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cronicas-->PORTA FECHADA -- 23/01/2003 - 01:41 (Maria Teresa Albani (Maytê)) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
PORTA FECHADA





Estou sentada na mesma posição há exatamente trinta e oito minutos e ainda não cansei, nem de ficar na mesma posição, nem de observar o relógio marcando segundo a segundo com uma precisão insuportável, lembrando o que me fez levantar da cama e permanecer aqui até agora.

Foi o relógio, acredites ou não. O relógio que perdi dentro do caos que volta e meia toma conta de minha cada vez mais desorganizada vida. E quando finalmente o encontrei, descobri que havia se passado uma hora.

Uma hora inteira, sessenta preciosos minutos e, ainda que tente acelerar o passo pra fazer o tempo andar mais rápido, saber que nunca mais poderei ter de volta aqueles sessenta minutos dos quais eu tanto preciso, acionou uma luzinha vermelha no meu cérebro...

E desde então estou aqui, tentando associar estes sessenta minutos a tua volta, a tua rápida volta, a tua certa, mas não necessariamente desejada, volta - porque eu sabia que uma hora ias voltar - e lá estou eu falando em horas novamente, como se tudo de repente tivesse significado através do tempo.

E por falar nisso, onde foram parar as horas que passamos juntos? O que foi feito do tempo de chegar de mansinho como quem não quer nada, e em que momento as coisas se aceleraram, e viraram declarações veladas, e depois projetos, promessas, planos, todos enovelados com o tempo que corria e se gastava em vão? O nosso tempo foi gasto em vão, ou foi - digamos assim - computado como um investimento que no final se lançou a fundo perdido? Ou para fundo perdido foi o tempo em que esperei tua volta? O tempo em que, mesmo envolvida na minha sempre tão pesada rotina, ainda conseguia pensar na tua abrupta partida, conjecturar sobre a tua inesperada partida e me deixar tomar pela mágoa da tua inexplicável partida?

Lembro-me de que bateste a porta. Não a vi fechar. Juro que pensei que a cobrinha de areia que me deste certa vez, dizendo que servia para manter a porta semi-aberta a fim de que o ar circulasse e minha rinite não me fizesse sufocar, tinha impedido que ela se fechasse. E porque, no meu alheamento, julgava a porta aberta, dei pra esperar por ti.

Nos momentos em que o cansaço me permitia trinta segundos para um café morno e um cigarro fumado pela metade, eu conversava contigo. Perguntava coisas, inventava respostas, dava explicações por nós dois - tem coisa mais patética do que uma mulher tentando desculpar uma porta batida com raiva, abruptamente, e sem nenhum sentido, por um homem tão seguro de si, de repente travestido de menino birrento?

Acho que mais patético é negar que em todo homem seguro há um menino birrento, amuado, prestes a explodir a menor contrariedade, mas nessas questões mal resolvidas o que menos conta é o óbvio, e ficava tentando explicar a mim mesma o que anos de divã não explicariam a ti, e a esperar tua volta.

Eu nunca bato portas. Nunca vou embora assim, num rompante... eu fico engolindo sapos, colocando panos quentes, até que o copo transborde e quando o outro me procura não estou mais lá. Saio silenciosamente, e para nunca mais voltar. Sou que nem o relógio, sigo em frente, nunca para trás.

Mas eu sabia que ias voltar. Pela batida da porta, um paradoxo a tua fala macia, aos teus cavalheirescos gestos de me cobrir de flores, ao romantismo exagerado com que querias me demonstrar amor, eu sabia que aquela valentia toda ia terminar na primeira saudade, no primeiro sábado solitário, no vinho tomado pela metade por falta de parceria, no friozinho que entra por debaixo do edredon numa cama de casal onde só um corpo deita - mania das pessoas separadas se apegarem à cama de casal como se esperassem para o resto do sempre o dia de novamente se transformarem na metade de alguém...

Quando tua volta aconteceu, não percebi de onde vinhas, nem pude lançar mão daquele arsenal de frases feitas que tinha compilado para usar - que começavam por uma indiferença dissimulada e iam até um "gran finale", com direito a lavar mágoas e aceitar, com lágrimas de crocodilo, os teus pedidos de desculpas devidos... para então te dizer que ao partir daquele jeito tinhas levado de mim alguma coisa que nem sequer havia começado direito.

Mas porque foi muito silenciosa a tua volta, fui tomada de assalto em minha vulnerabilidade e, num momento - faça-me o favor! - um homem não pode simplesmente voltar quando a gente está em plena TPM, com todas as carências afloradas, com jeito de cachorro que perdeu o dono e espera qualquer mão que lhe afague para abanar o rabo...

Pois foi assim que voltaste, como quem foi até a esquina comprar uma coca-cola diet e precisou passar no banco pra tirar dinheiro, e ficou um tempão na fila do caixa-eletrónico pra descobrir que não havia como sacar, e caminhou mais quatro quadras até a locadora de um amigo para trocar um cheque e, quando finalmente terminou de ouvir o último caso de amor fracassado do amigo, voltou pra casa completamente esquecido do guaraná diet... não... era coca-cola... ou seria pepsi?

Foi assim também que te recebi, porque em TPM a gente não pensa, vira bicho no cio e a irracionalidade nem pede para entrar, ela se instala. E fica!

E nada foi dito, e nem se falou sobre sede, sobre o guaraná ser ou não melhor que a coca. Simplesmente chegaste, tomaste conta do controle remoto da tv, deitaste na cama do mesmo modo insuportável de sempre - de sapatos - e ali permanecerias para sempre, não tivesse eu perdido o relógio...

E então, finalmente, compreendi que tua volta fora tão inútil quanto minha tentativa de recuperar aqueles sessenta minutos. E que voltaste assim tão rápido para que eu não percebesse que, quando te foste daquela forma tão abrupta, batendo a porta para delimitar territórios, ela se fechara definitivamente para ti.



em 19.01.2002
04h30 AM

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