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Contos-->Neura. -- 02/07/2003 - 08:56 (Fleide Wilian R. Alves) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Peito, aperto.

Mente, ocupada.

Olhos, inchados.

Corpo, dolorido.

Lembranças, promessas.

Vida, que vida?

Não suporto isso!

Olho o telefone, você não liga. Caminho até a janela, bato o joelho no sofá, o mesmo que nos acolheu em tantos momentos de amor. Pego o copo e bebo, aprendi a beber, como você queria. Já não sinto gosto. Na janela a brisa é fresca, a bebida é insípida, a saliva amarga. O joelho dói, a música me faz lembrar de ti. Te procuro pela janela, ninguém. Um galo anuncia pela primeira vez a escalada do sol por mais um dia. Que horas são? Duas, três, quatro da manhã? A música é a mesma que esporadicamente nos acompanhava em momentos de amor. Não consigo assimilar essa excitação, o fracasso me consome.

Mais uma lágrima rola por minha face. A última? Isso eu não digo mais.

Estou cansada.

Que importa...

Sono.

Meu bem não vem mais. Como sou tola, acreditar num mero: "Se der eu apareço no sábado em sua casa pra gente fazer alguma coisa". Eu sorridente, modifiquei mais uma vez, a minha vida inteira em função desse quase compromisso. Pertenço a ele. Estou rindo, como posso ser tão idiota?

Olho a lua, o que haverá em seu lado escuro?

Há um bicho dentro de mim, um animal indomável que mora em meu peito e me controla. Sou tão sensível. Porque meu bem faz isso comigo?

Grito a plenos pulmões pela janela:

-Onde está você meu bem? Vem me ver!!

O senhor Alaor, meu vizinho, responde da janela do apartamento ao lado:

-Vai dormir sua louca!

Respondo:

-Cala a boca seu velho bafudo, não sei como dona Amália agüenta te beijar!

Breve silêncio, o telefone toca. É o senhor Alaor, tenho certeza, ai que bobeira que eu falei, penso comigo.

Grito mais uma vez:

-Desculpa senhor Alaor, eu não estava falando sério, não precisa ligar pra mim não!

Ele responde:

-Vai dormir minha filha, já é tarde.

Grito novamente:

-Senhor Alaor, desculpa, estou apaixonada e bêbada! Dá um beijo em dona Amália e durmam bem!

Espero um pouco. Nenhuma resposta, só o som do deslizar distante de uma janela de correr, o telefone também para de tocar. Como sou tapada, ficar gritando feito louca no meio da madrugada. Mas eu tenho direito também, o morador do 302 vive fazendo festa do cabide e ninguém fala nada. Estou me lixando pro senhor Alaor.

Paz, mas que foi feio, isso foi.

Sono.

Eu gostava bem mais da dona Amália até que eu a presenteei com um tapete de porta e ela não usou. Comprei três, dois pra mim e um para ela. Eram tão bonitos, de retalhos coloridos de malha de algodão e ela não usa! Prefere aquele horroroso que está na porta dela. Preto, emborrachado. Uso os meus alternando nas semanas. Ela não deve ser boa pessoa, dona Amália com certeza esconde algum segredo da família. E as roupas que ela usa? Que mau gosto, uma mulher que se veste tão mal só pode ter um amante e dissimula com a conversa sempre pouco objetiva e com as roupas pavorosas que veste. Engana todo mundo, menos eu. Aquele tapete deve ter algum significado. E isso sem falar na violeta linda que dei para ela e morreu com quinze dias. Morreu porque eu a vi no lixo dela. A minha está linda, toda viçosa, sob a mesa. Com isso, não faço mais tanta questão de conversar com ela.

Silêncio, suspiro.

Sono.

Uma lembrança repentina me assusta e solto um semigrito.

-Emília! Cadê você minha bonequinha lindinha, cadê você?

Corro feito louca pela casa, procuro em todos os lugares.

Achei-a, atrás do sofá.

Há quantos anos estamos juntas? Abraço-a. Muitos anos, você é minha amiga inseparável, só você me entende com seu silêncio. Você sabe que preciso de meu bem para viver, que eu o amo e que ele me ama também, só ele não sabe, mas eu vou mostrar isso pra ele.

O creme dental! Lembro subitamente que só tenho um tubo do creme dental da marca que meu bem gosta. Vou ao banheiro mais uma vez pra conferir isso e se não estou deixando nenhuma calcinha secando, pendurada na janela. Meu bem não gosta. Não, não tem nada lá, sei disso mas não custa conferir e o creme é da marca que ele gosta. Vou aproveitar e conferir a geladeira novamente, tenho que verificar se providenciei as comidinhas que meu bem gosta (pela milésima vez).

Arroz de forno? Basta esquentar no microondas. Feijão batido? Tem. Lagarto recheado, tá meio salgado mas ele prefere comida salgada a fraca de sal. Cerveja da marca que ele gosta, tem. Mas ás vezes ele gosta de tomar refrigerante, também tem. Para a sobremesa tem pudim de leite. Espera um pouco, pudim de leite? Chuto a geladeira. Como sou idiota!

Desespero. Ele odeia pudim de leite, ele gosta de sorvete de morango! Como sou imbecil, vim á geladeira um milhão de vezes e conferi tudo!

Choro, solto.

Silêncio, pensamento.

Vou para a sala, me jogo no sofá.

Sono.

O que eu faço agora?

Eu não mereço isso! Porque ele não liga, não manda recado?

Sua sonsa! Ele já cansou de te explicar que a torre de controle de tráfego aéreo é um lugar de muita concentração e não dá pra ficar fazendo ou recebendo ligações.

Silêncio, soluço.

Lá vem a merda dessa queimação no estômago, vou tomar remédio.

Só tem duas caixas de comprimido, não posso esquecer de comprar mais amanhã. Preciso mentalizar para não esquecer. "Comprar comprimido para o estômago, comprar, compr.... estômago, compr...."

Adormeci.

Pouco depois o telefone toca até cair na secretária eletrônica. No dia seguinte ouço a seguinte gravação:

"Neura, te liguei mais cedo e você não atendeu. Eu queria passar aí antes de viajar mas quis avisar, você deveria não estar em casa. Volto no mês que vem, quando der eu ligo. Beijo"

...e eu não tinha bebida para "comemorar" a idiotice do século.

Sou tão relapsa.
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