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Contos-->Minha amiga Selma -- 02/07/2003 - 18:42 (Clodoaldo Turcato) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



Eu não sei como àquela carta foi parar na minha mesa. Mas lá estava o papel manuscrito em letra apressada:
“Querido traga-me a maconha em pacotes fechados. Hoje à noite.
Com carinho,
Selma.”
Quando minha mulher botou o olho naquilo ficou histérica.
_ Quem é essa Selma? E que história é essa de maconha?
Eu não tinha explicação nem de maconha e muito menos de Selma. Mas também não explicava a carta, que mais era um bilhete.
_ Bem, meu bem....
_ Quem bem?! Além de mulherengo é maconheiro agora? – esbravejada.
_ Veja, o bilhete não tem destinatário, poderia ser para qualquer um – argumentei já meio sem forças.
_ Qualquer um! Quantas pessoas trabalham aqui?
_ Eu e ...
_ Eu – completou ela – ninguém mais!
_ Certo, mas poderia ser outra pessoa, sei lá.
_ Não me venha! Só eu e você temos as chaves, ninguém mais. Ninguém entrou aqui, a não ser nós. Portanto a pessoa que deixou este bilhete..., essa Selma, entrou com a sua permissão.
_ Não, nada disso! – protestei.
_ Ela teria uma cópia?
_ Não!
_ E aí, qual a tua explicação?
_ Não sei, não tenho uma....
_ Mas eu tenho: você trouxe a vadia aqui no escritório e ela deixou o bilhete combinando tudo. Safado!
_ Meu amor...
_ Nada de meu amor, acabou. Vá viver com essa safada.
E saiu porta à fora.
Peguei o bilhete e coloquei no bolso da camisa, mais tarde buscaria a origem do mesmo.
O dia continuou normalmente. Dessesete e trinta acabou meu expediente, saí apressadamente para a garagem. Queria chegar em casa depressa e descobrir aquele mal entendido com minha esposa.
Cruzei o primeiro sinal em direção da rua do Sol, quando me deparei com uma blitz da polícia militar. Uma fila enorme de veículos se formou lado a lado na pista. Ninguém passava.
O guarda aproximou-se e pediu meus documentos. Imediatamente estendi minha carteira de motorista que estava no bolso da camisa. Enquanto ele verificava, tateei no porta-luvas a documentação do carro. Ao erguer os olhos o guarda ordenou:
_ Saia do veículo.
_ Porque? Algum problema?
_ Sim, o senhor terá que nos acompanhar até a Delegacia.
_ Delegacia?
_ Sim, agora saia!
_ O que foi que eu fiz? Qual o problema com o carro?
_ Nem mais uma palavra. Saia agora!
O policial já estava erguendo a voz, o que me fez acatá-lo de pronto. Sem entender nada fui levado para um viatura que me conduziu até a Delegacia de Boa Viagem.
Na delegacia fui levado para uma sala de interrogatório, onde aguardei por três horas até que alguém apareceu. Estava atônito, não tinha entendido nada. Certamente tinha me confundido com outra pessoa. O sujeito sentou-se a minha frente – era o Delegado - mal o me olhou e perguntou:
_ Quem é Selma?
_ Selma! Que Selma?
O Delegado socou a mesa e me estendeu o bilhete que eu tinha esquecido no bolso da camisa. Ao estender a habilitação para o PM o danado fora junto. Agora eu entendia tudo.
_ Vejo que lembraste, hem!
Novamente aquela carta. Com certeza o Delegado não iria somente sair porta à fora. Balbuciei uma explicação que não saiu.
_ Senhor Claudio, fumar maconha é coisa comum em Recife, agora traficar...
_ Eu não sou traficante...
_ Ah! Não? E por que essa Selma pede que o Senhor leve maconha pra ela?
_ O Senhor não vai acreditar, mas este bilhete chegou em minhas mãos não sei de que jeito.
_ Seria surpreendente que soubesses, não é – ironizou .
_ Senhor Delegado eu sou contador aqui na cidade, muita gente me conhece...
_ Ora, ora, pare com isso. Então não vai denunciar sua quadrilha, não é?
_ Não existe nenhuma quadrilha...
_ Pois bem. Ou o Senhor confessa, ou terei que prende-lo em flagrante.
_ Mas...
_ Não tem nada de mas. É a lei.
Ele tinha razão. Eu não tinha explicação alguma para a carta. A melhor atitude seria chamar um advogado. Mas daí me ocorreu:
_ Senhor Delegado, seu eu fosse realmente levar a maconha esta estaria no carro. Mande fazer uma revista e verás que falo a verdade.
O Delegado olhou-me profundamente e sorriu:
_ Senhor Claudio, eu não sou ingênuo como imaginas. O Senhor poderia estar indo buscar a maconha, só que deu azar de dar com uma batida. Quanto a maconha no carro, isso pode ser arranjado.
Grande idéia! Caiu com um castelo de cartas. Eu estava diante de um espertinho.
_ O Senhor é mais um dos riquinhos que tem dinheiro e sempre se saem bem com um advogado. Mas fique o Senhor sabendo que mesmo com este dinheiro todo... o Delegado tem que ser bonzinho, entendeu?
Eu começava entende-lo.
_ Portanto: não banque o espertinho!
Ficamos em silêncio. O Delegado estava querendo dinheiro, bastava aguardar que a pedida viria. Instantes depois ele seguiu:
_ E tem mais. Pra mim tô pouco me lixando pra quem é Selma, e muito menos o Senhor. Esta cidade tá cheia de maconheiro, como vocês. Por mim que morram cheirando! Que se fodam! A vontade que eu tenho é de dar um pau em vocês todos. Mas não, a lei, bendita lei, obriga eu ficar aqui perdendo meu tempo contigo.
Fiquei meio confuso com aquele discurso. Cheguei a imaginar que a intenção dele fosse outra. Eu temia que maiores represálias viessem. Algumas estórias de cadeia me voltaram a mente, principalmente as que se referiam aos interrogatórios. Era melhor manter cautela.
Como diz o poeta, todo homem tem seu preço. E meu interlocutor teria o seu, bastava saber quanto. Isso era minha teoria, mas minha teoria poderia estar errada. Fiquei quietinho, e os lances seguintes comprovaram que eu estava certo.
_ Meu carro Claudio – já não me tratou por Senhor. Bom sinal – Veja que sua situação está bastante complicada. Ficaria muito mal para o Senhor aparecer em manchete na Folha, daquelas bem sangrentas, nome exposto, acusação de tráfico, etc, etc e tal. Isso pode ser arranjado, só pra lembra-lo.
_ Perfeitamente.
Começávamos a nos entender.
_ Bem. A sua saída daqui depende do Senhor. O Senhor é que escolhe onde quer passar a noite, aqui ou em casa com sua esposa. Pense direitinho!
E assim com dois mil reais na mão, o prestimoso doutor me liberou. Lá se foi minha televisão.
Cheguei em casa eram mais de onze horas. Isso porque passei em quatro bancos diferentes para sacar o valor que o Delegado pediu, pois à noite os bancos não permitem saques superiores a seiscentos reais.
Mal cruzei a porta de casa minha esposa me recebeu:
_ E então, como foi com a Selma?
Foi em vão tentar justificar meu atraso.
_ Mas que cínico! Esteve em uma delegacia, não é? Rhodes, Eros, Shangai?
_ Não, Boa Viagem! Delegacia de Boa Viagem.
_ Há é? Cadê o BO?
É lógico que não havia boletim nenhum.
_ Ligue para a Delegacia, fale com o Delegado, ele vai comprovar o que digo.
Ela ligou e o Delegado negou que tivesse estado por lá.
_ É, realmente: você é surpreendente.
Foi para o quarto enfurecida. Passei a noite no sofá, sozinho; maldito bilhete.
Acordei tarde. Meu sobrinho de doze anos estava na mesa da sala mexendo em minhas coisas. Não dei importância, afinal a carteira estava vazia.
O menino levantou-se veio em minha direção e me perguntou:
_ Ei tio, quem é Selma. É lindona?
A minha vontade foi de ir ao pescoço do moleque. Mas ele, não percebendo minha ira, prosseguiu.
_ Pode falar tio. Cá pra nós: de vez em quando é bom variar. Foi farra boa, com bagulho e tudo...
Agarrei o bilhete de sua mão, pus na boca, mastiguei e engoli. Precisava ter certeza de que ele não acabaria comigo.
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