Querido amigo escrevente,
Não vá perder-se comigo:
Sou chamado “boa gente”,
Por não querer inimigo.
Palpitei-lhe, muitas vezes
(Não se aborreça comigo):
Foram conselhos soezes
Que não se dão ao amigo.
Mas você sempre foi firme,
Resistindo com bravura.;
Jamais procurou ferir-me:
Sempre fez boa figura.
Hoje volto, de mansinho,
Arrependido, afinal,
Em busca do seu carinho,
Posto enorme fosse o mal.
Vejo que você não lembra
De quem tanto mal lhe fez:
A memória não desmembra,
Se a bondade uniu de vez.
Não tenho grande esperança
De sair daqui curado.;
Seria certa a bonança,
Se só fosse perdoado.
Nosso amigo sabe bem
Que o perdão é seu dever,
E está pensando também
Em dar-me seu bem-querer.
Vai além seu pensamento,
Vai em busca do prazer
De me livrar do tormento
Deste meu forte sofrer.
Isto tudo é bem verdade,
São fatos que vão passando.;
Mas é triste a realidade,
Se foi grande o desengano.
Se o escrevente quer tornar
Quem lhe fala mais feliz,
Deve ocupar o lugar,
P ra compreender o que eu fiz.
Diz ele não ser preciso
Saber a extensão do crime,
P ra acenar co o paraíso,
P ra que o sofredor se anime.
Basta ter bom coração
E abraçar o inimigo,
Deixando a sorte na mão
De Deus — o melhor abrigo.
Eu só posso agradecer
A quem me deu esperança,
Rogando ao Senhor p ra ser
Eterna a sua bonança.
Vou ter de enxugar o pranto
Que escorre dos olhos meus:
Se foi possível este canto,
Foi puro favor de Deus.
Sei que é pobre a minha lira,
Desafinados os versos,
Porém, o que eu tinha em mira
Foi não deixá-los dispersos.
Desejo só informar
Que para cá fui trazido,
P ra me reconciliar
Com quem deixei ofendido.
Muito agora me admiro
De que ele se esqueceu
Que fui eu quem deu o tiro,
A causa de que morreu.
De nada diz se lembrar
De alguma vida pregressa,
Que só deseja me amar.;
Quanto a saber, não tem pressa.
Sinto-me agora perplexo,
Os mentores que me ajudem.;
O que penso não tem nexo:
São fantasmas que me iludem.
Enquanto escrevo poesia,
Não sinto com propriedade:
É o odor da maresia
Que toda a cidade invade.
Pretendo justificar,
Pois não posso sentir dor:
Na hora de versejar,
"O poeta é um fingidor".
Foi fácil lembrar Pessoa,
De quem me mantive perto.
Eu tive uma coisa boa:
O cérebro bem desperto.
Vou derivando esta escrita,
Com medo de me perder.;
Sinto um olhar que me fita,
Com pena do meu sofrer.
Foi sempre fácil p ra mim
Concatenar simples versos,
Mas comi muito capim,
Por fazê-los mui perversos.
Mais fáceis são de fazer
Com o auxílio que se tem
De quem quer satisfazer
O desejo deste bem.
Por outro lado, é preciso
Que se compreenda, também,
Que a falta de algum juízo
Não vai condenar ninguém.
Irá, antes, propiciar
Aos meus amigos mentores
Recursos p ra amenizar
A maior parte das dores.
Pois, se sofro um pouquinho,
É que me faltou carinho
Daqueles que mais amei.
Já não falo do escrevente,
Mas de toda aquela gente
A quem carinhos neguei.
Hoje volto arrependido,
Meu coração malferido,
Palpitando, sofre e anseia.;
É mar revolto que cresce
Cuja dor desaparece,
Como alva espuma na areia.
Não quero fazer poesia
Que revele uma alma fria,
Com medo de errar a rima.;
Já não penso no leitor
Como algum desfrutador,
Mas como alguém que me estima.
Penso ter cumprido bem
Esta missão de refém
Que se viu subjugado
Pelas virtudes do amor
De meu anjo protetor,
Que reza aqui do meu lado.
Foi ele bem sucedido?
Será isso resolvido
Pelo consenso do grupo.;
Naquilo que coube a mim,
Que está agora no fim,
Espero só triste apupo.
Nosso médium se intrigou,
Pois do tiro não lembrou
Nem deste que o fez consciente.;
É que banquei o espertinho,
Busquei cravar-lhe um espinho,
Mas foi tudo improducente.
Dominaram-me a vontade,
P ra minha felicidade,
Porque me expus d’alma inteira.;
Agora eu estou mais contente,
Perfeitamente consciente,
Sem ter perdido a estribeira.
Muitos dos versos que fiz,
Os em que eu fui mais feliz,
Me foram dados assim.;
É que meus bons protetores,
Na qualidade de autores,
Foram pensando por mim.
Vejo o escrevente cansado,
Um pouco desconfiado
De que armei uma arapuca.;
Mas vai ter de dar desconto,
Porque sempre aumenta um ponto
Quem faz a coisa maluca.
Eu já queria partir,
Mas vou dizer, Wladimir,
Não vá ficar preocupado:
Com não ser isto poesia,
Sempre há de ter alegria
Quem tem Jesus ao seu lado.
Só me resta agradecer,
E não faço por dever
Baseado em etiquetas.;
É que o trabalho que fiz
Deixou--me bem mais feliz:
As coisas não estão pretas.
"Senhor, Deus dos desgraçados,"
Olhai p ros desesperados
Que não sabem o que dizem.;
Dai-lhes mais força e poder,
Para lutar e vencer
Os vícios, que já maldizem!
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