tomem cuidados extremos em relação ao sono dos bebês, havendo necessidade de respeito completo dos momentos de repouso. Nada poderá justificar que se acorde o pimpolho, a menos que haja eventos de caráter emergencial. Simples necessidade de troca de fraldas não pode significar apoio para a perturbação da criança.
Haverá repercussões deletérias para o adulto desde que em pequeno não consiga, com regularidade, passar as noites em calma, aproveitando suas ocasiões de sonhar?
Sem dúvida. Os prejuízos advenientes são de ordem psicológica e devem ser encarados com seriedade pelos psicoterapeutas que tratam da desorganização no campo do aprendizado e da firmeza de caráter.
Como se sabe, o horário de se fazer chegar ao intelecto como conhecimento adquirido tudo o que se observa durante a vigília é o período do sonho mais intenso. Se a jovem criatura se vê constantemente obstada de realizar essa passagem dos dados, tem desarticulado o processo e se torna instável e insegura, quanto às noções que deveria ter assimilado. Se bem que raramente, podem ocorrer fixações só de aspectos negativos, de sorte que haverá distúrbios a se refletirem no procedimento moral.
Como sempre, a melhor atitude dos pais é deixar a natureza fluir em seu curso normal, o que não significa, obviamente, que não se possam programar recursos psicopedagógicos para favorecer o crescimento intelectual e moral dos infantes, desde que cientificamente embasados, notando que o excesso também poderá vir a ser prejudicial. In medio virtus.

Gostaríamos de oferecer o testemunho de algum dos companheiros para ilustração do tema da aula.
Eis que se apresenta jovem dotado de magnífica vibração. Vejamos o que tem para nós.


Irmãos da Espiritualidade e Encarnados:
Sempre soube que meus pais tomavam cuidado rigoroso com minha educação, desde os primeiros tempos. Foi ótimo que assim ocorresse, pois meu encarne se deveu à necessidade de desenvolver aspectos do intelecto que se achavam atrofiados, desde algumas encarnações anteriores, por me ter oferecido oportunidades de desenvolvimento maior da sensibilidade e das reações emotivas. Na época do romantismo literário, enchi-me de brios e julguei a vida pelo critério das emoções à flor da pele. Posteriormente, volvi à carne e me deparei em condições muito infelizes, tendo vivido por pouco tempo, tragado por diversas viciações.
Finalmente, realizei nova incursão, obtendo a guarda por pais esclarecidos, dedicados ao conhecimento científico e propensos aos apanhados da realidade como norma de conduta para a elaboração de suas teorias. Não supunham nada; só experimentavam. Quando cheguei ao mundo, vim precedido por três irmãos, que se constituíram nas verdadeiras cobaias. Eu me vi favorecido por larga experiência, de forma que, desde cedo, me regalei com as ofertas mais proveitosas da aprendizagem e estímulo.
Com isso, pude desenvolver quase totalmente minha potencialidade intelectual, chegando a elevada medição, segundo as tábuas tradicionais. Não preciso dizer que muito agradeci aos progenitores e ainda agora, apesar de ter retornado ao etéreo em condições inferiorizadas, por razões que não vêm ao caso, sinto forte desejo de ir abraçá-los, pois se situam no plano material.
Quanto ao que fizeram por mim, relativamente a permitirem-me o sono tranqüilo e o sonho respeitado, devo dizer que jamais tive qualquer perturbação que me impedisse de desenvolver-me. Cumpriu-se minha programação integralmente e isto é satisfação superior de que poucos se podem vangloriar.


O amigo deixou de informar que se dedicou à ciência médica, tendo realizado profundos progressos também no campo da moralidade, por ter-se oferecido como protetor dos pobres e oprimidos, estendendo a assistência pelos bairros da capital paulista, após algum peregrinar por povoações pobres do interior brasileiro.
As condições adversas de seu trespasse se deram em virtude de ter sido assassinado covardemente por bandidos em busca de dinheiro, não tendo luz suficiente para perdoá-los desde logo. Pensava no bem que deixaria de fazer, muito mais do que em sua pessoa, não tendo sabido incorporar devidamente a mensagem evangélica do Cristo pregado no madeiro.
Mas o exemplo do amigo, não tendo trazido o desenvolvimento de qualquer desajuste resultante de problemas relativos ao sono, não representa nada mais que o necessário incentivo a que os leitores sigam o exemplo dos pais dele ou se apóiem em suas palavras para perquirir junto ao progenitores de como, na infância, passavam suas noites. Poderão estar em germe aí alguns aspectos de sua atual maneira de ser, a descoberta da patogênese a explicar os desvios de comportamento nos campos acima apontados, ou seja, dificuldades em aprender ou em proceder em harmonia com as diretrizes evangélicas.
Se bem que o tema possa vir a merecer adendos mais técnicos, a tese da necessidade do repouso tranqüilo parece ter ficado suficientemente registrada. Lamentavelmente, não se pode abrir espaço para a percepção, através desse estudo, das tendências espirituais. Fica o exemplo do companheiro como norma a ser seguida pelo bom senso dos queridos amigos.
Que a paz do Senhor se faça em seus lares!







20

OS CAPRICHOS HUMANOS





Em recente mensagem (Pais desavisados), discutimos um pouco as fantasias de poder que estão sedimentadas em muitas entidades que se encarnam justamente para se desfazerem desse mau procedimento, mas que não conseguem suplantar a deficiência, instituindo, desde a mais tenra idade, o princípio da dominação, nem que seja à custa de sacrifícios pessoais.
Há, entretanto, pessoas que têm outros defeitos para corrigir, mas que, no entanto, dão a impressão de que tenham vindo com o propósito de se aliviarem do tormento do desejo de preponderar sobre os demais. Trata-se de pessoas que, desde cedo, exigem que se lhes faça a vontade mas que, nem por isso, estão predispostas a sacrifícios de caráter pessoal. Antes, mais desejam ver os outros na rua da amargura, por nem estarem totalmente interessadas naquilo que estão a requisitar. Tanto é assim que, tão logo se vejam de posse do que ambicionavam, largam de lado e procuram outro objeto para as reivindicações.
Não são pessoas instáveis, como aparentam, mas desconhecem precisamente o que as leva a proceder por tal forma. Em geral, se analisarmos os aspectos de sua espiritualidade, enxergaremos débitos no setor do orgulho ferido, ou seja, seres que se viram pisoteados pela vontade alheia, sem possibilidade de reação, mas que guardaram, no fundo da alma, o desejo de desforra, não tendo aprendido as lições da humildade, da benevolência, da abnegação, do desprendimento e do amor. Sentiram-se injustiçadas e agora promovem os distúrbios possíveis, sem mesmo saber se se trata daqueles mesmos que os obrigaram à subserviência.

Deixamos ao encargo do grupo escolher exemplo que possa ilustrar as apreciações. Eis que se aproxima um dos caros alunos. Ouçamos o que tem a dizer.


Caros Amigos:
Estamos certos de que qualquer leitor será hábil o suficiente para apontar exemplo elucidativo, mesmo porque o fato em pauta é dos mais corriqueiros, podendo ter ocorrido algum caso com o amigo.
Dentre os do grupo, todos tinham histórias para contar, mais ou menos adequadas para a exemplificação solicitada. Fui o escolhido, por se ter julgado que o que sucedeu a mim talvez caracterize bem o tema.
De pequeno, segundo o que pude presenciar na recapitulação visual com que fui honrado, dominei meus pais pelos desejos mais estapafúrdios. Não que exigisse deles o cumprimento de tarefas impossíveis, Eram pequeninos pedidos, plausíveis mas constantes. Havia o doce da esquina, havia o bolo caseiro, havia o chocolate com leite, havia o bombom etc. Tudo que era guloseima não passava dia que não pedisse. Vejam bem, não batia o pé, não lacrimejava, não insistia; só pedia, meigamente. Sabia que não seria negado. Assim também com as roupas: gostava mais deste casaco, ou desta camisa, ou daquela calça e assim parecia pequeno príncipe a determinar, com ordens claras e impositivas, qual a atividade que deveria gerar o meu agrado naquele instante. Não era impertinente, mas não admitia, pela atitude cordata e segura, que se pudesse buscar alternativa.
Com isso, cresci em vontades e adquiri o vezo de me impor às pessoas. Para meus pais e parentes, parecia ter o gênio forte. Na verdade, agradava-lhes a arrogância tolerante, como se, crescido, pudesse impor-me à sociedade na qualidade de grande líder. Nisso tiveram razão, embora não se objetivasse com meu encarne qualquer missão superior. Maduro, após ter sofrido alguns contratempos para me formar, pois nem sempre os professores se ajustavam a meus desideratos, voltei-me para a carreira política, logrando eleger-me representante do povo.
Interrompo a descrição do caráter, para pedir vênia ao leitor para não revelar minha identidade durante a última passagem pela carne. Não nos interessa na Escolinha estabelecer estremecimentos de caráter pessoal. O que desejamos é levar o ponto de nossa experiência e os meios de superar as dificuldades.
Pois bem, na qualidade de vereador e depois de prefeito da cidade natal, dei várias vezes com os burros n água, pois meus desejos de vontade nem sempre coincidiam com o que seria o melhor para os conterrâneos. Devo dizer que, para contrariá-los e obrigá-los a trabalhar em meu favor, elaborei vários projetos de lei em que o orçamento da prefeitura se via completamente comprometido. Fazia-o sem necessidade, rico de berço e da farta renda das propriedades.
Bem a tempo, contudo, encontrei suave criatura, com quem casei e a quem devo o ingresso na comunidade espírita do lugar. O aprendizado das teses espirituais levou-me a refletir seriamente a respeito da vida. Não foi difícil descobrir o quanto exigia dos outros, em termos de pequenos serviços. Perto de mim, ninguém permanecia desocupado, enquanto reunia idéias para solicitar mais favores. Em pouco tempo, minha esposa percebeu esse mau hábito e, sem transtornos, sem arrufos, sem estremecimentos, me pôs a par de seus pensamentos e da necessidade que via de que me perquirisse espiritualmente a respeito das atitudes.
Deixei que certo doutor da capital me analisasse e pude delinear os contornos dos males psíquicos. No centro, humildemente, recorri ao auxílio dos mentores e recebi várias mensagens cifradas a respeito do que deveria melhorar no procedimento. Algumas notícias se fizeram pela forma que estamos aplicando, ou seja, pelo estudo do tema, sem referência a destinatário. Como demonstrei boa vontade, fui agraciado com vários textos pessoais dos protetores, falando comigo francamente a respeito das indecisões cármicas.
Muito agradeci e agradeço as luzes que foram acesas para que meu caminho se iluminasse. Não fora isso e certamente estaria a lamentar a desdita de ver mais um encarne perdido.
Para finalizar e para que não fique a falsa impressão de que tudo se deu com a tranqüilidade desta exposição, devo frisar que as alterações propostas ao caráter, à maneira de ser, resultaram em profundas lutas internas, pois, se a compreensão dos problemas se deu com facilidade, foi muito exaustiva a batalha para a regeneração. É isso que me faz pensar em que a responsabilidade dos pais relativa à análise dos aspectos espirituais deva ser assumida com consciência e descortino, havendo necessidade de se proporcionar aos jovens formação espiritual, para que encarem com propriedade o dever que assumem de educação integral dos filhos.
Eis a pedra de toque das mensagens do grupo.


Fez muito bem o amigo de lembrar os compromissos que os pais têm em relação à criação dos filhos. Havemos, entretanto, de ponderar que nem tudo podem os pais, existindo meio eficaz de bem desempenhar as obrigações: o verdadeiro, o real amor que devem emprestar a todos os atos. Se se aliar ao amor a lucidez da inteligência bem administrada pela vontade de acertar, a tarefa dos pais será amenizada quanto a esse rigor cármico e será acrescida de muito prazer e da satisfação de se saber que o máximo de sua capacitação foi atingido.
Eis por que estamos aqui: para auxiliar a cada um dos amigos a bem viver.







21

O ÂNIMO PELO TRABALHO EVANGÉLICO





Desde cedo, as crianças podem merecer dos mais velhos mais atenções para crescimento em virtudes, de acordo com o padrão estabelecido por Jesus. Basta que se estimulem seus centros de interesse e atenção, por meio de narrativas de caráter moral, baseadas nos contos bíblicos. Aos poucos, a figura do Mestre irá provocando tímidas reflexões a respeito do amor, do desprendimento, da verdade. Será suficiente que os pais vigiem para que suas atitudes se coadunem com os ensinos evangélicos e as crianças obterão recursos morais com que enfrentar a dura labuta pelo restante dos seus dias.
Quando mais velhos, em idade de perguntar, pode-se ter a certeza de que se interessarão pelos aspectos mais importantes da doutrina, procurando compreender o maravilhoso que os milagres põem em discussão. É bem verdade que a engenhosidade da televisão é suficiente estímulo para fazer com que os petizes desenvolvam suas fantasias. Mas o que estamos advertindo é para a seriedade que assume a narrativa bíblica, enquanto os aspectos lúdicos e fantásticos dos desenhos animados e demais filmes não promovem a mesma expectativa.
De qualquer forma, dia virá em que a pergunta do por quê? se fará. Nesse momento a resposta deverá ser clara, atingindo o cerne do problema. Jamais dizer aos pequenos que mais tarde virão a compreender. Não. As explicações deverão trazer a marca da veracidade, como seria ao se respeitarem as perquirições dos adultos. Se a questão levantada não apresentar resposta conhecida, referir o fato claramente, sem pejo, sem medo de estar diminuindo-se perante os menores. Nada mais desagradável do que perceber que nos estão tentando iludir, especialmente se parente próximo. É lição de vida de que não se esquece e que se transforma em exemplo, a justificar procedimentos falhos através dos mecanismos psíquicos conhecidos do ajustamento às frustrações.
Assim, trazer com coerência, boa vontade e discernimento, as noções básicas da moral cristã é ponto essencial da educação das crianças.
Mais tarde, quando integrados às atividades das instituições comunitárias, poderão liberar os pendores naturais para a dúvida, a descrença e até a negação, o que se considera natural e proveitoso, já que é preciso ultrapassar os limites da conceituação apanhada em concreto, para a elaboração da teoria, em caráter doutrinário e filosófico. Aí, o muito que se deixou impresso no fundo da mente das criaturas em formação aflorará para a análise e a crítica. Difícil é contornar os problemas de ajustamento, quando os conhecimentos são superficiais ou inexistentes, sendo substituídos por fantasias ou conjecturas.
Que o mau momento do transe existencial se transforme em agradável vilegiatura pelos campos floridos do amor, da virtude, do bem e da caridade, princípios que se fundamentam na segurança apostólica de quem soube amparar os filhos, nos instantes da necessidade intelectual e emocional.
Este o triunfo dos que têm bom ânimo para o trabalho evangélico: a certeza de que os seres colocados sob sua responsabilidade tiveram ensejo de crescimento moral, segundo a palavra do Senhor.

Apresenta-se, para relato abonador, jovem amigo do grupo.


Boa tarde!
Queridos Companheiros, Bons Leitores:
Trago-lhes o meu exemplo para confirmar a tese da aula contida nesta comunicação.
Filho de pastor protestante, desde pequeno, no último encarne, vivi sob o impacto das leituras bíblicas. Meus pais não eram obtusos e sabiam que, quanto mais nova, melhor a criança vai assimilando os ensinos religiosos.
Padeci, porém com o fato de não ter tido acesso a qualquer outro tipo de informação com respeito ao mundo, pois fiquei recluso em casa até a idade de quatorze anos. Tive companheiros de folguedos, mas não podia sair para além dos limites do quarteirão, não freqüentando escola. Foram meus pais meus alfabetizadores e tudo que li foi por eles estabelecido com rigor.
A verdade é que me desestimulei para a leitura, dedicando-me aos trabalhos caseiros com prioridade. Se assim posso dizer, recebi perfeita educação feminina.
Após os quatorze anos, foi-me permitido acompanhar meus irmãos mais velhos, de modo que só então é que percebi que o mundo se estendia para além dos limites acanhados do território que me fora demarcado.
Cresceu dentro de mim, então, surda revolta, por perceber que meus progenitores estavam escondendo-me a vida, no temor de me perder pelos vícios. Isso eles diziam freqüentemente, o que me punha de sobreaviso para as tentativas demoníacas de me iludir.
Tanto fiquei agarrado às saias de minha mãe que, em liberdade, embora vigiado, me senti como pássaro despreparado para voar por força de ter ficado preso na gaiola. Qualquer pequeno atrevimento era-me penoso ao extremo. Se não estivesse ao lado de meus irmãos, com certeza qualquer pessoa me teria conduzido exatamente para as vielas escuras dos vícios tão temidos.
Mas essa fase da vida deixaria marcas profundas na personalidade, pois as perguntas naturais do pendor pelo abstrato, que se instalava no intelecto, só recebiam respostas forjadas na estereotipia linear da visão conceitual da seita. Não avançava centímetro na direção da compreensão, ficando preso às concepções materializadas dos primeiros tempos.
Se minha instabilidade interior se viu coagida a perquirir sem receber respostas satisfatórias, por outro lado, começou a fervilhar-me no cérebro o pensamento de que, a nível de pecado, estavam os velhos caducando, pois tudo que me depositaram na mente, por infiltração ideológica, via ocorrer na sociedade sem conseqüências desastrosas. Meu pensamento era frágil e meu poder de raciocínio, diminuto.
Conseqüência previsível: abandonei a religião na primeira oportunidade, correndo atrás de todos os prazeres que me haviam sido interditos.
Mas, lá no íntimo, estavam germinando as sementinhas da evangelização. Atingindo a maturidade e percebendo que o poder carnal tem limites de satisfação, volvi a meditar a respeito das soluções bíblicas, dedicando especial atenção aos ensinos de Jesus. Tendo recebido formal rejeição da igreja onde pastoreavam meu pai e irmãos, aderi ao movimento espírita, não por convicção, mas por mais uma típica reação de contrariedade.
Demorei para aceitar a mentalidade dos adeptos do espiritismo. De início, via em tudo as mesmas restrições que sofrera, mas houve abertura esplêndida para que pudesse desfazer-me das dúvidas: o estudo dos textos kardequianos. No começo, achava tudo místico ao extremo, em virtude dos passes e das manifestações dos espíritos nas sessões a que assistia, principalmente porque todos faziam questão de orar, repetindo o pai-nosso à exaustão. Mas as ponderações que fui observando nas obras de Kardec fizeram-me perceber que a razão, finalmente, é que deveria preponderar, apesar de os amigos operarem de modo emocional.
Depois de algum tempo, pude desfazer-me dessa complicação, quando desenvolvi a mediunidade, recebendo diversos espíritos sofredores e doutrinadores. Diante das íntimas interrogações, os instrutores espirituais foram-me proporcionando respostas adequadas, de sorte que a vida pôde ter curso normal, achando-me perfeitamente integrado ao ambiente.
Nunca mais pude restabelecer convenientemente os vínculos com os meus. Às vezes, ia visitá-los para matar as saudades de meus pais e irmãos, mas não conseguia manter conversação a nível religioso, sem que me visse na necessidade de calar-me. É preciso esclarecer que, a respeito de outros temas, nada se falava, como se a comunidade familiar vivesse só para o seu deus particular.
Quão diferente foi recolhê-los deste outro lado! Tendo partido mais cedo, por força de desastre automobilístico, pude preparar-me para recepcionar os meus pais e demais familiares. Durante esse período de estudo e de análise espectral da condição do perispírito, pude verificar que os primeiros tempos ao lado dos progenitores foi essencial para meu desenvolvimento moral. Foi aí que percebi que os defeitos de caráter que deveria eliminar durante o encarne tiveram eficaz inimigo na formação evangélica de que se viu impregnada a minha mente. Mesmo quando abandonei o lar e me vi perdido no mundo, algo me segurou, para que não resvalasse de novo para o báratro, por não colocar freios nos maus pendores. Esse algo foi a virtude tão intensamente propugnada durante a infância e que calou fundo na consciência. Ainda que me largasse aos vícios, a conceituação do bem e do mal logrou sobrenadar naquele mar de impurezas, conseguindo, afinal, prevalecer.
É com extrema alegria que me ponho a serviço de meus pais para os esclarecimentos que necessito passar-lhes em torno da espiritualidade, para fazê-los entender os pontos básicos, de que se viram em desacordo durante toda a vida. Entretanto, é tanta a sua força moral que bem pouco tempo precisarei para cumprir a tarefa.
Eu mesmo, aqui nesta equipe, estou aprendendo a bem viver, pois pretendo retornar à carne para devolver aos irmãos as graças de sua boa vontade para comigo. Que Deus me perdoe se minha pretensão for descabida.
Permaneçam todos na paz do Senhor!


A longa exposição do irmãozinho revela com clareza os pontos do tema do bom ânimo de que se deve estar possuído quando a pessoa se dedica ao trabalho evangélico. É com esse entusiasmo que pretende reencarne missionário. Devemos, no entanto, preveni-lo de que deve antes conduzir o interesse para o aprendizado do socorrismo, para propiciar aos assistidos o mesmo carinhoso afeto que recebeu em vida, a par da necessidade de proporcionar-lhes o conhecimento de seu íntimo, para que venham a considerar útil matricular-se em alguma instituição educacional para aperfeiçoamento apostólico.
Sejamos realistas na consideração de nossos atributos positivos e negativos, certos de que o caminho que espera por nós neste rincão do universo é longo e insidioso, precisando dedicar-nos com muito apego ao estudo das verdades de Jesus.
Oremos para que consigamos atingir esse excelso objetivo, sem desvios dolorosos, com a constante e firme ajuda dos protetores.







22

O DOM ARTÍSTICO





Nenhum outro atributo humano parece mais evidentemente estar subordinado às estruturas psíquicas herdadas do aparato espiritual preexistente. Até quando a pessoa demonstra inteligência superior, pode-se imaginar que suas qualidades sejam inerentes à personalidade corpórea, podendo o cérebro ter desenvolvido tais ou quais aspectos que lhe dão o dom do conhecimento ou a percepção da realidade, ainda que submersa em circunstâncias de dificultosos entraves.
Quando o jovenzinho, no entanto, aos dois ou três anos de idade, dedilha o piano ou combina as cores com facilidade, aí todos desconfiam de que sua genialidade não possa ter aparecido do nada. É comum encontrarem-se pessoas desconfiadas de que o talento esteja a demonstrar espírito altamente desenvolvido.
Desde pequeno, na verdade, o ser humano pode deixar transparecer o nível de adiantamento espiritual de que esteja dotado, no entanto, é preciso tomar muito cuidado com as conclusões precipitadas. Pode até ocorrer que haja, como a hipótese levantada pelo escrevente, que o indivíduo não tenha cristalizado com perfeição os recursos do esquecimento, havendo brechas na contextura espiritual, a facultar ao perispírito melhor domínio de certos aspectos, como o raciocínio ou a habilidade motora, podendo haver a conjunção de ambos. Nesse caso, a criança seria tão-só precoce, voltando, com o crescimento, a adquirir os elementos que lhe darão as características pessoais. O ser que parecia genial, enquanto criança, não passará de adulto normal, medíocre, sem destaque.
Nem sempre, contudo, ocorrem tais falhas no invólucro mental, de sorte que a genialidade existe e reflete com perfeição o adiantamento espiritual do ser encarnado.
Se ampliarmos a linha do raciocínio, iremos, forçosamente, ter de admitir que o dom artístico apresenta dupla possibilidade de origem: ou é o reflexo dos conhecimentos na área de atuação adquiridos em outros encarnes, ou é a aplicação nas artes de outros elementos do espectro intelectual, dada a necessidade de o indivíduo desenvolver ou aperfeiçoar a sensibilidade.
Em suma, quando os pais tiverem sob guarda crianças que evidenciem pendores naturais para as manifestações artísticas, deverão precaver-se para não inibirem o crescimento delas. Se forem ignorantes relativamente àquele setor de atividades — o que ocorre em noventa por cento dos casos —, tudo devem fazer para orientarem-se no sentido de proporcionar aos filhos os recursos, para que as habilidades não se percam ou se sufoquem.
Se tais fatos só ocorressem em famílias predestinadas ao desenvolvimento das manifestações artísticas, não nos abalaríamos a vir à presença dos amigos, para comunicação de caráter tão geral. Acontece, porém, que, freqüentemente, a vocação para as artes é confundida com efeminação, no caso dos meninos, ou como preguiça e falta de atenção, no âmbito feminino.
Restringir esse desabrochar de inspiração a ambos os sexos, tentando impingir os valores sociais correntes para a maioria, será, por certo, prejudicial para a formação intelectual e moral dos seres superdotados. Nesse caso, a revolta íntima que se estabelece na consciência em formação desses seres privilegiados pode resultar em atitudes anti-sociais, dado o poderio de liderança de que, em geral, são possuidores. É, portanto, necessário absoluto cuidado, para não se impedir que os objetivos dos encarnes sejam marginalizados, em favor de estruturas sociais importantes, mas em desacordo com a tendência das aptidões.

Desculpe-nos o médium ter sido citado no corpo desta comunicação, mas pareceu-nos óbvio que reconheceria que sua avaliação deveria receber o parecer dos amigos. Como se viu, não estava a suposição sem fundamento, embora não abrangesse todos os casos de precocidade.
Vamos deixar a palavra em aberto, para que alguém venha trazer a luz de sua exposição. Temos no grupo diversos artistas, mas, conforme nos assinalam, nenhum com história de genialidade para narrar. Que se faça ouvir, então, alguém que tenha tido alguma experiência de interesse para a exemplificação que o tema suscita.
Eis um dos amigos. Ponhamos tento em seus dizeres.


Bons Companheiros e Amigos Leitores:
Sei que deveria ter permanecido quieto em meu insignificante cantinho, pois não tenho obra alguma que possa abonar o pensamento de ter-me considerado artista no último encarne. Paciência! Vamos ao sacrifício.
Desde a mais tenra infância, garatujava os meus narizes, que é como todos os desenhistas e pintores iniciam o aprendizado. Tendo agradado os meus pais, fui colocado em escola comum, mas com tendência a valorizar a linguagem pictórica como meio de expansão e de comunicação.
Não vou elaborar qualquer tese a respeito do que seja arte. Para mim, nos primeiros tempos, era realizar trabalhos que merecessem encômios e que fossem agraciados com o prêmio da exposição nas paredes da sala de aula. Em casa, eram graciosamente adornados em molduras e permaneciam dependurados até que se vissem substituídos por outros mais recentes, a demonstrarem minha evolução no ramo. Mamãe fazia questão de guardar as tentativas anteriores, de modo que era o assunto das conversas com quantas comadres e parentes nos visitavam. E o degas aqui se via imensamente compensado pelas largas horas que furtava aos brinquedos e aos coleguinhas.
Não é preciso dizer que me ufanava, me vangloriava, me orgulhava, me envaidecia, me considerava superior aos demais.
Na época certa, lá fui palmilhar os roteiros das tintas, das aquarelas, dos crayons e demais técnicas do desenho e da pintura. Como o professor precisava de alunos, deslumbrou-se com os trabalhos anteriores e elogiou muito as habilidades que demonstrava. Quase perdeu o aluno, tão sem graça achei os exercícios cansativos das reproduções. Esperto, o mestre-pintor abriu-me a possibilidade de dedicar metade do tempo para as obras que meu desejo de liberdade exigia. Foi assim que, parvamente, fui transferindo, lentamente para o brilho que tinham visto em mim, os conhecimentos que assimilava dos ensinamentos do professor para os trabalhos pessoais.
Mas minha família era de gente rica, de modo que não ficava quadro a óleo sem comprador. Diziam que era seguro investimento, que o artista um dia teria reconhecimento mundial etc. E eu fui aperfeiçoando a arte, a ponto de aspirar a ingressar em alguma academia de importância.
Não preciso dizer que consegui os objetivos, tendo sabido depois que fora grossamente apadrinhado por um dos tios milionários. A conversa entre o mecenas e os professores nunca chegou ao meu conhecimento, mas a confirmação completa do meu protetor obtive muito tempo depois, quando regressava das tristes zonas umbráticas.
Para resumir, o artista que desejava ser se transformou em mero borra-tintas inexpressivo. Mas o dinheiro fez-me acreditar em que estava dotado do dom da genialidade pictórica, pois a minha originalidade era patente, embora, tematicamente, não expressava mais do que alguns sorrisos enfadonhos ou sérias atitudes de fleugmáticos senhores. As naturezas vivas eram borrões que se foram tornando cada vez mais indefinidos, à medida que as pessoas discutiam com mais entusiasmo aquilo que imaginavam ver retratado. Passei por fases de cores, de formas, de luzes e de sombras. Não me cansava de expor as minhas concepções artísticas, dando razões lingüísticas onde falhavam os traços e as composições.
Mas vivi intensamente feliz, iludido e pensando realizar obra de suprema importância.
Quando me despedi da vida, durante muitos anos perambulei fascinado pelos quadros que se iam deteriorando, empoeirando nos sótãos e porões, desfazendo-se pelas traças e pelos ratos. Um dia, uma bisneta substituiu uma de minhas mais badaladas obras por magnífico pôster de celebridade artística no apogeu da fama e eu retornei, amargo e decepcionado, para as brumas da solidão.
A história de meu reerguimento se iniciou no momento em que fui procurado pelos protetores, para a evidência do muito que havia progredido. É que, nos quadros e na vida, pintei o que realmente representava a minha postura existencial. Eram eu mesmo aqueles borrões mal feitos, mas glorificados e exaltados por meu ego superiormente ofuscado pela vaidade. Se não conseguira, durante a existência corpórea, perceber as falhas, pelo menos elaborei inúmeros documentos comprobatórios das deficiências. Da análise espiritual percuciente, resultou consciência mais lúcida. O que não aprendera em vida, foi-me facultado entender e assimilar, logo após ter tido a desdita das decepções. Benditas decepções!
Penso ter deixado registrado mau exemplo para as teses da aula, uma vez que todo o trabalho de meus progenitores em fazer-me alguém perfeitamente entrosado com minhas tendências artísticas não condiz com a orientação dada, para que os filhos mereçam especial atenção em suas manifestações de criatividade. Apesar disso, rogo o benefício da dúvida, pois se me visse obstado, talvez não tivesse tido a oportunidade de adiantar-me no conhecimento de meu ponto evolutivo. Por outro lado, nem sempre existe real genialidade, mas mera infiltração de talento, para o efeito da conivência dos educadores.
Fiquem todos na graça de Deus!


O bom amigo fez depoimento completo, atrevendo-se, inclusive, a algumas considerações de caráter teórico. Muito bem! Gostamos do desempenho, mas não vamos elogiar tão-só para incentivá-lo. Como toda obra, também esse simples relato poderá merecer aperfeiçoamento, que é o que se propõe e se espera dos alunos de nossas turmas.
Que a exemplificação dada ofereça incentivo apropriado, para que os leitores meditem a respeito de suas tendências e aptidões e que se estimulem a avaliar a possibilidade de não contrariarem a vocação de vida de suas crianças.







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O BEM DO AMOR





Em nossas explanações habituais, costumamos referir-nos a fatos da infância que interferem poderosamente no comportamento dos homens durante toda a existência corpórea. Será fácil conceber, então, que o afeto mais terno, quando ausente, seja aquele que maiores perturbações promoverá.
O amor é a demonstração da benquerença universal. Não há elo mais forte na corrente da vida. Quem não terá caso para narrar em que se viu em desespero por lhe faltar esse sentimento da parte de quem mereceu de nós o mais profundo respeito e veneração?!
É sintomático, nos que agridem, a ausência do amor, em alguma fase do desenvolvimento. Mesmo quando o carinho materno se demonstra afetuoso, se há alguém a molestar a criança, essa adquire o vezo da rebeldia e do revide. Não há muitos males no mundo que não tenham por fundamento esse sentimento de frustração, provocado por quem não nos respeitou.
Não vamos exemplificar com nomes conhecidos, mas cada amigo poderá lembrar-se de pessoas que cometeram atrocidades e que tiveram lares desfeitos. Há até poderosos chefes de estado que ilustram proficientemente o nosso parecer. Seria necessário instituir, idealmente, ao contrário do que costumeiramente recomendamos, pois procuramos ser práticos, exame de personalidade para cada indivíduo que se propõe candidato a cargos eletivos, devendo ser obrigatório o item em que se observe se houve amparo afetivo conveniente, para que o ser que foi amado possa agir em amor.
Evidentemente, a propositura é disparatada e não deve ser levada a sério, no que diga respeito à organização da sociedade. Mas é ponto básico para a análise do procedimento de cada cidadão, de cada membro da parentela. Ao se avaliarem as condições afetivas, para que se estabeleça vinculação, em havendo constatação de que há carência, eis delineado o primeiro serviço a ser propiciado à criatura que irá integrar-se na comunidade.
Deus é amor é a assertiva de João Evangelista. Esta é a concepção mais verdadeira, se considerarmos que a estrutura afetiva do ser humano está fundamentada nesse sentimento, preponderantemente. Até pelo materialista mais seguro de si, a realidade do amor é reconhecida como ponto básico para a compreensão do relacionamento. E, se se encontrar alguém que discorde, poder-se-á verificar que suas reações são agressivas, a demonstrar claramente que sua opinião se apóia em realização de vida carente de afeto: ele mesmo está necessitado de compreensão e carinho.
O nosso objetivo não é, evidentemente, recordar aos amigos a força do amor, que, pensamos, esteja na consciência de todos. Pretendemos, isto sim, trazer-lhes à lembrança que a preocupação com esse sentimento deve ser constante, servindo de princípio para a análise de todas as estruturas psicossociais. Qualquer evento que ocorra, por mais natural possa ser, como ventanias e incêndios, carrega em si potencial para aplicação de solidariedade. Em tudo, portanto, acrescentamos o componente do amor como elemento exponencial, premissa primeira a erigir a compreensão da existência.

Poderíamos oferecer a palavra para exemplos de vida em que a presença ou ausência do amor consignasse o tônus essencial dos acontecimentos. Mas isto seria absurdamente simples. O que desejamos dos discípulos é a configuração de vida em acrescentamentos de amor em relação ao patrimônio inicial. Queremos ver quem poderá vir retratar-nos o amor em crescimento, como objetivo último de prova ou de missão, não no resguardo de intimidades individualizadas, mas em expansão universalizante.
Nenhum dos amigos se atreveu a colocar-se em tal postura moral, pois todos sabem que o amor em seu apogeu de realização conduzirá o ser humano aos braços do Senhor.
De fato, é essa a luta que todos empreendemos a toda hora, pois está aí a palavra de Jesus a lembrar-nos os dois maiores mandamentos: o amor a Deus e ao próximo, como objetivo maior da existência.
Demonstrando sensatez, o grupo absteve-se de trazer qualquer exemplo de vida, embora cada elemento possa ilustrar com o procedimento atual, pois somos todos aprendizes do evangelho, esforçando-nos para fazer avultar em nós as primícias do amor. Sejamos modestos, contudo, e não estadeemos as pequeninas vitórias como merecedoras de qualquer enaltecimento. Restrinjamos o nosso arremesso de amor às figuras dos parentes e amigos, mas deliberemos aumentar o círculo da parentela e das amizades, para, cada vez mais, podermos expandir a capacidade de amar.
Eis a notícia maior que poderíamos deixar registrada para a meditação dos caros amigos.
Fiquem todos no regaço amorável de Jesus!







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DRAMAS DO SEXO





Não existe ponto da psicologia melhor estudado pelos encarnados que o dos problemas relativos ao sexo. A grande pergunta que se faz é a respeito de quanto tais distúrbios se devem à extensão dos tabus e preconceitos, e quantos se originam de condições cármicas ou espirituais.
É sabido entre os humanos que, desde cedo, a criança tem orgasmos paralelos, quais sejam os prazeres da sucção e da defecação. Tais êxtases não podem cotejar-se com os provenientes da vida sexual, mas encaminham para a satisfação mental por meio da conclusão do ato e do conseqüente resultado de plenitude, sem desejos, sem ânsias e sem dores.
Seria possível imaginar-se sociedade em estado tão primitivo que se igualasse às confrarias dos animais? Por menor que seja a cultura, pelo menos os agregados mais rústicos apresentam a linguagem falada, o que denota progresso imenso relativamente aos irracionais. Sendo assim, qualquer estudo que se faça nas populações mais retrógradas, menos adiantadas, não conseguirá responder à questão.
Se houvesse tal aglomerado de pessoas em estágio tão rudimentar, haveria choques psíquicos a gerar condutas perturbadas, alienadas ou anti-sociais? Existiria, para exemplificar, o complexo de Édipo, tão controvertido? Qualquer distúrbio de procedimento em tais condições evidenciariam males inatos, de caráter espiritual? Seriam os indivíduos aí reunidos sujeitos a restrições cármicas tão intensas, ao tempo em que manifestariam péssimos atributos? Haveria verossimilhança em tal suposição?
As nossas perguntas preencheriam várias folhas e não conseguiríamos levantar todas as possibilidades de dúvidas e perquirições. Fato é que condições adversas de relacionamento, frustrações de anseios e impedimentos de alcançar o prazer, independentemente da carga afetivo-espiritual carreada para a purgação, geram problemas de toda ordem, quando da realização da personalidade no aspecto sexual. Muitas vezes, simples vibrações nervosas à flor da pele são sintomas de possíveis erupções de caráter mental produzidos por impulsos de libido inconvenientemente reprimidos.
Que fazer diante da avalancha de situações sociais de caráter sexual, quando o propugnar da liberdade total atingirá, certamente, as concepções dos pais e demais familiares? O ideal seria propiciar às crianças desenvolvimento natural, conforme o aprendizado que se nota entre os animais, ou seja, esperar que os impulsos eróticos aflorem para explicar o que se passa em relação ao organismo e o que se espera como procedimento social? Ou será preferível estimular a curiosidade infantil, abrindo o jogo desde cedo, como certas linhas psicopedagógicas propõem?
Tudo advirá da formação dos pais. Haverá que se controlar os efeitos à medida que se conseguir conduzir as causas. Se as pessoas não se sentem seguras para dar as informações no momento do interesse, é preferível adotar linha de conduta absolutamente honesta e leal, procurando atender aos reclamos das curiosidades, na justa medida que representem inquirições sérias e responsáveis.
Não nos iludamos, contudo, com a ingenuidade infantil. É por demais comum as crianças, na idade de dois ou três anos, manterem-se em contacto sexual ativo com crianças mais velhas, que as induzem à prática dos atos e as iniciam nos conhecimentos que, muitas vezes, os pais demoraram a juventude toda para aprender.
A vigilância, então, deve dar-se no sentido de que os estímulos não levem a valorizar demais esse aspecto da natureza, fazendo com que adquiram o sentido do pecado, da sujeira, da doença. Muitas vezes, são os pais melhor aquinhoados economicamente que falham nesse setor da educação, pois crianças pobres, que se promiscuem, acabam desenvolvendo a percepção nesse campo das atividades humanas com bem maior desenvoltura. É evidente que se expõem às doenças ou às conseqüências da gravidez precoce, que terão efeitos graves quando há intercurso entre familiares, o que se vê com extrema freqüência nesses ambientes. Os resultados psicológicos para a formação da personalidade, neste caso, são penosíssimos.
Haverá aí algum componente relativo à necessidade de o ser humano vir a sofrer esse tipo de prova? Terá o indivíduo afrontado pelos defeitos de caráter dos demais de passar pelos vexames, para refletir a respeito de deslizes de outros encarnes? Será vítima inocente? Qualquer seja a resposta, parece-nos que, se se puderem evitar os traumas através da melhoria das condições de vida da população mais carente de recursos materiais, com mais facilidade se poderia levar a todos a notícia do que fazer, para tornar a vida mais suportável, mais lúcida e mais produtiva.
Os procedimentos teratológicos provocados por dramas de intensidade maior, como estupros de familiares, violação seguida de morte, suicídios ou assassinatos provocados por paixões incontroláveis etc., são casos comuns, que a psiquiatria tem estudado e para os quais tem proposto soluções próprias da medicina terrena.
O sofrimento mais intenso, quando controlado, leva os indivíduos a atitudes de extremo apego à fé, martirizando-se, contudo, como se vitimados pelo destino. Reconhecemos que apagar da memória ofensas de tão grave espectro moral é impossível, mas levar tais indivíduos a compreenderem as leis de causa e efeito, do carma e da reencarnação, talvez possa constituir-se em lenitivo espiritual, para desafogo da pressão psicológica.
Há imensidão de situações dolorosas provocadas por desvios de conduta sexual; entretanto, em havendo verdadeiro amor, poder-se-á propor soluções que remeterão os indivíduos à senda do Senhor, promovendo-lhe a compreensão de que a vida, mais ainda, a existência está acima das frustrações geradas pela violação dos princípios sagrados que devem reger o relacionamento humano.

A palavra está em aberto para o relato habitual.


Caros Amigos:
A facilidade com que os homens se apegam aos valores materiais engloba também a força que aplicam para a determinação da vida sexual. Isto ocorre porque não são só sexuais os eventos dessa natureza, mas prodigalizam série imensa de pequenas recompensas de caráter psicossocial. Ao contrário, a falta desse atributo repercute desfavoravelmente, tanto que, para se fazerem firmes diante da comunidade, os seres desprovidos desses recursos buscam compensação justamente no desenvolvimento das formas opostas, dando-se o aparecimento de verdadeiros clãs de homossexuais, a criarem, idealizadamente, mundo de convenções em que reinam gloriosos.
Eu bem posso falar desses amigos infelizes, pois foi como fiz desdobrar-se minha última existência na carne. Senti-me pelo avesso, principalmente porque me dediquei à pederastia antes mesmo de me compenetrar que era gente. No auge da atividade física, não via mal algum no desempenho sexual invertido, tanto assim que achava naturalíssimo, o que me impedia de investigar seriamente as causas que me levaram a tão sérios desvios.
Quando compreendi que o homem está na Terra, essencialmente, porque deve evoluir e permitir a outros seres que recebam igual oportunidade, senti amargo revés quanto à postura existencial, pois descobri muito tarde que o mais que fizera fora valorizar demais o ego.
Bem a tempo, desfiz os compromissos com diversos amigos e investi fundo na intenção de constituir sólida família. Graças a Deus, não fui desprovido da capacidade de procriar, de modo que pude facultar a dois amigos da espiritualidade que se internassem na carne, embora não pudesse vir a ser o pai ideal, pois minha história me condenava. De qualquer forma, levei os dois pimpolhos a compreenderem a necessidade de se superarem os defeitos que nos encaminham para os excessos e os abusos.
Passo a passo, pude ir acompanhando a evolução física e mental dos garotos, de sorte que fui estabelecendo comparação com o meu desenvolvimento, acabando por descobrir todas as causas que me levaram a agir de modo tão arrevesado. Mas minha formação religiosa não era perfeita, o que me impediu de avaliar com perfeição as tendências atávicas, derivadas de minha mais íntima formação. Os pontos que levantei concerniam às atitudes relativas ao plano da sociedade humana, de forma que me propiciei tão-só oportunidades de recriminações e desgostos. Se tivesse os conhecimentos que atualmente se possibilitam aos amigos espíritas, teria até ficado satisfeito, por ter reerguido o caráter, em vitória tanto mais valiosa quanto mais enchafurdado me encontrava em profundo lodaçal de vícios.
De qualquer forma, ao regressar à pátria espiritual, vi-me embaraçado diante das demonstrações efusivas de afeto com que fui recebido e agasalhado no seio dos protetores e amigos. Sei que muito terei de escarmentar-me com os males que judiam de minha consciência culpada, dado que a muitos arrastei para a perversidade do transexualismo, impedindo-os de ver com clareza as normas evangélicas do Cristo. No entanto, para superação desta fase angustiosa, estou contando com o amparo, a compreensão e os ensinos do pessoal de minha turma.
Dei ênfase maior aos efeitos da perversão e não busquei esclarecer para os amigos as causas. Para não entediá-los, farei sucinto relato.
Desde cedo, fui tratado em casa com extrema liberalidade, pois toda a família se constituía de proxenetas e prostitutas. Os homens passavam para a arrecadação dos emolumentos da proteção, de forma que a minha figura masculina se apagou, diante do fato de ver o procedimento vigente ser o da exploração. Muito agarrado à minha mãe, deu-me ela todas as lições sexuais da maneira mais desvirtuada e agressiva.
Tendo convivido com outros meninos com a mesma faixa de problemas, a promiscuidade levou-me à degenerescência do caráter, que não era firme pela própria natureza, conforme pude comprovar posteriormente. É que havia colocado na cabeça que o melhor para mim era enfrentar de vez as piores condições, pois acreditava-me fortemente amparado pelos amigos da espiritualidade. Confiei em que talvez conseguissem fazer-me intuir o verdadeiro objetivo do encarne e isso foi o que realmente aconteceu.
Hoje, corro de um lado para outro em auxílio dos familiares e dos amigos, em faina que poria louco qualquer outro que não tivesse a compreensão exata dos deveres e obrigações. Ergo minhas preces agradecidas ao Senhor por ser assim a minha existência atual, antevendo o momento em que poderei resgatar todos os débitos.
Sinto as forças esvaírem-se pelo prolongado esforço desta comunicação, pouco habituado estou a estender-me em considerações deste caráter. Pedem-me para esclarecer que, se não fosse a sustentação fluídica do grupo, não teria conseguido manifestar-me.
Que esta página desbotada possa, por força da graça de Deus, servir para o resgate para a vida em harmonia evangélica de alguém perdido nos campos da perversão sexual!


Certamente, o exemplo ilustrou à perfeição a exposição dos dramas que ocorrem por força das perturbações causadas pelo abuso da vida sexual. O confrade ultrapassou a expectativa, demonstrando cabalmente a necessidade de se confiar no socorrismo espiritual como forma de eficaz apoio, para que a vida terrena possa obter sucesso.
Essa exposição, pensamos, abrirá clareira de esperança na espessa selva que constitui o desregramento sexual, por causa das injunções de caráter psicossocial, como tão bem esclareceu o amigo. Como nos sentiríamos felizes em poder levar os leitores à reflexão e à decisão de respeitar os dramas sexuais inerentes à expiação, a qual oferecerá aos seres humanos condições de regeneração espiritual, uma vez que os extravios nesse setor absolutamente não significam sábia maneira de viver, nem os que se entregam a essa prática se consideram perfeitos.

Eis que atingimos o apogeu da caminhada. Daqui por diante só nos ateremos a insuflar na mente dos leitores a necessidade das considerações de ordem moral, quaisquer sejam os sofrimentos cármicos de que estejam possuídos.
Ouçamos Jesus, leiamos Kardec mas, acima de tudo, pratiquemos a caridade, com amor e justiça.
Fiquem nas graças de Deus!







25

TRAQUINAGENS





Há pouco, verificamos tragédia produzida a partir de pequena traquinagem praticada por jovenzinho imberbe. Ao pichar a casa de certo senhor aposentado, foi recebido a bala, sofrendo profundo ferimento no pescoço, indo, em estado grave, para o hospital.
A bala que o atingiu fisicamente alojou-se moralmente na consciência do proprietário do imóvel, que, em desespero, se suicidou.
Parece história inventada para efeito de sensacionalismo jornalístico. Que lições, no entanto, se podem tirar desse evento? Que graves injunções sociais e cármicas estão no fundamento de cada atitude? Por que os jovens foram atentar contra a paciência do velho? Que esperavam ganhar com isso? Que vitórias poderiam embalar seu enfatuado orgulho? Por que houve reação tão grave, para peraltice tão sem importância? Que valor tem a fachada da casa sem as pichações que a diferenciam do estado de borrada pela ignorância da juventude? Antes, não seria possível avaliar, através dessas manifestações agressivas, o estágio atual da educação que se possibilita àqueles que, um dia, terão nas mãos o destino dos mais jovens?
Sempre que algo ocorre que nos parece insólito, enchemo-nos de interrogações. Mas é fácil de perceber que algo na formação dos componentes desse drama não se conduziu segundo os preceitos evangélicos: nem o jovem respeitava a propriedade alheia, nem o velho soube controlar os ímpetos da fúria ou a condição de culpa da consciência. Se a velhice não contiver, como atributo inerente à sua condição, a prudência, o aviso, a sabedoria, é claro indício de que não se desenvolveu segundo as normas estabelecidas pelo princípio do amor crístico.
O jovem está nos braços da morte. Mereceu tal condenação pelo ato praticado? Será sua traquinagem passível de tão grave punição? Terá sofrido o embate do balázio tão-só por ação tão insignificante ou terá recebido justo castigo por males cármicos carreados para esta vida? Se Deus escreve certo por linhas tortas, será justo suspeitar de que algo possa existir por detrás de tão grave afronta à vida? Ou estava na época de deixar o campo terreno, tendo cumprido integralmente o plano existencial? Inocente de males pregressos, o drama de agora representa passagem obrigatória para a purgação completa do que tenha acumulado em atos de maldade no presente encarne, de modo que possa reentrar na espiritualidade apto para envergar mais sutil vestimenta, a ponto de se ver guindado a páramos mais elevados? Estaria, naquela hora do desatino do parceiro de vida, colocado em seu caminho por razões de anteriores litígios, a fomentar ódios açodados por obsessores interessados em vingança?
Quão longe pode ir o pensamento na investigação das possíveis causas de caráter espiritual. Somente, contudo, a aplicação de arguto raciocínio não bastará para deslindar esse caso. Será necessário apelar para o serviço do socorrismo fraterno enviado em auxílio das personagens envolvidas na trama, o que não nos interessa de modo particular, uma vez que o nosso objetivo é justamente alertar os amigos para a possibilidade de se evitarem tragédias desse tipo.
Parece-nos evidente que quem mais perdeu com o sucedido foi o infeliz suicida. Além da sobrecarga do homicídio, mesmo que sobreviva a vítima do disparo, terá a lamentar a precipitação com que se arremeteu ao negrume da consciência mais culpada. Se a razão se fez tardia, para perceber o mal praticado relativamente ao jovem, que não lhe acontecerá quando conhecer a extensão do crime contra a própria vida, pois impedido se verá de socorrer justamente aqueles a quem prejudicou: a criatura ferida e seus familiares revoltados pela inconseqüência de seu ato desatinado?!
E tudo ocorreu em frações de segundo... Será? Poderemos dizer que tão graves conseqüências possam ter origem em simples alucinações de poucos instantes? Certamente, os fatos se constituem em mera precipitação de variadas causas que se conjugam para o efeito. Para os envolvidos, pode parecer que tudo não passou de intempérie moral, como certas tempestades deverão, que rapidamente se formam e desabam. Na verdade, porém, se formos analisar as causas remotas, poderemos claramente conhecer que nada do que ocorreu poderia ter razão de ser momentânea, mas foi rigorosamente organizado pelas circunstâncias que se ajustaram e que redundaram no crime, como na precipitação atmosférica.
Da mesma forma que se podem prevenir os efeitos do calor, da deslocação das massas de ar quentes e frias, da formação das nuvens etc., podem-se também registrar os eventos de caráter psíquico e moral que resultarão em choques, em entreveros, em discórdia. No caso em pauta, onde estavam a família e os professores do jovem, que deveriam exercer sua autoridade, no sentido de fazê-lo entender que a provocação que a pichação significa é pura má educação na formação do caráter? Onde estavam as autoridades policiais, para coibirem a realização das traquinagens ou a aquisição da arma de fogo por pessoa instável emocionalmente? Onde estavam os familiares do criminoso, que não perceberam o desequilíbrio ou não quiseram interferir por razões de comodismo, na displicência de quem não deseja envolver-se na vida dos parentes, como se fora possível deixar de se assumirem as responsabilidades inerentes ao convívio familiar e social?
Quão longe poderemos ir nas reflexões a respeito de algo que parece tão casual, tão ocasional. Poderemos até inferir que tudo pudesse ter sido evitado se... E esse se teria inúmeras possibilidades de introduções de hipóteses e teorias. Poderá o leitor preencher a frase, dando-lhe seguimento lógico, coerente com as dissertações que hemos tido por bem trazer-lhe ao conhecimento? Por outra, estando na figura de qualquer das personagens, agiria da mesma forma, pichando, atirando, suicidando-se, desconhecendo atitudes, postergando resoluções de socorro e de esclarecimento? Ou, simplesmente, acha que tudo não passou de mero acaso?
Fiquem, amigos, na paz do Senhor, e não se esqueçam de orar muito pela salvação dos elementos que protagonizaram o exemplo vívido para esta manifestação mediúnica, que, esperamos, tenha servido para ajudar nas reflexões a respeito da própria conduta.







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O APEDREJAMENTO AOS POLICIAIS





Estabelecer barreiras às vontades dos seres humanos é provocar reações de agressividade, qualquer seja o horizonte mental em que se situem.
Vimos, recentemente, pessoas alteradas, por se encontrarem insatisfeitas em seus propósitos, provocarem distúrbios, apedrejando policiais encaminhados para o local com a finalidade de se cumprir certo desiderato do poder público constituído. Ocorre, porém, que havia interesses contrariados e as pessoas atingidas pelas medidas governamentais se julgavam no direito de interromper o processo de privatização da companhia estatal, mesmo que à custa do sacrifício da lei e da ordem.
Não nos importa salientar os aspectos da justiça humana envolvidos no acontecimento. Interessa-nos, sim, conhecer os propósitos íntimos dos apedrejadores, sua decepção carnal e sua necessidade espiritual. Antes disso, porém, iremos deixar uma pergunta sem resposta:
— Será que os engravatados adquirentes das ações postas à venda, na posição dos provocadores, iriam manter-se alheios ao chamamento para a depredação? Ou, por outra, será que os que apupam, se engravatados, iriam continuar arremessando pedras? Eis que colocamos em dúvida a íntima postura de cada ser envolvido.
Mas voltemos a analisar a mentalidade dos que se inflamaram e desejaram pôr fim à deliberação da transação comercial.
Se não estamos enganados, havia diversas organizações sindicais a incentivar a desordem. E por detrás desses sindicatos, quem se postava, se os próprios operários da fábrica em questão aceitaram participar da compra das ações, crentes de que haverá lucro a ser dividido pelos acionistas? Evidentemente, haverá perdas para os sindicatos, que não poderão mais contar com os operários das empresas particulares como massa de manobra para forçar os governantes a ceder às suas decisões. Haverá também quem vá perder seus empregos e posições, uma vez que quem mantiver o controle acionário é que deliberará a respeito da constituição da diretoria. Eram muitos, portanto, os que se achavam na situação de perda, embora o princípio da privatização visasse a beneficiar o governo como um todo, à medida que lhe são diminuídos os encargos, principalmente diante da dificuldade de se reprimir a malversação dos dinheiros públicos.
Somos levados a considerações de ordem material para demonstrar que as pessoas envolvidas nos problemas estão interessadas em manter o status adquirido, alheios, evidentemente, a qualquer pensamento de caráter altruísta. Prevalece o raciocínio humano pautado pelos valores meramente materiais.
Eis que surge, então, a primeira idéia totalmente de caráter espiritual: não estaria na hora de se verem agitados esses valores, a ponto de fazer a população em geral e os atingidos em particular refletirem a respeito de suas concepções de vida? Não é chegada a hora de se perceber o quanto essas pessoas dependem de condições materiais específicas, para darem valor às suas realizações? Evidentemente, no calor dos embates físicos, não haverá quem não se apóie na fúria do companheiro para demonstrar que também tem coragem e arrojo para enfrentar a perigosa represália policial, além de obter a confiança de mais valia junto aos poderosos da organização. Não desejavam, realmente, obstar a realização do leilão; queriam demonstrar valentia e poder de convocação. Era pura exibição para os vários repórteres presentes, de sorte que se pudesse ganhar na propaganda o que já estava perdido, em virtude da firme decisão governamental.
Daí resulta nova ponderação de caráter moral: que valor se dá à vida dos companheiros, a ponto de expô-los em troca de malícia tão facilmente perceptível? Não só não se deu qualquer importância ao princípio do amai-vos uns aos outros, como ainda se atiçaram irmãos contra irmãos, fazendo fermentar o ódio e crescer a inimizade. Quão distante estamos dos ditames evangélicos!
Por fim, queremos enfatizar o aspecto da irresponsabilidade de quem dá cobertura jornalística a fatos tão deprimentes. É o interesse pelo sensacionalismo, com o claro intuito de colocar a emissora de televisão ou de rádio, ou o jornal e a revista nos primeiros lugares da preferência pública, ao invés de levar aos leitores as considerações críticas de caráter moral, do tipo destas que estamos a levantar.
Não somos ingênuos a ponto de pensar que estas palavras terão qualquer repercussão na mente materialista de quem vê o próximo como joguete de suas lucubrações, a ponto de determinar-lhes o que devem ler e, portanto, comprar. Não temos sequer a pretensão de que algo nesse sentido possa, eventualmente, ocorrer com a leitura ocasional de nossa diatribe. Acreditamos até que seríamos motivo de riso, dada a nossa pouca informação jornalística, no campo da captação imediata da atenção e no resumo dramático da matéria a ser veiculada como de possível leitura e agrado. Ainda que pecássemos, contudo, contra a cultura profissional, não cederíamos a praça aos que, unicamente, desejam prevalecer pela força do intelecto e pelo poder da influenciação.
O que nos move, então, a tão largamente discorrer a respeito da necessidade de orientar o povo, no sentido de perceber que vem sendo iludido? É a certeza de que dia virá em que os nossos dizeres obterão audiência junto às consciências, de forma que poderemos encontrar pessoas de boa vontade, a refletirem sagazmente a respeito da malícia com que se pretende conduzi-las.
Não queira, amigo, postar-se ao lado dos que apedrejam. Ajam como o Cristo, nosso mestre e protetor, que, diante da turba assanhada por lapidar a infeliz adúltera, simplesmente recomendou que, antes do ato de vendeta social, se fizesse ligeiro apanhado consciencial das culpas, o que levou a todos a se retirarem.
Não poderiam a imprensa ou a religião ou os responsáveis pelos sindicatos lembrar-se da lição de Jesus e passá-la para a multidão?
Sabemos claramente a resposta, mas não vamos dar ênfase a ela, para, quem sabe, podermos vir a ser surpreendidos por alguma atitude que contrarie esta expectativa pessimista. Ainda confiamos no discernimento e na possibilidade de correto raciocínio da parte dos irmãos.
Queira Deus estas palavras alcancem alguma repercussão, ao menos no coração dos amáveis leitores, que, acreditamos, não se postariam diante de ninguém com pedras na mão.
Fiquem todos na paz do Senhor!







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QUEBRA-QUEBRA NA TORCIDA





Dando prosseguimento aos temas de caráter analítico das conseqüências da má aplicação do poder do livre-arbítrio na educação da juventude, vamos encaminhar as apreciações aos fatos lamentáveis que estamos presenciando, quando da reunião de indivíduos com o objetivo de provocarem distúrbios e revoltas contra o poder constituído.
Existem os grupos que se formaram em torno de clubes e associações esportivas, cujo objetivo maior é promover a baderna e a destruição dos valores sociais vigentes, por meio da alucinação do quebra-quebra e da demonstração de força. Mais do que o desejo de se organizarem segundo a declarada finalidade, são atraídos os elementos jovens com a promessa de ali encontrarem apoio e sustentação para suas tentativas de violência, ao tempo em que se facilita o comércio e o consumo das drogas e das bebidas alcoólicas.
Esses indivíduos, colhidos em todas as camadas sociais, adquirem o poder da força e agem impelidos por incoercível desejo de desforra social. Não que tenham consciência dos atos ou que sejam capazes de analisar as atitudes. São levados pelo grito de guerra e pela bandeira, como se defendessem o território pátrio dos ataques inimigos. É a valorização superior do ego, a demonstrar que, se nem tudo podem em seus arremessos individuais, pelo menos agrupados adquirem status e importância.
O desvelamento dos artifícios da atração se torna extremamente perigoso, pois as elites que comandam a turba são ciosas do que lhes representa como lucro a venda dos tóxicos, de sorte que reagem de modo fortemente violento, levando os denunciadores à morte. É por isso que as ações camufladas pela atividade desportiva permanecem incógnitas para a população de modo geral, ficando até muito honradas certas famílias por verificarem que os filhos estão dedicando-se a algo de modo tão absorvente. Pensando que estão garantidos, porque sabem onde encontrá-los, e protegidos pela força do grupo, descuram os responsáveis pelos jovens de seu dever e facilitam a imersão deles em mundo de vícios e de crimes difícil de retornar.
Ainda bem que os veículos de comunicação de massa não têm como esconder as conseqüências dos atos de barbaridade, ainda porque lhes interessa realizar transmissões sensacionalistas, o que repercute no sentido de se manterem com altos índices de audiência nas pesquisas de opiniões.
Essas reportagens, portanto, podem fornecer subsídios para a sábia decisão de se penetrar no mistério dessas organizações de vândalos, o que pleiteamos se faça, para que se eliminem da sociedade tais focos de alienação da verdade e da moralidade. São escolas do crime e assim devem considerar-se.
Não fugindo ao princípio de correlacionar os problemas sociais com fatos de aspecto espiritual, não poderíamos deixar de demonstrar que há meios de se enfocarem as deliberações íntimas de caráter pessoal, quando se estimula a participação em grupos controlados por meio do domínio das lideranças. Os indivíduos passam a ser joguetes, de modo que se consegue na massa desviar quantidade imensa de pessoas do caminho do dever. Nesse sentido, perder um ou outro que se estropie e se veja impedido de prosseguir nas atividades do grupo é considerado prejuízo inerente à forma de conquistas adotada.

Crentes de termos oferecido apreciações adequadas para aqueles que nos têm acompanhado nos estudos, vamos deixar a pena para uso de um dos companheiros, integrante de uma dessas quadrilhas e enviado para o nosso plano por incúria dos organizadores, que não perceberam o mal que estavam ensejando à jovem personalidade. Deixemos que relate o seu sofrimento.


Bons Amigos:
Sofri, realmente, com minha irresponsabilidade. Não vou imputar aos outros o que foi falha exclusivamente minha, embora reconheça que, ao ser arrastado para a torcida uniformizada, me ofereceram inúmeras vantagens. Em todo caso, respondo por mim e espero que cada qual arque com as conseqüências de seus maus atos, para que se possa dizer que há justiça verdadeiramente divina.
Eu queria fugir de casa, mas não havia como fazê-lo, uma vez que não ganhava o suficiente para manter-me e a meus vícios. Assim, mal aturava os meus pais, que me recriminavam toda vez que me viam tomado pelos tóxicos. É que não agüentava e ofendia, confirmando que havia tomado esta ou aquela dose ou fumado este ou aquele cigarro. Fazia por razões pessoais e ainda por causa de meu relacionamento com as pessoas daquela família, que me recebeu para a oportunidade da vida.
Sei agora que agia inconscientemente mas, na ocasião, tudo me parecia sob controle, pois julgava que todas as minhas ações eram produzidas no total domínio de meu livre-arbítrio. Na época, não conhecia estes termos, que só vim a aprender na Escolinha, por meio do desvelo dos caros mestres. Quando contava dezoito anos e mal havia cursado quatro anos do ciclo primário, agia por puro instinto e, quanto mais me envolvia com as drogas, mais reagia automaticamente, chegando ao ponto de comer com as mãos, sem o uso de talheres.
Quando meus pais pensaram em internar-me para tratamento, era tarde demais. Eu já nem compreendia a razão de estar vivendo, sequer no plano biológico. Perdi o emprego e me juntei a uns marginais, abandonando definitivamente o convívio da família. Mas nessa vida de vagabundagem e de pequenos roubos fiquei bem pouco tempo, apunhalado que fui durante uma dessas brigas de torcidas. O caso nem repercussão encontrou, pois o meu corpo foi jogado do trem, tendo sido considerado mera vingança de alguma de minhas vítimas. Não houve investigação, nem meus pais se interessaram em levar adiante a descoberta dos assassinos.
Felizmente, ao chegar aqui, não trouxe grandes mágoas. Achava que estava vivo e nessa ilusão passei vários anos de sofrimento íntimo. Como não recebia emanações de aspecto negativo, pois meus parentes conseguiram rezar por mim mais do que lamentar a minha perda, vi-me na triste condição de ter-me como meu pior inimigo, com a minha tristeza e arrependimento. Não levantei a voz contra a justiça divina e assumi a responsabilidade de meus atos, propondo-me, desde logo, a ressarcir os males que causei.
Hoje, cumpro a obrigação de vir ilustrar a dissertação do dia, comprovando a inutilidade de minha vida voltada para as satisfações carnais mais abjetas. Como o exemplo pode vir a servir aos encarnados, só tenho a agradecer a boa vontade dos instrutores e a forma pela qual fui atendido pelo amigo escrevente.
Não desejo partir sem elevar pensamento de amor e de agradecimento aos meus pais e deixar registrado suave e veemente pedido de perdão. Quem sabe algum dia possa devolver-lhes os benefícios de que fui alvo.


O médium controlou o mais que pôde a emoção do jovem que nos foi tão útil com seu depoimento, uma vez que as vibrações emitidas precisaram ser reestruturadas, de forma a propiciar condições lingüísticas para o entendimento.
Sabemos que nem sempre as emissões são perfeitas, de modo que solicitamos ao leitor releve a fragilidade das comunicações dos amigos sofredores.
De qualquer forma, podemos considerar o exemplo bastante apropriado para demonstrar que o coletivo se resolve no individual. O que parecia ser força de grande importância, quando reduzido às proporções mínimas do elemento único, se verificou que se lhe havia pulverizado o poder, retornando a figura aos seu plano de vida familiar, sobretudo.
Eis que reiteramos, através do exemplo, a necessidade de os responsáveis pela juventude darem cobertura para que se reintegrem na unidade social os que se perdem, por injunção da atração que lhes exerce o fascínio da facilidade de se permanecer imune à censura das autoridades. O que pode parecer fuga da coerção social irá representar imensos problemas de caráter particular e individual. Que os amigos reflitam muito antes de permitir que os filhos se deixem envolver pelos argumentos dos que se dizem inocentes chefes de torcida. Há sempre muito mais debaixo do emblema que ostentam e sob a camisa que vestem. Que a bandeira de todos nós represente o amor a Deus e ao próximo, que é o estandarte do Cristo. Se fora da caridade não há salvação, não será junto a essas agremiações que se conseguirá adentrar o reino do Pai.







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O ESPÍRITO DE VINGANÇA





Muito têm escrito os nossos irmãos a respeito do espírito de vingança, especialmente no que se refere à necessidade de forçar os oponentes a ressarcir as dívidas contraídas, nesse verdadeiro jogo de interesses que é a vida. Sabendo disso, tomamos a precaução de não provocar no leitor a impressão do enfado, pois vemos, através da reação do escrevente, que o tema lhe tem freqüentado a pena.
Vamos, então, caracterizar, desde logo, o espírito de vingança como a exacerbação do espírito de justiça. Do equilíbrio da balança que a deusa carrega suspensa é que depende a necessária configuração do princípio na mente e no coração de cada qual. É evidente que há outro elemento importante, ou seja, a espada, que todos os que se acreditam injustiçados pretendem ter o direito de brandir, caracterizando o ato da vendeta.
Há, entretanto, que se avaliar a necessidade de que a justiça se exerça através de juiz imparcial, para o que se representa a deusa devidamente vendada. Quando é o próprio indivíduo que realiza o julgamento, condena e executa a pena, não se poderá considerá-lo senão orgulhoso e egoísta, pois a primeira premissa a ser levada em conta é o fato de que ninguém é bom juiz em causa própria.
Eis que pretendíamos não aborrecer os leitores e estamos justamente a repetir-lhe os conceitos mais elementares, que qualquer jovenzinho no curso primário será capaz de compreender e a respeito discorrer, até com mais propriedade. Mas não sejamos nós os juízes da mensagem, menos ainda os julgadores dos pressupostos argumentos da réplica da parte dos amigos. Façamos por deixar-lhes a ponderação a respeito da verdadeira manifestação de carinho que representa a psicografia.
Assim, pensamos ter elucidado o princípio que rege a escrita, de modo que se torna bem mais fácil conceber o que nos vai na mente.
Voltando ao tema da vingança, à vista da exposição acima, parece-nos ter ficado bem claro que se trata de profundo desvio, não só na formação da personalidade, mas, principalmente, da própria lei estabelecida pelos padrões humanos e da que se aspira seja a regulamentação divina.
Quando o indivíduo se sente injustiçado e não perdoa, aguardando ferrenhamente que o poder público se manifeste, é porque se viu fortemente prejudicado na vida. Haverá, no entanto, quem consiga suplantar esse entranhado desejo de ver os pratos da balança se reequilibrarem: é quando consegue confiar em que Deus o faça, por sua soberana vontade. Ainda assim, o ente que pretende ver os oponentes às voltas com as penas impostas pela divina justiça está bem longe da perfeição acenada pelo Cristo, quando nos convida a amar os inimigos e a fazer pelos outros o que faríamos por nós mesmos. E qual o generoso pedido que nos ensinou a fazer? Não foi o de que sejamos perdoados pelo Pai, à medida que formos capazes de perdoar? Eis que o espírito de vingança é desvio; o espírito de justiça é cobrança; o espírito de perdão é virtude.
Se Deus é justo e se em suas mãos deixamos que a lei se faça cumprir, por que não considerarmos o adversário como necessitado de amparo, à proporção que formos capazes de avaliar o quanto de erro se contém em suas atitudes?
Vamos, irmãos, deixar de pleitear junto ao Senhor que restabeleça a verdade. Mesmo quando nos sentirmos prejudicados, saibamos compreender a vida e a existência, de forma que não vamos, simplesmente, abandonar tudo, na ânsia de sermos elevados, mas trabalhar pelo soerguimento de todos os semelhantes.

Quando deliberamos deixar a palavra para uso dos discípulos, todos tinham casos para apresentar, mas nenhum desejou vir trazer a público, pois sentiram, após a competente meditação a respeito de nossa postura diante do problema, que qualquer referência a seus oponentes poderia trazer à tona certo recôndito desejo de vê-los cumprindo as tarefas da recuperação, de modo que a mínima vibração nesse sentido iria representar algum ônus para todas as entidades envolvidas. Antes, afirmaram-nos que a dissertação se visse despojada dos depoimentos, mas que fosse enriquecida pela manifestação de todos de lhes serem destinadas oportunidades de ajuda aos seres que, um dia, estiveram em campos opostos aos seus.
Nesse mesmo sentido, diante da organização da mensagem, vemo-nos na contingência de solicitar dos leitores o seu perdão, caso a nossa pena se tenha deixado escorregar para o ramerrão das comunicações costumeiras, fazendo com que percam o seu precioso tempo.
Quanto a nós, precisamos reafirmá-lo, foram de muita utilidade a redação e o ditado, quer na concretização do trabalho necessário para o cumprimento das determinações curriculares, quer para o aprendizado da tarefa da transmissão mediúnica.
Que o mediador se veja satisfeito por ter cumprido seu compromisso e que não pense ter estado em mãos inábeis e perversas. Saiba reconhecer neste trabalho a fragilidade de quem está desejando aprender, mas não só isso: que sinta também a presença de amigos necessitados de amparo neste atrevimento.
Graças a Deus, ousamos desenvolver a tarefa e pensamos ter chegado a bom termo. Falta-nos somente o convite à prece, para o que solicitamos especial atenção ao trecho em que Jesus nos obriga a dizer ao Pai, por força da verdade de seus argumentos, que se faça segundo a vontade dele e não a nossa.
Fiquemos todos na graça de Deus!
Felicidades!







Posfácio





A Equipe do Bem Viver deixou-se ficar ao lado do querido médium, até que todos os elementos tivessem tido a oportunidade de fazê-lo traduzir a sua manifestação.
Pode parecer que os temas não tenham conseguido harmonizar-se, de acordo com os roteiros das ciências humanas. Não elaboramos, sob tal ponto de vista nenhum tratado. São os temas e depoimentos partes componentes das aulas, de forma que não se devem desiludir os leitores, por não se defrontarem com verdadeira obra de experientes doutores e cientistas.
O que tínhamos em mente era volver ao estudo dos tópicos da psique tida como normal, uma vez que nos antecederam companheiros propensos ao estudo em tese e à narração de caráter fantasioso, embora fortemente impregnassem sua manifestação da verdade mais próxima das mentes em profundo descompasso moral, principalmente no que respeitou ao drama relativo à personagem Alfredo (Ver Pequena Viagem ao Mundo dos Criminosos).
Desfizemos o encantamento para o leitor, que se habituara a esperar a conclusão da narrativa, de modo a possibilitar-lhe livre acesso à problemática da vida mais comezinha e comum.
Não estivemos por demasiado tempo, o que não nos autoriza a dizer que a produção das mensagens possa constituir-se em conjunto que se exponha à opinião, embora muito trabalho tenhamos tido para conduzir os alunos à compreensão dos mecanismos psíquicos, especialmente quanto ao enredamento de aspectos espirituais coercitivos, como que a compelir as pessoas a determinadas ações, para exame posterior do que deveriam classificar como passível de aperfeiçoamento ou necessitado de extirpação.
Quanto à mediunização, ou seja, ao empenho em facilitar aos estudantes a livre manipulação do instrumento de que dispusemos para as comunicações, houve tremenda variação de abordagens, o que, porém, não ficará consignado na transcrição fria a que se procederá ulteriormente. Só o amigo médium poderá expor com precisão, à vista de sua experiência, se os alunos deram trabalho ou se conseguiram transmissões razoáveis. Afirma-nos ele que, em virtude da alteração do ritmo que vinham adotando as equipes anteriores e à vista da maneira própria de apresentar os temas e os depoimentos, sentiu alguma estranheza, quando da quase ausência de preocupação quanto à terminologia, abrindo-se em leque a possibilidade de escolha dos termos e das estruturas frásicas, como está ocorrendo neste preciso instante, em que a imantação segue bastante liberal neste aspecto.
Há, entretanto, que se notar que muitos termos foram extraídos da nomenclatura específica da área psicológica ou médica, ocorrendo casos de palavras ditadas com muita precisão, por exigência da matéria tratada. De maneira geral, no entanto, tendo tido o objetivo de tornar as exposições acessíveis a público leigo, no que respeita ao que poderia constituir-se em conteúdo de caráter científico, foi bem melhor que o ditado se fizesse no correr da pena do escrevente, mesmo porque nem todos os expositores dominavam inteiramente a técnica da imantação, aluninhos que se aprestavam justamente para a aquisição desse conhecimento.
Mas não vamos encerrar nossa participação nesta mesa, fazendo mero relato paralelo do que ocorreu neste mês e meio em que aqui estivemos. Para concluir, vamos deixar registrado que muitas alegrias obtivemos com este trabalho, unindo-se a equipe em torno do objetivo de propiciar aos amigos condições de se inteirarem das causas de seus problemas, principalmente na expectativa de fornecimento de pistas para a resolução deles.
Eis que o amor a Deus e ao próximo, como norma evangélica, é o máximo que aluninhos de uma Escolinha de Evangelização podem sugerir e, mesmo, asseverar como roteiro maior para que bem se possa viver.
No instante em que tal verdade for vivenciada, nem mais se prestará atenção ao fato de que se esteja sendo feliz ou não. A vida se constituirá em algo tão sublime que fluirá naturalmente e, quando menos esperarmos, eis-nos de novo perante o plano espiritual, avaliando com serenidade os pontos falhos e contando os bônus dos benefícios que fomos capazes de distribuir.
Estejamos todos nas mãos de Deus; é o que lhes deseja esta pequena Equipe do Bem Viver.

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