Usina de Letras
Usina de Letras
172 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62219 )

Cartas ( 21334)

Contos (13263)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10362)

Erótico (13569)

Frases (50614)

Humor (20031)

Infantil (5431)

Infanto Juvenil (4767)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140800)

Redação (3305)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6189)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cronicas-->A maior força de todas -- 20/01/2003 - 13:40 (Clodoaldo Turcato) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A maior força de todas

Quando cheguei em Recife, no meio de 2001, trouxe do Sul a expectativa de encontrar outra realidade, criada à partir de informações distorcidas, recebidas, em sua maioria, fruto de uma escola de torpezas, que coloca Sul e Nordeste em uma disputa desnecessária. O Nordeste conhecido, até então, era a seca, a fome e a dor; bem como parte das imensas manifestações culturais deste povo; causadoras de uma inveja confessa. Com estas características reunidas, uma questão me intrigava: como dentre tanta tristeza, o sujeito arranja forças para tanta criatividade? Existe algum segredo para, nesta série de calamidades, explicar tamanho talento. O primeiro indicio de que minha cisma era fundada se postou ao pousar no Guararapes. Do alto vi o mar, muito verde e rios. Cadê a seca?
Uma passadela pelas calçadas de Boa Viagem, bastou para me desencantar. Os sinais de desigualdade brotaram rapidamente. Embora se perceba algum esforço das autoridades locais para encher os olhos dos turistas; soma-se a esta estratégia o tratamento diferenciado dado aos "gringos" (norte-americanos e europeus em geral), que pagam em dólares e se cercam de prostitutas. É grande o número de pedintes durante o dia e garotas de programas à noite, nas principais avenidas turísticas. Nada de novidades. Mas é dureza ver menores esnobados por afortunados, que não fariam nada demais se respeitassem a condição daquelas.
Nos dias que se seguiram, fui visitar Olinda; confesso que me apaixonei. Vale o trocadilho: é linda. Certamente, o litoral pernambucano esta entre os mais bonitos do mundo, mesmo que as catedrais insistam em ser prova concreta do poderio (considerado por alguns como danoso) que a igreja exerceu no desenvolvimento do Brasil. Retornamos pela Domingos Ferreira, onde tive o desprazer de acompanhar uma das cenas mais triste de minha vida, proporcionado por um italiano, digno representante do primeiro mundo. Este honorável turista, abordou uma menina, que insistia em limpar o pára-brisa de seu carro. Da janela do táxi ouvi a lábia maliciosa do "gringo":
_ Cito virge ancora bambina?
Ela sorriu cabisbaixa da pergunta enrolada, perfeitamente traduzida por aqueles ouvidos habituados à tais galanteios. O sinal verde me salvou do final da cena. O motorista, percebendo minha indignação, consolou-me:
_ Não aperreie não, patrão. Esses gringos vêm aqui e podem tudo. Até desrespeitara as crianças.Visse!
Ele até achava humilhante sua concordància com tamanha brutalidade, ficava irado, mas tinha que mostrar os dentes. Afinal precisava dos dólares trazidos pelos estrangeiros, depois, quando à noite caísse, àquela "menininha" estaria na António Falcão se prostituindo mesmo.
Dias depois me estabeleci em uma casa confortável no Bairro da Várzea. A rua não tem saída, e o fluxo de transeuntes é controlado por ex-policiais militares, contratados como seguranças pelos moradores. Esta medida gerou uma pendenga entre a Prefeitura Municipal e a Comissão de Moradores, justamente pela sua ilegalidade no quesito "Liberdade de ir e vir". Já foram arrancados três portões, que no dia seguinte se erguem novamente. O temor é justificado, pois a rua já fora vítima de vários assaltos, tiroteios e mortes. Porém...
Avaliando as duas experiências (da menina na praia e da segurança da minha rua), cheguei a uma conclusão grave: o poder económico vem criando leis paralelas à legislação, que com os dias, vão se tornando aceitas pela sociedade. Mesmo as maiores aberrações, bastando que se atinja os fins, sem avaliar os meios. Ninguém toma às dores da menor aliciada, ao mesmo tempo em que se acha perfeitamente natural tornar um espaço público em privado, utilizando para isso homens que nos dão uma falsa segurança.
Nos esquecemos a diferença principal entre o humano e o animal. É pensamento corrente de muitos, em todo o país, que os pobres deveriam ser colocados em lugar próprio. Porque é da pobreza que surge à violência. Criaria-se assim um apartheid, fato já verificado nas grandes cidades brasileiras, com o aumento das favelas. Essas comunidades são habitadas pelo "povinho", que rebentam a menina do sinal e o marginal de minha rua. É a personificação do egoísmo. Os animais continuam os mesmos, nós pioramos: criamos a grande divisão socioeconómica.
O leitor poderia se indignar: Mal chegaste em nossa terra e te põe a expor aquilo que todos sabemos! Grande ajuda a sua. Calma! Um minuto de sua paciência. Não me interessa aumentar a lista dos sensacionalistas, já os temos o suficiente. Lá temos os mesmos males, senão piores. A riqueza é tão mal dividida quanto cá. A forma de sermos explorados, e explorarmos, é que muda. Entre as mazelas de lá, destacaria o enorme preconceito com o negro e nordestino. Para ser, digamos, leve.
O objetivo de minhas ponderações é encontrar o segredo que diferencia Norte e Sul. Como o nordestino pobre pode ser tão criativo, se sobreviver já é uma arte? Temos no Sul grandes colaboradores para as artes, sem dúvida alguma, mas as produções surgem de um seleto clube de intelectuais, que se expressam normalmente em bases clássicas. Poucos são os casos em que o popular ganha notoriedade. Com condições financeiras, o artista ultrapassa rapidamente barreiras para o reconhecimento, que o comum só venceria com muito talento. Geralmente fazer arte não é para pobres.
Por aqui, a arte emana do povo, que além de sofrer, consegue canalizar esta energia para as suas manifestações culturais. Quando eu disse a meu pai que pretendia ser escritor, ele foi categórico: seja contador ou advogado. Esse negócio de artista não dá futuro. Segui sua orientação e me tornei um belo egoísta. Por aqui é motivo de orgulho para os pais terem seus filhos estudando música, teatro, cinema, dança, etc.
De todas estas observações, me ficou a certeza de que a qualquer momento o "povinho" daqui vai se impor a "lá Argentina". Talvez não se utilizem de panelas, pois poucos as tem, mas exigirão que seus representantes cumpram as obrigações para que foram eleitos. As autoridades estão deixando a indignação chegar a um patamar muito perigoso.
Ainda não fui ao agreste, onde dizem que a seca existe. Vendo a força do nordestino urbano, imagino a do rural. Espero sinceramente aprender como diante de tantas humilhações essa gente encontra forças para sobreviver e fazer arte tão bem.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui